Inalação de fumaça tóxica causou todas as mortes

Da Redação | 26/03/2013, 00h00

 

Na noite do incêndio, estava sendo promovida uma festa organizada por estudantes de diversos cursos da Universidade Federal de Santa Maria. Por volta das 3h da madrugada, um dos integrantes do grupo musical que se apresentava acendeu um artefato pirotécnico e as faíscas acabaram por atingir o revestimento acústico da boate. A espuma do revestimento era altamente inflamável e o fogo se alastrou com rapidez. Os músicos tentaram apagar as chamas, mas o extintor de incêndio próximo ao palco não funcionou.

O ambiente foi rapidamente tomado pela fumaça e a falta de alarme de incêndio e de sinalização para a saída agravou a ­situação. Confusas, muitas vítimas se dirigiram aos banheiros da boate e lá ficaram presas. Não havia capacidade de exaustão do ar e as janelas estavam obstruídas. A boate tinha apenas uma porta para entrada e saída e o tamanho era inadequado para a vazão, em casos de emergência, da quantidade de pessoas definida como capacidade máxima.

Além disso, grades de contenção utilizadas para organizar a fila atrapalharam a fuga de quem conseguiu se dirigir até a saída. Houve relato de que, no início do incêndio, seguranças chegaram a reter os que saíam para exigir o pagamento das despesas.

Os estragos causados pelo fogo foram considerados de pequena monta pelos bombeiros. Todas as mortes foram causadas por asfixia. A combustão do poliuretano das espumas do revestimento acústico incendiado liberou gás carbônico e cianeto, que são letais ao serem inalados.

Além de todos esses fatores, a boate Kiss estava com a documentação irregular e houve superlotação no dia do incêndio. A estimativa da polícia civil é de que havia pelo menos 864 pessoas. O alvará de prevenção e proteção contra incêndio do corpo de bombeiros havia determinado a capacidade máxima de 691 pessoas. Estima-se que mais de mil circularam pela boate naquela noite.

O incêndio na boate Kiss é o segundo maior em número de vítimas fatais no Brasil, sendo superado apenas pela tragédia do Gran Circus Norte-Americano, ocorrida em 1961, em Niterói (RJ), que vitimou 503 pessoas. Em casos semelhantes de incêndios em casas noturnas causados por fogos de artifício, é o terceiro maior do mundo, atrás apenas dos incêndios no ­Cocoanut Grove, em Boston, nos Estados Unidos, em 1942, quando morreram 492 pessoas, e em um clube em Luoyang, China, que matou 309 no Natal de 2000.

 

Familiares criaram grupo de apoio psicológico

 

A tragédia na boate Kiss mudou a rotina na cidade de Santa Maria. A maioria das vítimas era de jovens universitários e os familiares criaram uma associação em busca de apoio ­psicológico e jurídico.

 

Manifestação em Santa Maria um mês após o incêndio na 
boate Kiss

O empresário Adherbal Alves Ferreira perdeu no incêndio a filha, Jennefer Mendes Ferreira, que tinha 22 anos e era aluna do 3º ano de Psicologia. Hoje ele preside a Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria.

— Eu resolvi trocar o luto pela luta, e é por isso que estou à frente da associação  — disse Ferreira.

A principal atividade da entidade é o amparo psicológico de profissionais a familiares e vítimas. A associação trabalha com apoio da Cruz Vermelha, e estão sendo treinados mais psicólogos para aumentar a capacidade de atendimento. Segundo Ferreira, a seleção de psicólogos voluntários é criteriosa, pois o luto é um tema muito difícil de lidar. O empresário conta que somente agora, dois meses depois do incidente, alguns pais estão sentindo o peso das perdas.

— A capacidade de recuperação é diferente para cada um. Agora é que está caindo a ficha, estamos fazendo de tudo para manter o equilíbrio — explicou.

A associação está atendendo na sede antiga da Reitoria da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Há uma sala para reuniões de grupos e também salas reservadas, onde as pessoas podem receber atenção individualizada. Segundo Ferreira, algumas pessoas estão sendo visitadas nas próprias casas, pois, de tão abaladas, não estão sequer se ­alimentando.

A associação também atua no campo jurídico, com auxílio da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul e de advogados voluntários.

O presidente da associação explica que eles já estão analisando os resultados do inquérito policial divulgado na última sexta-feira para decidir qual estratégia seguir no acompanhamento e cobrança de responsabilidade criminal dos envolvidos. O inquérito apontou 35 responsáveis, sendo 16 indiciados criminalmente.

Adherbal Ferreira faz questão de reconhecer o apoio recebido.

— Santa Maria não é mais a mesma. É uma nova vida, e o povo corresponde ao sentimento de justiça, e não de vingança. A ajuda nos comove — disse.

A associação pretende organizar manifestações todos os dias 27, às 18h. No mês passado, a manifestação durou 15 minutos; os sinos das igrejas tocaram e as pessoas buzinaram e bateram palmas.

— Estamos à frente para que a tragédia não caia no esquecimento — afirmou.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)