CPMI da Terra promove audiência pública em Porto Velho

Da Redação | 15/04/2005, 00h00



Com o objetivo de avaliar a situação fundiária em Rondônia, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Terra promoveu na quinta-feira (14) audiência pública na capital Porto Velho. Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), 37% das terras do estado não estão cadastradas - a atuação do instituto, aliás, foi um dos principais temas discutidos entre parlamentares e depoentes. O senador Valdir Raupp (PMDB-RO) ressaltou que Pará, Pernambuco e Rondônia são os estados com maior número de acampamentos e conflitos agrários no país. Entre os problemas agrários da região estão a exploração ilegal da madeira e a grilagem de terras.

Durante a sessão, foram apresentadas duas denúncias: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) apontou a existência de trabalho escravo no sul do estado, e o senador Sibá Machado (PT-AC) acusou ex-funcionários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) da região de emitir documentos falsos para legitimar a posse de áreas sob intervenção judicial. Por outro lado, o presidente da Associação dos Proprietários Rurais de Rondônia, Sebastião Conti Neto, afirmou que "nenhum grupo tem o direito de fazer a reforma agrária com as próprias mãos, mas é isso o que vem ocorrendo".

Para o presidente da CPI, senador Alvaro Dias (PSDB-PR), o quadro encontrado em Rondônia é similar ao que se verifica em várias regiões do país, "principalmente nos estados mais novos, onde há grandes áreas improdutivas". Ele citou as invasões de terras, a grilagem, as documentações irregulares e o desrespeito a ordens judiciais como algumas das características comuns nesses casos.

- A violência, nesse contexto, é resultado da desorganização. Há necessidade de uma gestão pública competente para reorganizar a estrutura fundiária brasileira - ressaltou Alvaro Dias.

Um dos indícios dessa desorganização foi justamente a informação, fornecida pelo superintendente do Incra no estado, Olavo Nienow, de que 37% das terras não estão cadastradas. O superintendente explicou que todas as terras públicas de Rondônia são geridas pelo Incra, e que desde 1988 há um plano de zoneamento ecológico para a ocupação dessas áreas. Também informou que o estado tem atualmente 44 acampamentos cadastrados, onde estão abrigadas 4.389 famílias. De acordo com Nienow, as mortes causadas por conflitos agrários diminuíram de 11, em 2003, para quatro, em 2004, graças à Comissão de Mediação de Conflitos Agrários do Incra. O senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), no entanto, criticou o superintendente, argumentando que "o quadro da instituição pintado por Nienow era colorido, cor-de-rosa, e não revela as deficiências e a verdadeira situação do Incra".

Já o senador Valdir Raupp declarou estar otimista em relação ao instituto, mesmo reconhecendo que "a lentidão, a burocracia e a falta de mão-de-obra especializada são problemas notórios do Incra".

- O governo federal está destinando um volume maior de recursos para Pará, Pernambuco e Rondônia, devido à dimensão dos problemas rurais nesses estados. Sem recursos não se consegue promover a reforma agrária, já que é preciso desapropriar e comprar terrenos - disse Raupp, que também destacou a vinda de 20 técnicos para a superintendência do Incra em Rondônia.

Alvaro Dias alertou para o fato de que "o modelo de reforma agrária tem de ser discutida conforme as diferentes características regionais". Para o presidente da CPI, "é impossível aplicar um único modelo de reforma agrária para todo o país".

Grilagem de terras

Segundo o assessor jurídico da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Ernandes Segismundo, "houve no estado uma fantástica transferência de patrimônio público para mãos privadas, realizada por meios ilegais". Segismundo citou como exemplo o proprietário de terras Antônio Martins dos Santos - conhecido na região como Galo Velho -, que teria em seu poder uma área total de um milhão de hectares. O deputado federal Anselmo de Jesus Abreu (PT-RO) aponta Galo Velho como "o maior grileiro de terras pertencentes à União no estado de Rondônia".

A senadora Fátima Cleide (PT-RO) irá solicitar que Galo Velho deponha perante a CPI da Terra, em Brasília. Seu requerimento ainda terá de ser votado na comissão. Se for aprovado, Anselmo de Jesus Abreu realizará outro requerimento, desta vez para quebrar o sigilo bancário do proprietário de terras.

Troca de acusações

A audiência pública em Porto Velho também foi marcada pela troca de acusações entre representantes de proprietário de terras, de um lado, e de trabalhadores rurais, de outro. Além de denunciar a exploração de trabalho escravo na região localizada entre as cidades de Vilhena e Corumbiara, no sul de Rondônia, Claudinei Lúcio dos Santos, da direção estadual do MST, alertou para a grilagem de terras pertencentes à União e para as invasões das chamadas "reservas em bloco".

Em contraste, o presidente da Associação dos Proprietários Rurais de Rondônia, Sebastião Conti Neto, afirmou que "nunca ouviu falar de violência praticada por proprietários rurais da região, mas sim por parte de movimentos sociais".

- A Medida Provisória 2.183 exclui do programa de reforma agrária qualquer grupo, movimento ou pessoa que participe de invasões de terras públicas ou privadas. Mas essa medida vem sendo desrespeitada pelos movimentos sociais, sem que haja qualquer punição - argumentou Sebastião.

Durante a sessão, o ex-deputado federal e proprietário de terras Antonio Morimoto foi retirado do recinto onde se realizava a audiência, na Assembléia Legislativa de Rondônia, após tentar fazer um aparte. Somente parlamentares e depoentes podem se manifestar nas audiências da CPI. Após sair do recinto, Morimoto protestou contra a atuação do Incra e as invasões realizadas em suas terras.

Claudinei, do MST, afirmou que há 5 mil famílias esperando para serem assentadas. E acrescentou que a lentidão nas ações do governo, incluindo o Judiciário, nos processo de desapropriação contribui para o aumento da tensão no campo.

- Ouvimos denúncias de ambos os lados, mas praticamente não se fala em condenações e prisões. O cenário é de impunidade e há que se responsabilizar, sim, o poder público por tal situação - disse Alvaro Dias.

Visita a acampamento

Ainda na quinta-feira (14), os integrantes da CPI da Terra visitaram o Acampamento Flor do Amazonas, organizado pelo Movimento Camponês de Corumbiara. Segundo essa entidade, o acampamento ocupa 30 hectares da Fazenda Urupá, cuja área está estimada entre 120 mil e 140 mil hectares. O Flor do Amazonas está localizado a cerca de 50 quilômetros de Porto Velho. Essas terras vêm sendo requisitadas na Justiça pelo Incra, que pretende realizar assentamentos no local - o que poderia beneficiar os colonos do acampamento.

Estiveram em Rondônia os senadores Alvaro Dias (PSDB-PR), presidente da comissão, Fátima Cleide (PT-RO), Flexa Ribeiro (PSDB-PA), Sibá Machado (PT-AC) e Valdir Raupp (PMDB-RO). Entre os deputados federais, compareceram João Alfredo (PT-CE), que é o relator da CPI e Anselmo de Jesus Abreu (PT-RO).

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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