Rotina agrava problema nas crianças

Da Redação | 12/03/2013, 00h00

Enquanto os alimentos ricos em açúcar e gordura, mas pobres em nutrientes, que só eram oferecidos às crianças em ocasiões especiais, passaram a fazer parte da rotina alimentar de muitos meninos e meninas, andar a pé ou brincar na rua deixaram de ser hábitos tão frequentes, substituídos por televisão, videogame, computador e andar de carro. A ansiedade e estresse, para os quais a forma de escape muitas vezes é comer em excesso, tornaram-se mais ­frequentes entre crianças.

O resultado dessas mudanças é verificado em estatísticas que apontam uma verdadeira epidemia de obesidade infantil. Segundo a POF 2008–09, em 2009, uma em cada três crianças de 5 a 9 anos estava acima do peso recomendado pela OMS.

O reflexo aparece no diagnóstico cada vez mais frequente de crianças com doenças antes típicas de adultos, como colesterol alto, hipertensão e diabetes tipo 2, que resultam principalmente do estilo de vida inadequado. Tem crescido também o risco de infarto e acidente vascular cerebral (AVC) em idades precoces.

Segundo a endocrinologista Patrícia Medici Dualib, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a principal causa dessa epidemia é o fácil acesso a alimentos como biscoitos recheados, salgadinhos de pacote, refrigerante e fast-food. O sedentarismo, estimulado pelo medo da violência urbana, é outra causa.

— Também falta estímulo à alimentação saudável nas escolas — critica.

No caso das cantinas e lanchonetes das escolas, ainda não há uma lei nacional sobre o tema, mas estados como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul já têm leis para regulamentar a venda de alimentos nesses locais.

Patrícia acrescenta que o excesso de peso pode ainda interferir na qualidade de vida das crianças por meio de doenças articulares, que provocam dores e apneia do sono. Também podem ocorrer transtornos ­alimentares como bulimia e anorexia, ressalta.

Alguns produtos industrializados como sobremesas lácteas gordurosas, biscoitos “integrais” com muito sódio e gordura, sucos à base de soja e néctares de fruta de caixinha com excesso de açúcar podem parecer nutritivos pela embalagem, enganando o consumidor. Por isso, ela defende, ainda, que a sociedade se organize para cobrar mudanças no rótulo dos alimentos, com alerta sobre os ingredientes não saudáveis presentes na composição de cada produto. No Senado, há projeto sobre o tema (veja ao lado).

A quantidade de alimentos oferecida às crianças também é um problema. Os filhos de famílias com menos condições financeiras, por exemplo, muitas vezes almoçam três vezes por dia: em casa, em projetos sociais que frequentam e na merenda da escola — já que muitas instituições públicas oferecem uma refeição completa e não apenas um lanche (mesmo a obesidade sendo hoje um problema bem mais frequente que a desnutrição no país, segundo o IBGE).

 

Senadores têm projetos para combater o excesso de peso


O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) apresentou o PLS 489/08 determinando que, para orientar a escolha de uma alimentação saudável, os rótulos das embalagens dos alimentos deverão trazer selo de identificação com cores, em função de sua composição nutricional “Julgamos que a identificação por meio de um selo de cores diferenciadas irá auxiliar a população a escolher os alimentos e melhorar suas condições de saúde”, argumenta Cristovam.

O projeto encontra-se na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e o relator é Cyro Miranda (PSDB-GO).

Depois segue para a Comissão de Meio Ambiente e Defesa do Consumidor (CMA), para a Comissão de Agricultura (CRA) e receberá decisão terminativa na Comissão de Assuntos Sociais (CAS).

Já projeto de Jayme Campos (DEM-MT) determina que os rótulos das bebidas que menciona especifiquem o teor calórico nelas contido e apresentem frase de advertência quanto aos riscos da obesidade infantil.

O PLS 196/07 altera a Lei 8.918/94. Encontra-se na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), aguardando designação do relator.

Na CMA, foi aprovado voto em separado de Romero Jucá (PMDB-RR), determinando que “as embalagens das bebidas açucaradas deverão informar o teor calórico e conter advertência sobre os malefícios decorrentes do consumo abusivo dessas bebidas, segundo frases estabelecidas pelo Ministério da Saúde, usadas sequencialmente, de forma simultânea ou rotativa, acompanhadas de imagens ou figuras que ilustrem o sentido da mensagem”. Depois o texto segue para a CAE e, em decisão terminativa, para a CAS.

O PLS 144/12, de Eduardo Amorim (PSC-SE), veda a promoção e a comercialização de refeição rápida acompanhada de brinde, brinquedo, objeto de apelo infantil ou bonificação. Já foi aprovado na CMA e encontra-se na CAE, onde o parecer do relator, Ciro Nogueira (PP-PI), é contrário ao projeto. Depois receberá decisão terminativa na CAS.

 

É preciso mudar hábitos para não encurtar a vida


Se até meados do século passado 50% das mortes eram provocadas por doenças infecciosas, hoje elas causam apenas 5% dos óbitos. Já as doenças crônicas — causadas principalmente pelo estilo de vida inadequado — foram responsáveis por 49% dos 35 milhões de falecimentos de 2005, segundo a OMS. A previsão é de que, em 2030, as doenças crônicas respondam por 70% do total de mortes.

Para evitar o excesso de gordura visceral e ser mais saudável não é preciso uma dieta muito restritiva nem abusar de exercícios físicos. Pequenas mudanças na rotina podem melhorar muito não só a saúde como a qualidade de vida.

 


A nutricionista Valéria Mortara sugere simples mudanças 
na rotina

A nutricionista Valéria Mortara, de Londrina (PR), explica que nem sempre é fácil substituir o prazer imediato, como o de comer chocolate, por exemplo, pela satisfação de ser mais saudável, mas que é obtida em longo prazo. Tem que ser uma decisão interior, explica. Valéria acredita que a conquista de hábitos saudáveis depende de uma perspectiva realista.

— Devemos aderir a mudanças que seremos capazes de manter — diz.

Ela cita como regras a serem seguidas diariamente: comer cinco porções diárias de vegetais (entre verduras, legumes e frutas), beber oito copos de água por dia, ter horários mais ou menos fixos para as refeições, mastigar bem e nunca repetir o prato.

— É mais importante comer vegetais todos os dias do que rejeitar doces ou frituras. Se a gente come salada, não sobra tanto espaço para bife à milanesa e batata frita — afirma.

Para uma reeducação alimentar, segundo a nutricionista, as escolhas saudáveis têm de ser diárias. Só com a repetição os bons hábitos se transformam em rotina. Fazer trocas também é um bom caminho.

— Ao trocar refrigerante por água ou um alimento por outro melhor, você ocupa com coisas saudáveis o que antes era ocupado por inadequadas.

A mudança depende ainda de planejamento, afirma Valéria. Uma dica é ter sempre na geladeira verduras e legumes lavados, bem secos (para aumentar a conservação), guardados em recipientes plásticos, para garantir as porções diárias de vegetais. E fazer porções maiores de pratos que podem ser congelados e guardar o restante para os dias de mais correria.

— Com as informações certas, dá para preparar uma refeição saudável no mesmo tempo em que se esperaria um pedido de pizza.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)