Os cariocas mais velhos se lembram com saudosismo e os mais novos nem sequer ouviram falar. O que existe hoje no final da Avenida Rio Branco, entre a Cinelândia e a Baía de Guanabara, são apenas um estacionamento subterrâneo e uma praça feiosa e pouco frequentada. Não se vê nenhum vestígio do imponente Monroe, o palácio que abrigou o Senado entre 1925 e 1960. A construção foi demolida em 1976. Desapareceu como se nunca tivesse existido.

A mudança para o Palácio Monroe ocorreu há exatos 90 anos. Os senadores trocavam o antiquado e deteriorado Palácio Conde dos Arcos por um edifício que conseguia transmitir as ideias de solidez e poder. Com traços afrancesados, o Monroe era emoldurado por 36 colunas e coroado com uma cúpula monumental. Cada uma das duas portas de entrada era vigiada por um par de leões de 2,5 metros de altura talhados em mármore de Carrara. Por décadas, foi um dos cartões-postais do Rio.

A sessão inaugural foi em 3 de maio de 1925. O Arquivo do Senado, em Brasília, conserva os discursos que os senadores fizeram naqueles primeiros dias. Os trabalhos foram abertos pelo presidente da Casa, Estácio Coimbra. Ele não era senador. Por ser vice-presidente da República, acumulava a Presidência do Senado, como ditava a Constituição. Coimbra anunciou:

— Depois de um ano e meio de contínuo labor, a Mesa [do Senado] recebeu do governo o edifício do Palácio Monroe inteiramente remodelado, com todas as condições de asseio, conforto e decoro, compatíveis com as altas funções do Senado.

A história do Monroe, porém, começa muito antes da chegada do Senado. O palácio foi originalmente construído nos Estados Unidos, em 1904, como o pavilhão do Brasil na Exposição Mundial de Saint Louis, no estado do Missouri.

Na era pré-globalização, esse tipo de exposição servia para que os países apresentassem ao mundo o que tinham de melhor, com o intuito de alavancar as exportações e atrair investidores estrangeiros. No caso brasileiro, o pavilhão funcionou como vitrine para o café. Estima-se que a cada dia tenham sido servidas 5 mil xícaras aos visitantes.

O governo incumbiu o engenheiro Francisco Marcelino de Sousa Aguiar (que dá nome a um dos hospitais públicos mais conhecidos do Rio) de projetar o pavilhão em Saint Louis. Ele já era experiente nesse tipo de missão. Sousa Aguiar havia assinado o pavilhão do Brasil na Exposição Mundial de Chicago, em 1893.

Na segunda vez, entretanto, havia uma exigência: o pavilhão teria de ser desmontável, de maneira que pudesse ser reconstruído no Rio. O engenheiro foi ousado e optou por empregar estrutura metálica, uma tecnologia que o Brasil não conhecia.

O futuro Monroe venceu o principal prêmio de arquitetura da feira. Numa edição dominical, o jornal The St. Louis Republic dedicou toda a primeira página à obra brasileira. Era pura exaltação: “Observando, procura-se em vão uma simples falha, um ponto onde a vista sinta a aspereza de uma linha, onde uma curva, uma janela, qualquer decoração desagrade. Essa construção representa um poema”.

Teteia de açúcar branco

O presidente Theodore Roosevelt visitou a exposição e inspecionou o prédio do Brasil. O St. Louis Globe-Democrat informou: “O Brasil galhardamente sobressaiu na recepção à distinta comitiva presidencial. Roosevelt se recordará do Brasil e da exposição por toda a vida”.

Exageros à parte, o fato é que o edifício era, de fato, bem mais refinado que os pavilhões de nações como Cuba e Guatemala. Assim, o futuro Monroe cumpriu seu papel. Fez o mundo crer num Brasil moderno e civilizado, capaz de grandes feitos, adiantado em comparação com os vizinhos.

Encerrada a exposição, o pavilhão foi desmontado e despachado num navio cargueiro para o Rio. Ele seria erguido no ponto mais nobre da capital da República: a Avenida Central (atual Rio Branco), que ainda estava em obras. O prefeito do Rio, Pereira Passos, havia demolido cortiços e criava uma versão tropical da Champs-Élysées, o sofisticado bulevar parisiense. O palácio foi montado em questão de meses, entre 1905 e 1906. O Jornal do Commercio o chamou de “teteia de açúcar branco”.

Os arredores da Praça Floriano (hoje mais conhecida como Cinelândia) logo passariam a ostentar belos exemplares da arquitetura eclética. Depois do pavilhão vindo dos EUA, ficariam prontos o Theatro Municipal, a Escola Nacional de Belas Artes e a Biblioteca Nacional (outro projeto de Sousa Aguiar).

Em termos simbólicos, aquelas linhas rebuscadas dos edifícios públicos ajudavam a compor a cara que os líderes políticos queriam dar à República, implantada em 1889 e ainda em consolidação. A ideia era varrer da paisagem da capital tudo que remetesse ao passado imperial.

No Rio, o pavilhão ganhou o nome de Palácio São Luís, em alusão à cidade de Saint Louis. Sua primeira missão foi abrigar a terceira edição da Conferência Pan-Americana, em 1906, que congregou presidentes e ministros do continente.

O edifício mudou de nome durante o evento, passando a Palácio Monroe. Era uma homenagem a James Monroe, o antigo presidente americano que pregava “a América para os americanos”, isto é, livre do colonialismo europeu. O novo nome era uma forma de o Brasil mostrar que queria entrar na órbita de influência dos EUA.

Nos primeiros anos, o Palácio Monroe não teve um papel definido e funcionou como uma espécie de salão de festas do governo. Nele se realizaram bailes, banquetes, formaturas, congressos e até velórios. Em 1914, tornou-se a sede provisória da Câmara dos Deputados. Em 1922, recebeu o escritório do governo encarregado das comemorações do centenário da Independência.

A decisão de transformá-lo no Senado foi tomada logo em seguida, diante da pressão dos senadores para sair do Palácio Conde dos Arcos, um solar que havia sido construído na época da Colônia e abrigava a Câmara Alta desde sua criação, em 1826, no Império. Os senadores reclamavam que o edifício estava em estado tão precário que poderia desabar a qualquer momento. Quando o bonde passava, de acordo com eles, as paredes todas estremeciam.

— Olhando para o teto, vi que já está rachando em diversos lugares. Em outros, a pintura dos afrescos já se vai quebrando, fragmentando. E também há muito já está o teto caindo aos pedaços sobre as nossas cabeças — queixou-se o senador Irineu Machado (DF) em junho de 1923.

Havia uma dose de exagero. O velho Senado não corria o risco de ruir. Tanto que o prédio está de pé até hoje e nele funciona a Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Na realidade, os senadores queriam um espaço que fosse confortável e pomposo e, ao mesmo tempo, não remetesse aos ultrapassados anos da Colônia e do Império.

Senador desgostoso

O presidente Artur Bernardes aceitou transferir o Monroe para o Senado. Antes, entretanto, o interior do prédio teve de ser totalmente reformado. As obras duraram um ano e meio.

Colunas internas foram removidas, andares novos foram criados e dois elevadores foram instalados — uma grande novidade na época, com portas que precisavam ser abertas e fechadas manualmente.

No Plenário, por precaução, reservaram-se três assentos para o Acre, que poderia ser elevado de território a estado a qualquer momento (isso só ocorreria em 1962). O gabinete do presidente do Senado foi instalado no ponto mais privilegiado do prédio, voltado para a Baía de Guanabara e o Pão de Açúcar.

Os parlamentares ficaram satisfeitos com o resultado. Em maio de 1925, logo após a mudança, Mendonça Martins (AL) comemorava no Plenário:

— Dispomos agora de uma sede onde não nos sentiremos diminuídos pela falta de higiene, privados do menor conforto e em risco da própria vida, como acontecia no velho edifício colonial do Conde dos Arcos, que, se fora uma casa de aluguel, há muitos anos estaria interditado pela Saúde Pública.

O único que ficou desgostoso com a mudança foi Alfredo Ellis (SP). Por designação do Senado, ele havia dedicado boa parte de seus 22 anos de mandato a negociar com o governo o terreno e a verba para a construção de uma sede. Os senadores chegaram a fazer uma cerimônia para lançar a pedra fundamental no Campo de Santana. Por falta de dinheiro, a obra nunca saiu do papel.

Discursando pela primeira vez no Monroe, Ellis deu a entender que se sentia traído:

— O que é censurável é que tenham aplicado na simples adaptação do Monroe quase a totalidade da soma que seria destinada à construção de um novo edifício para o Senado.

Em seguida, apontou problemas na sede que se inaugurava, como o tamanho do Plenário:

— É curioso que no Brasil, uma das maiores nações do mundo em área, o recinto do Senado Federal fique reduzido a uma pequeníssima e insignificante sala de cinema, menor do que o de qualquer Senado do mundo.

Essa foi uma das últimas falas públicas de Alfredo Ellis. O senador morreria dois meses depois da transferência para o Monroe.

Durante 35 anos, o palácio assistiu aos mais decisivos debates da política brasileira, à exceção dos anos da ditadura do Estado Novo (1937–1945), quando Getúlio Vargas proibiu o funcionamento do Senado. Curiosamente, meses depois de ser derrubado da Presidência, Vargas voltaria à cena política como senador.

Nos anos 50, o Palácio Monroe já se mostrava pequeno para o Senado. Chegou-se a fazer um concurso de projetos para a nova sede. O velho palácio seria derrubado e um arranha-céu com mais espaço para os senadores seria levantado no mesmo lugar. Veio Brasília, e o projeto foi engavetado.

Na última sessão do Senado no Rio, em abril de 1960, os parlamentares se revezaram na tribuna para fazer pronunciamentos emocionados sobre o Monroe.

— Os nossos discursos, os debates calorosos, os pequenos incidentes, o rumor dos nossos passos subindo e descendo os degraus deste recinto, este teto sóbrio e nobre, estas colunas romanas, a agitação dos taquígrafos, a curiosidade indiscreta dos jornalistas e o ruído dos tímpanos, tudo que lembramos transmuda-se em saudades tão intensas que nos levam a dizer que esta casa, ao cerrar as suas portas, guardará também alguma coisa de nossa própria vida — discursou Argemiro de Figueiredo (PTB-PB).

Decadência

O Monroe, então, passou a servir de sucursal do Senado no Rio. Parte dos funcionários públicos continuou na velha capital, especialmente os que estavam perto da aposentadoria. Os próprios senadores ainda faziam reuniões no palácio. Mais tarde, três andares foram cedidos ao Estado Maior das Forças Armadas.

Nos anos 70, diante do esvaziamento e da degradação do prédio, começaram a ventilar a ideia de que o Monroe precisava ser demolido. Havia vários argumentos. O fim do palácio, por exemplo, desafogaria o trânsito do centro e abriria uma área verde numa zona dominada pelo concreto. Outra justificativa era a necessidade de se reduzirem gastos públicos — com Brasília já consolidada, não fazia sentido o Senado ainda manter uma  custosa repartição no Rio.

Afirmou-se que o prédio tinha de ser eliminado porque impediria a construção da linha do metrô entre o centro e a zona sul. O caminho era a demolição. Para que isso não ocorresse,  o metrô desviou o trajeto dos trilhos, antecipando uma curva que originalmente seria feita nos subterrâneos do Monroe.

Por fim, veio a questão estética. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) recebeu uma proposta de tombamento de todos os prédios públicos da Cinelândia. O arquiteto e urbanista Lúcio Costa, célebre por ter projetado Brasília, manifestou-se ferozmente contra a proteção do Monroe. Na visão dele, tratava-se de um prédio sem valor arquitetônico, apenas uma “presença estorvante” na cidade.

Lúcio Costa era da opinião de que a arquitetura brasileira se resumia à colonial, como a de Ouro Preto, e à moderna, como a de Brasília. Tudo que existisse entre as duas, como o estilo eclético, não passaria de reles imitação de estilos estrangeiros.

O Rio se dividiu. O jornal O Globo se posicionou pela demolição. O Jornal do Brasil, contra. Os defensores diziam que, ainda que a arquitetura não fosse genuinamente nacional, o palácio tinha um valor histórico inquestionável. A sociedade não chegou a fazer manifestações públicas, pois ainda eram os anos da ditadura militar.

No final, o Iphan deu ouvidos aos argumentos de Lúcio Costa e negou o tombamento do Monroe. Em 1975, o Senado decidiu devolver o edifício ao governo federal. Tribunais, repartições do governo e entidades de engenheiros se ofereceram para reformar e ocupar o prédio. Tudo em vão. Por ordem do presidente Ernesto Geisel, o palácio que havia sido premiado em Saint Louis em 1904 foi posto no chão. A demolição se arrastou por meses. Em junho de 1976, um trator derrubou a última parede.

A notícia repercutiu em Brasília, especialmente entre os senadores da oposição. Itamar Franco (MDB-MG) disse ter assistido “com tristeza à destruição daquele prédio, em que várias figuras desta nação militaram”. Segundo Benjamin Farah (MDB-RJ), “infelizmente, no país, tudo o que é tradicional é destruído”.

Trauma coletivo

O arquiteto e historiador Fernando Atique, da Universidade Federal de São Paulo, lançará nos próximos meses o livro Arquitetura Evanescente, sobre o desaparecimento de edifícios históricos. Para ele, a demolição do Monroe pode ser explicada, em parte, pelo fato de os brasileiros desconhecerem a história:

— As pessoas em geral não sabem da existência do Palácio Conde dos Arcos nem dos Palácios do Itamaraty e do Catete, que foram as sedes da Presidência da República no Rio. Isso é muito perigoso porque só podemos preservar aquilo que conhecemos.

Em 2002, o então prefeito do Rio, Cesar Maia, propôs a construção de uma réplica do Palácio Monroe no mesmo lugar do original. Após acalorados debates, a ideia não vingou.

Algumas peças do Monroe se salvaram. A empresa contratada para a demolição vendeu as que tinham valor. Dois leões de mármore hoje estão expostos no Instituto Ricardo Brennand, um museu de arte em Recife. Os outros dois enfeitam uma fazenda em Uberaba (MG). Um ornamento da fachada se encontra no Museu de Arte do Rio (MAR). Outra parte dos objetos pode ser vista no Museu do Senado, em Brasília, como as mesas de madeira, com microfones acoplados, que acomodavam os senadores no Plenário

Na avaliação do cineasta Eduardo Ades, que ainda neste ano lançará o documentário Crônica da Demolição, sobre o Monroe, o ressurgimento do tema de tempos em tempos tem explicação:

— Não houve um motivo único para a demolição. Foram vários motivos paralelos, alguns obscuros. Quando a população carioca perdeu esse palácio, que era um elemento da identidade do Rio, sem saber ao certo os motivos, o que ficou foi um trauma coletivo. É mais ou menos como os nossos traumas pessoais. Quando não compreendemos plenamente algum episódio da nossa vida, ele fica voltando para nos assombrar. (Colaborou Jefferson Dalmoro)


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