Fake news e perda de direitos preocupam comunidade LGBTQIA+, aponta debate

Da Agência Senado | 15/05/2024, 19h12

As fake news contra a comunidade LGBTQIA+ e projetos de lei que buscam a retirada de direitos foram apontados em audiência pública como entraves para acabar com o preconceito enfrentado por essas pessoas atualmente. Durante a audiência, participantes sugeriram iniciativas do Congresso para tentar reverter a situação. O debate, promovido nesta quarta-feira (15) pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) foi feito em alusão ao Dia Internacional contra LGBTIfobia, comemorado em 17 de maio.

O pedido para a audiência foi feito pelo presidente da comissão, senador Paulo Paim (PT-RS), que não pôde conduzir o debate em razão dos compromissos relacionados à situação do seu estado, o Rio Grande do Sul, em que quase 400 municípios chegaram à situação de calamidade em razão das enchentes. A senadora Zenaide Maia (PSD-RN), que assumiu a condução dos trabalhos, apontou retrocessos não só no Brasil, mas em todo o mundo.

— A gente vê o retrocesso não só no Brasil, mas no mundo. Eles fazem isso com maestria: intimidação e mentiras, que agora chamamos de fake news. São mentiras repetitivas. Essa questão de dizer que vai destruir a família, eles fazem isso com maestria. É por isso que nós que estamos na defesa de todos vocês, a gente tem que estar também mostrando que não é assim — disse Zenaide.

O procurador da República Lucas Costa Almeida Dias, coordenador do Grupo de Trabalho "População LGBTQIA+: proteção de direitos", afirmou ter registrado mais de 80 projetos de lei que tramitam nas duas Casas Legislativas com o objetivo de atacar os direitos dessa comunidade. Entre esses projetos ele citou iniciativas que buscam acabar com o casamento entre pessoas do mesmo sexo e proibir o uso da linguagem neutra, por exemplo.

Dias lembrou o caso da Austrália, em que autoridades do Executivo e do Legislativo se desculparam por atos contra a comunidade LGBTQIA+. Uma das sugestões do procurador é aprovação de uma moção oficial de desculpas do Congresso pelos atos legislativos contra a comunidade. Ele também sugeriu que a CDH faça um mapeamento desse tipo de iniciativa.

— O Senado Federal pode se colocar como um dos mobilizadores desse entendimento de avanços. Mapear essas legislações que afrontam a nossa existência em linguagem neutra, esporte, uso de banheiros, casamento, enfim, uma miríade de direitos que estão prestes a ser violados. Esta comissão pode fazer esse mapeamento, inclusive de uma forma estratégica — sugeriu o procurador.

Orientações

Durante a audiência, Zenaide recebeu exemplares da Enciclopédia LGBTI+ e de outras publicações voltadas para os diretos da comunidade, como manuais para educadores, para jornalistas e também de controle social e monitoramento das políticas públicas, além de orientações sobre como tratar do tema com pessoas religiosas, com respeito e acolhimento.

O diretor-presidente da Aliança Nacional LGBTI+, Toni Reis, que entregou as publicações, demonstrou preocupação com as notícias falsas que incentivam os ataques à comunidade. Ele também citou projetos de lei em tramitação no Congresso contra direitos como o atendimento para crianças e adolescentes trans em serviços de saúde, por exemplo. Para Toni Reis, é preciso que o estado forneça dados sobre LGBTIfobia, sobre a violência contra a essa população.

— Temos aqui no Senado um pedido: nós queríamos um grupo de trabalho para analisar as pesquisas, para a gente ter um dado com a logomarca do Senado. Hoje nós temos dados de organizações, mas queremos que o estado reconheça um estudo, faça um estudo, pegue os dados e isso nós vimos que há espaço no Regimento Interno — disse o diretor da aliança.

O deputado distrital Fábio Félix, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal, afirmou que o Congresso precisa ter a coragem de aprovar uma lei geral da diversidade que inclua o casamento homoafetivo de maneira clara na legislação.

Data

O Dia Internacional contra LGBTIfobia marca o fim do código 302.0 da Classificação Internacional de Doenças, que colocava a homossexualidade como um problema de saúde.  Em 17 de maio de 1990, a Assembléia Geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) aprovou a retirada do código da classificação, declarando que “a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão”. A nova classificação entrou em vigor nos países-membros das Nações Unidas em 1993.

Para a defensora pública federal Gisela Baer, a data é de luta e de resistência, porque a sociedade ainda inferioriza e hostiliza pessoas LGBTQIA+. Ela afirmou que direitos foram conquistados, mas que ainda é preciso garantir a efetividade desses direitos. A defensora citou casos em que pessoas trans têm que recorrer à Defensoria para conseguir registrar seus filhos e afirmou que a LGBTfobia está em todos os espaços da sociedade.

Essa LGBTfobia da qual nós estamos falando aqui é estrutural, constitui o Brasil tal qual conhecemos; ela é institucional porque é reproduzida pelas instituições, pelas normas; e é também individual, porque sujeitos, pessoas, reproduzem essa violência cotidianamente, então essa violência está em todos os espaços — lamentou.

Rafaelly Wiest, presidente do Grupo Dignidade e coordenadora da área de Diversidade e Inclusão da Aliança Nacional LGBTI+, relatou que, até mesmo em meio à tragédia no Rio Grande do Sul, as pessoas continuam tendo direitos negados em razão da orientação sexual e identidade de gênero.

— Tivemos que criar um abrigo provisório para acolher pessoas LGBT nessa tragédia por conta de alguns abrigos do Rio Grande do Sul não quererem aceitar gays, trans e lésbicas, mesmo neste momento calamidade. Essa é uma denúncia formal e não infundada. (...) Vejam o quão agressiva, irracional, é a violência cometida contra a nossa comunidade — relatou

Transfobia

A coordenadora de Promoção dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Dayana Brunetto, lembrou que o Brasil tenta fazer políticas públicas para essa comunidade em meio aos efeitos de poder gerados por discursos de ódio. Para ela, o ambiente não é acolhedor, não incentiva direitos humanos para todas as pessoas e não tem compromisso com a verdade.

Na apresentação levada à comissão, ela incluiu dados do Dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), de 2024, que apontam 140 assassinatos e 10 suicídios de pessoas trans no Brasil em 2023. Desses, 65% ocorreram fora das capitais, em cidades do interior. As vítimas, na grande maioria (78,7%), eram negras.

Ainda sobre transfobia, o juiz do trabalho Valter Souza Pugliesi, que representou a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), apresentou dados que mostram um aumento no número de processos com essa motivação.  De acordo com o magistrado, entre 2017 e 2019, foram identificados na Justiça do Trabalho 69 processos relacionados à transfobia. Entre 2020 e 2022, o número saltou para 295. Depois, apenas em 2023, foram ajuizados 107 processos por essa razão.

— Esses números nos trazem algumas oportunidades de reflexão. Se por um lado nós verificamos que ainda temos muito a evoluir — a sociedade tem muito evoluir do que pertine ao respeito à diversidade e ao combate a toda forma de discriminação —, nós também vemos que começa a haver uma maior segurança para que as pessoas da comunidade questionem as agressões e as discriminações ocorridas no ambiente de trabalho — observou.

Também participaram do debate o presidente do Grupo Arco-Íris, Cláudio Nascimento, que apresentou dados do projeto Atena, de levantamento sobre políticas públicas para LGBTI+ no Brasil; a presidente da Comissão Especial de Diversidade Sexual e de Gênero do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Amanda Souto Baliza; e o secretário-geral adjunto do Ministério Público Federal (MPF), Paulo Roberto Sampaio Anchieta Santiago.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)