Debates expuseram os preconceitos da época

Joseana Paganine | 31/08/2015, 18h48

Os argumentos levantados contra a aprovação da Lei dos Sexagenários eram os mesmos dos que temiam o fim da escravatura. Sem a mão de obra escrava, diziam os escravagistas, a economia do país, fortemente agrária, seria conduzida à ruína. Acostumado com o mínimo necessário para sobreviver, o escravo não se esforçaria para trabalhar como um homem livre, diziam. Somente o imigrante poderia substituir o trabalho forçado nas lavouras. Assim, sem trabalhar, o negro livre ficaria nas ruas, “perturbando a ordem pública”.

A professora de história da Universidade Federal do Paraná Joseli Mendonça, autora do livro Entre a Mão e os Anéis — A Lei dos Sexagenários e os caminhos da abolição no Brasil, defende que o argumento da incapacidade do escravo interessa a grupos específicos.

— Não há fundamento algum nesse argumento. Os escravos eram extremamente capacitados para atuar no mundo livre e há muito tempo negociavam melhores condições de trabalho com os senhores. A ideia da incapacidade das classes trabalhadoras e, sobretudo, dos afrodescendentes é muito presente não só no imaginário, mas nas instituições brasileiras em geral. No século 20, o racismo direcionado aos negros contribuiu para perpetuar as desigualdades. Ao escravo incapaz, seguiu-se a ideia de negro incapaz. Esse é um pensamento que, aos poucos, com a intensa participação dos afrodescendentes e com políticas públicas, a gente está superando.

O preconceito também se manifestava na forma como a liberdade do escravo era tratada na lei. Uma vez livre, deveria ser vigiado. Era obrigado a trabalhar, deveria permanecer por cinco anos em sua província de domicílio e quem se ausentasse de seu domicílio era considerado vagabundo, poderia ser preso e condenado a trabalhos forçados. Segundo a professora, não houve, nem depois da abolição, uma lei que assegurasse condições mínimas de cidadania, como acesso à escola, moradia e saúde.

— A preocupação que havia era como controlar e disciplinar essa população. Depois da Lei Áurea, o Parlamento aprovou uma lei de repressão à ociosidade, cujo objetivo central era controlar a população egressa da escravidão — afirma Joseli.

A professora conta que as iniciativas de apoio ao liberto partiram de movimentos operários, integrados por ex-abolicionistas e ex-escravos, que se mobilizavam em torno de sociedades de ajuda mútua.

— Uma delas é a Sociedade Beneficente Treze de Maio, que existiu por todo o Brasil. Algumas existem até hoje. Foram muito importantes para auxiliar os associados em dificuldades, como os doentes.
Para a professora, apesar dos preconceitos, a Lei dos Sexagenários foi um avanço, pois contribuiu para aumentar os direitos dos escravos. Permitiu, por exemplo, que firmassem contrato de trabalho com pessoas que pagassem aos seus senhores pela sua alforria.

— A lei resulta de um processo de disputa entre interesses díspares e contempla em seu próprio texto essa diversidade. Isso nos permite olhar para a sociedade atual e ver que esse processo de disputa é uma constante no Legislativo.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)