Para Alvaro Dias, fundamental agora é uma profunda reforma política

Da Redação | 22/08/2008, 12h13

Eleito senador pelo PMDB em 1982, Alvaro Dias tinha 40 anos, em 1985, quando o então presidente José Sarney convocou a Assembléia Nacional Constituinte para fazer uma nova Constituição para o país e, assim, consolidar a transição democrática. Empossado no governo do Paraná em 1987, no mesmo ano em que começavam os trabalhos constituintes, Alvaro Dias teve pouca participação nessa experiência, tempo suficiente, contudo, para constatar que o país podia ter mudado ali o que ele define como uma arcaica estrutura de poder.

Apesar de lamentar as distorções que até hoje perduram no texto, como o instituto da medidas provisórias, que ele chama de "atraso constitucional", Alvaro Dias observa que, naquele momento histórico, o Brasil combateu "o bom combate", em busca de uma sociedade mais justa. Ao analisar os 20 anos de nossa carta constitucional, ele diz que fundamental agora é o Legislativo fazer uma profunda reforma política que, entre outras mudanças, diminua para dois o número de senadores por estado. 

Agência Senado - Que momento o senhor define como o mais dramático vivido pela Assembléia Constituinte? 

Alvaro Dias - Vivemos, àquela época, inúmeros momentos graves e tensos. Acredito que a insurreição do bloco de parlamentares conservadores, que ensejou a formação do chamado Centrão, representou, em grande medida, o risco maior. O bloco ameaçou retirar-se da Assembléia Constituinte se determinadas exigências de caráter regimental não fossem atendidas. Foi uma reação clara às propostas em curso, que seguramente dariam uma moldura mais progressista ao texto da futura Carta Magna. Como governador do Paraná, à época, acompanhei a distância.

Agência Senado - Em alguma situação o senhorachou que a Constituição não ia sair?

Alvaro Dias - O impasse, capitaneado pelos deputados e senadores conservadores, realmente turvou o ambiente da Constituinte. Mesmo diante da reação orquestrada pelo Centrão, jamais apostei no fracasso. As articulações conduzidas ao longo do processo da Constituinte, notadamente por Ulysses Guimarães, escudado por Mario Covas, com o auxílio inestimável de Jarbas Passarinho, entre tantos outros que deixo de mencionar, asseguraram que chegássemos a bom termo, impedindo o malogro da Constituinte.

Agência Senado - Que artigos o senhor considera retrógrados e que jamais deveriam ter integrado esse texto constitucional? 

Alvaro Dias - Primeiramente, é preciso ter em mente que tivemos a Constituinte que o momento histórico permitiu e ditou. Portanto, elencar dispositivos que não deveriam ter sido acolhidos requer um posicionamento que não deixa de contabilizar alguns preciosismos no mínimo pouco realistas. Em que pesem algumas críticas, a Constituição vocaliza a vontade de uma diversificada composição de forças políticas, produzindo um texto inquestionavelmente progressista. Enxergo, por exemplo, na manutenção do perfil do presidencialismo imperial uma distorção que poderia ter sido melhor calibrada. A manutenção desse traço histórico, presente desde o marechal Deodoro da Fonseca, é um ingrediente que convulsiona a governabilidade em períodos alternados. Todavia, sou forçado a reconhecer que a cota de responsabilidade da Carta de 1988, nesse sentido, é acessória. A grande distorção vem de uma arcaica estrutura de poder. Mas, sem dúvida, o expediente da medida provisória, apropriado para o regime parlamentarista, é um atraso constitucional que submete o Poder Legislativo a uma humilhação quase que permanente.

Agência Senado - Em sua opinião, a Constituição ficou com a cara do Brasil ou poderia ter resultado num textomais progressista? 

Alvaro Dias - A Constituição refletiu conquistas importantes no cenário social do nosso país, bem como no que se refere aos direitos fundamentais, e resultou num texto consideravelmente progressista, a despeito das forças conservadoras que atuaram e impuseram sua visão. Eu posso afirmar que a Carta Magna promulgada naquele dia 5 de outubro de 1988, na sessão de encerramento da Assembléia Nacional Constituinte, tendo o saudoso Afonso Arinos como orador-mor, foi um marco na história republicana brasileira. O bom combate que travamos foi em prol da construção de um país mais justo e soberano. Sob esse prisma, foi uma luta vitoriosa, considerando que se produziu a mais avançada Carta Política já existente em nossa história. 

Agência Senado - O crescimento econômico que o país registra hoje é resultado daquela Carta ou das mudanças trazidas pela globalização?  

Alvaro Dias - Os eventos históricos nacionais dos últimos 20 anos não podem ser dissociados dos alicerces lançados na nova Constituição. Observando aquele período, vemos o Brasil tentando, sem sucesso, controlar e enjaular o monstro inflacionário. A posse do vice-presidente Itamar Franco [em 1992] se deu em um cenário de crise política, ética e econômica. O novo presidente da República, em 2 de agosto de 1993, criou o Cruzeiro Real. À frente do Ministério da Fazenda, o então senador Fernando Henrique Cardoso, conhecedor dos equívocos que mutilaram o Plano Cruzado, convocou uma equipe de competentes economistas. O presidente Itamar Franco prestigiou o seu ministro e lançou, com grande coragem, a autêntica revolução econômica que seria implantada em 1º de julho de 1994: o Real.

A eleição de Fernando Henrique Cardoso aprofundou e consolidou o Real, buscando a modernização por meio de reformas capazes de eliminar estruturas atrasadas e injustas que travavam as potencialidades nacionais. Infelizmente, muitas das reformas fundamentais que o país exige ainda estão por se fazer. Contudo, as mudanças que foram feitas respondem pelo razoável momento em que se encontra o país. Os desafios são gigantescos, mas não se pode negar a indiscutível melhoria das condições de vida da grande maioria dos brasileiros. O fato é que, sem o Plano Real, tudo isso teria sido impossível de se concretizar. 

Agência Senado - O que o senhor mudaria urgentemente na Constituição?

Alvaro Dias - Não posso enxergar outro horizonte de mudança que não contemple uma profunda reforma política. Precisamos inclusive redesenhar o nosso Parlamento. Redimensionar o Poder Legislativo Federal e alçá-lo a um patamar à altura dos anseios da sociedade. Tenho proposta nesse sentido que, em um só tempo, restabeleceria o equilíbrio na representação das bancadas dos estados na Câmara dos Deputados, assembléias legislativas e câmaras de vereadores, além de contribuir para o esforço de redução do tamanho do Estado brasileiro e a conseqüente diminuição dos gastos públicos.

Apresentei ainda proposta de emenda à Constituição [PEC] com o objetivo de reduzir de três para dois o número de senadores em cada estado e no Distrito Federal. Entendo que o Senado não deve ficar de fora do esforço de redução do número de parlamentares que compõem o Poder Legislativo no Brasil. Nesse contexto, embora mantendo a representação igualitária dos estados, como pré-requisito para prover o equilíbrio nas decisões de interesse da federação, considero que é adequada a sua redução em um terço. Teríamos um Legislativo mais enxuto, econômico, eficiente e, sobretudo, mais respeitado pela população do país.

Teresa Cardoso/ Agência Senado
(Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

Mais informações sobre os 20 anos da Constituição no endereço http://www2.camara.gov.br/internet/constituicao20anos

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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