Saúde: senadores defendem atenção primária e vacinação em audiência com Nísia

Da Agência Senado | 25/10/2023, 16h03

Priorizar a saúde primária, a política de prevenção com a valorização da vacinação e agilizar a fila das cirurgias eletivas estiveram entre as principais defesas apresentadas pelos senadores durante audiência pública com a ministra da Saúde, Nísia Trindade, nesta quarta-feira (25). No debate, promovido pelas comissões de Assuntos Sociais (CAS) e Direitos Humanos (CDH), a gestora ainda respondeu questionamentos sobre as posições da pasta em relação à legalização do aborto e à discriminalização das drogas. 

Em quatro horas de audiência, a ministra informou que a agenda prioritária do ministério é ampliar e fortalecer a atenção primária, expandir a assistência especializada, garantindo o princípio da integralidade do Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, ela esclareceu que é fundamental preparar o Brasil para futuras emergências sanitárias e climáticas, e com essse objetivo, o governo tem investido na ampliação do Complexo Industrial da Saúde e na expansão da saúde digital. Somente para 2023, a pasta obteve um incremento orçamentário de R$ 30 bilhões, graças, segundo a ministra, à aprovação da PEC da Transição. 

Na avaliação da senadora Zenaide Maia (PSD-RN), a prioridade número um da saúde no Brasil é o atendimento primário. Para ela, a prevenção, com a retomada do Programa Mais Médicos e a valorização da ciência e da vacina, são as principais medidas a serem trabalhadas pela pasta.    

— O que fazer para a sociedade voltar a acreditar na vacina? — perguntou a senadora, preocupada com o que chamou de negacionismo. 

Em resposta, Nísia reforçou a necessidade de o Brasil aprender com os ensinamentos trazidos pela pandemia de covid-19, quando mais de 700 mil pessoas morreram em razão da doença. Ela disse que é preciso enfrentar o “legado criminoso”, ao fazer referência ao negacionismo e as campanhas de desinformação.  

— Hoje nós falamos que vivemos numa infodemia. Uma epidemia de informações. Então nosso papel como governo, o meu papel como ministra da Saúde é o de levar as informações adequadas e [é também] o papel dos senhores, parlamentares, que têm acesso a tantas informações e que têm uma representação tão expressiva nos seus estados. Então retomo o meu apelo para que tenhamos de fato um trabalho efetivo contra a desinformação, levando as informações adequadas. Essa desinformação mata. Essa desinformação impacta a saúde da nossa população e das nossas crianças, que não têm autonomia para as suas decisões — alertou ao reforçar que o ministério tem se pautado na busca de evidências científicas para respaldar as ações e o fortalecimento do SUS. 

Autossuficiência

Ainda como frente prioritária da pasta, Nísia Trindade defendeu a autossuficiência nacional na produção de insumos para a saúde. Ela considera fundamental o fortalecimento do complexo econômico-industrial da área, com a retomada do Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde (Geseis), que engloba as empresas que produzem e fornecem matérias-primas, medicamentos e equipamentos para a rede médico-hospitalar brasileira. 

— A pandemia mostrou a vulnerabilidade dos países, e eu falo aqui do Brasil, em particular. Vulnerabilidades desde os itens de maior tecnologia, como vacinas e medicamentos, até itens como máscaras, respiradores, itens que requerem uma tecnologia menos complexa. Isso requer ação do estado, ação pública para realizar parcerias pública e privadas, com laboratórios com a meta de ampliar a capacidade produtiva nacional de derivados, vacinas, insumos e outros produtos. A projeção é que em dez anos o Brasil seja 70% suprido com a produção nacional — informou. 

Hemoderivados

Entre uma das iniciativas mais importantes nessa frente, Nísia citou a destinação de R$ 8 milhões para a produção de hemoderivados e o suporte à hemorede nacional, através da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás). Em dezembro, a empresa vai inaugurar em Goiana, na Região Metropolitana do Recife, a fábrica de medicamentos recombinantes. A iniciativa fará o Brasil produzir o Hemo-8R, utilizado para tratamento de pacientes com hemofilia A. 

O complexo fabril é resultado de uma parceria com a empresa japonesa Takeda, que tem um acordo operacional com a estatal brasileira. E expectativa é oferecer autonomia ao país porque a Hemobrás deixará de fracionar plasma na Suiça. Atualmente, o Brasil importa 700 milhões de unidades internacionais do recombinante, a um custo médio de R$ 800 milhões ao ano.

PEC do Plasma 

Alguns senadores manifestaram dúvidas e preocupações em relação à PEC do Plasma (PEC 10/2022), que está em tramitação no Senado Federal e que entre outras ações, pode abrir a possibilidade de comercialização do plasma humano. Os senadores Dr. Hiran (PP-RR), Humberto Costa (PT-PE) e Veneziano Vital do Rêgo  (MDB-PB) questionaram a ministra sobre o posicionamento do governo em relação ao tema. Veneziano informou que uma das justificativas de quem é a favor da proposta é que há uma “falência da Hemobrás” e de que o país não teria a capacidade para atender a demanda por hemoderivados. 

Para a ministra, caso seja aprovada como está, a matéria será um retrocesso para a área:

— O ministério tem se colocado de uma maneira muito firme em relação à defesa da segurança sanitária a partir da definição Constitucional de que o sangue não pode ser objetivo de mercado, mas são direitos do cidadão a serem protegidos pelo Estado a partir dessa definição. Nós conseguimos hoje garantir tanto o acesso a transfusões de sangue. Também conseguimos garantir o acesso aos hemoderivados. E com o pleno funcionamento da Hemobras, que estará inaugurando agora no mês de dezembro a sua planta para o fator 8 destinado ao tratamento da hemofilia, com esse incremento nós conseguiremos ter todo o avanço nessa área para o acesso aos hemoderivados.  

O posicionamento foi elogiado pelo senador Veneziano. 

— Parabenizo a senhora e o ministério pela posição clara e firme em relação à PEC do Plasma, a PEC do Sangue, que pretende instituir no Brasil a coleta de plasma de forma remunerada, voltando a um período jurássico da saúde pública no Brasil e, ao mesmo tempo, produzindo uma situação na qual, sem dúvida, a população brasileira será especialmente apenada. 

Doenças raras

Já o senador Flávio Arns (PSB-PR) pediu uma articulação maior do ministério para das assistência às famílias que dependem de medicamentos de alto custo para tratamento de doenças raras. Segundo ele, a pasta destinou, somente no ano passado, mais de R$ 1 bilhão com a judicialização desses casos. 

— O Ministério da Saúde deixa a responsabilidade para as famílias, para o judiciário, quando deveria ter um comitê de crise, inclusive, para avaliar essas situações. 

A gestora informou que o ministério está participando de um grupo de trabalho, que conta com a participação do ministro do Supremo Tribunal, Gilmar Mendes, no sentido de buscar uma estratégia estruturante para solucionar a questão da judicialização. Segundo ela, as ultimas ações do ministério possibilitaram a incorporação de 60% de medicamentos para doenças raras 

  [Precisamos] ver formas de que o governo federal e os estados façam a assistência farmacêutica de qualidade, garantam o acesso, mas preservando a sustentabilidade do Sistema Único de Saúde. Isso envolve ações do Complexo Industrial da Saúde, buscando garantir o provimento desses medicamentos e a produção nacional, mas também envolve u trabalho intenso para impedir preços abusivos e ao mesmo tempo garantir o acesso — respondeu. 

Tabela do SUS

Outro tema tratado pelo senador Veneziano Vital do Rêgo foi sobre as reclamações de estados e municípios para a atualizaçao do valor de pagamento da tabela do SUS. 

— Nós que estamos lá na ponta, conversando com os prefeitos, a gente sabe o que isso significa. Não deixa de impactar sob as contas públicas municipais e sob as contas públicas estaduais — observou o senador. 

Nísia informou que atualmente o ministério já não usa os valores fixados na tabela para alguns procedimentos e já realiza algumas pactuações com estados e municípios para equilibrar os cálculos. Ela citou como exemplo as cirurgias eletivas. Este ano, de acordo com ela, foram destinados R$ 600 milhões para a redução dessas filas para esses procedimentos sem o limitador da tabela como referência. 

— E já estamos fazendo isso em várias áreas. É o caso da hemodiálise, da oncologia, onde incentivos adicionais foram colocados, é o caso também da cardiologia. Enfim, isso já vem ocorrendo. O que nós estamos defendendo, e isso também está sendo trabalhado a partir da aprovação da política de média e alta complexidade, é que nós caminhemos para um novo modelo de financiamento. Esse modelo de tabela por procedimento ele já não garante toda a linha de cuidados do cidadão. 

Segundo o senador Cleitinho (Republicanos-MG), são mais de 11 milhões de pessoas na fila por uma cirurgia eletiva.

Saúde na escola

Em resposta à senadora Teresa Leitão (PT-PE) e aos questionamentos feitos pelo e-Cidadania através da interação com Paloma da Silva, de São Paulo, a ministra informou que os ministérios da Saúde e da Educação retomaram o programa Saúde na Escola. Com orçamento inicial de R$ 90 milhões, a inciativa visa trabalhar na prevenção geral com esse público, inclusive na assistência à saúde mental visando o combate a violência nas escolas. 

Ela informou ainda que a pasta criou o Departamento de Saúde Mental voltado especificamente a elaboração de políticas públicas para essa área. 

Conferência

Um dos momentos mais polêmicos da audiência foi a abordagem da homologação, pelo ministério, da Resolução 715/23, aprovada pela 17ª Conferência Nacional de Saúde, em julho. O documento possui orientações estratégicas que servem de subsídio para o ministério. Três delas — relacionadas à maconha, à população LGBTQIA+, harmonização na adolescência e ao aborto — foram alvo de críticas de parlamentares, como os senadores Jorge Seif (PL-ES), Flávio Arns (PSB-PR), Magno Malta (PL-ES), Eduardo Girão (Novo-CE) e Jaime Bagattoli (Jaime-RO). 

— Além de serem questões do Congresso Nacional e um compromisso dele [Luiz Inácio Lula da Silva], como presidente da República, com uma carta aos cristão brasileiros, que somos 90%, como que a senhora sendo uma ministra do presidente Lula me assina uma portaria que vai totalmente contra aos compromissos do então candidato Lula ao público brasileiro?  — questionou Seif. 

Em resposta, a ministra disse que não há qualquer documento de autoria do Ministério da Saúde, e sim do Conselho Nacional de Saúde. Ela reforçou que todas as decisões do ministério têm se pautado pelas orientações do presidente e pelo programa governamental. Nísia Trindade afirmou que cabe apenas ao ministério cumprir a legislação e se ater ao seu caráter assistencial, que, no caso do aborto, nos casos legalmente autorizados pela lei, garantirá o cuidado necessário às pessoas demandantes.

— Nosso governo respeita a participação social, o diálogo com o contraditório, com as várias posições. Com o que diz respeito ao aborto e à política de drogas, nós seguimos a legislação, reiteramos as palavras do presidente da República de que estas matérias devem ser discutidas pelo poder Legislativo. Ao mesmo tempo, como responsáveis pela saúde pública, vemos como nosso papel o atendimento, o cuidado, com as pessoas na ótica da saúde. Essa é a nossa posição. 

Para o senador Flávio Arns, a resposta da gestora não trouxe um posicionamento claro e definitivo do governo confirmando a valorização em defesa da vida desde a concepção. Para ele, isso deixa uma lacuna abrindo margem para outras interpretações. 

— O presidente Lula enquanto candidato disse que a vida é sagrada. Quando ele disse que a vida é sagrada é direito à vida. Então, enquanto nós não tivermos uma afirmativa contundente de que o direito à vida é sagrado, da concepção até onde for necessário, nós sempre vamos ter a impressão de que o Ministério da Saúde compactua com a possibilidade do aborto. Então tem que haver uma definição clara. 

Por sua vez, o senador Veneziano Vital do Rêgo concluiu que as exposições da ministra foram claras em reafirmar que o conteúdo programático do atual governo e das ações do ministério são contrárias à “legalização do aborto e descriminalização das drogas”:

— Não podemos deturpar, nós não podemos impingir e colocar sob o governo posições que não são do governo. 

Portarias

O senador Eduardo Girão (Novo-CE) quis saber da ministra o motivo da revogação de cerca de 20 portarias e de decisões que tinham sido assinadas no governo anterior. Entre elas, ele citou o desligamento do Brasil da Declaração do Consenso de Genebra sobre Saúde da Mulher e Fortalecimento da Família e a portaria GM/MS nº 2.561, de 23 de setembro de 2020, que estabelecia a necessidade de o médico comunicar o aborto à autoridade policial responsável.

Em resposta, a ministra argumentou que as revogações se deram porque muitas delas tinham sido tomadas sem levar em consideração o cumprimento do pacto federativo exigido pelo SUS para que fossem implantadas. 

— Muitas portarias aprovadas e assinadas pelos ministros da Saúde do governo anterior foram fora da regra do SUS. A regra do SUS é que, nos casos das políticas essenciais do Sistema Único de Saúde, as portarias têm que ser pactuadas com estados e municípios. Essa foi uma das principais razões de revogação. 

Saúde indígena

Outra preocupação demonstrada pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF) foi em relação à saúde indígena. Ela alegou que esse é um problema crônico no país. Damares disse que foi acusada de genocida no início do ano, quando houve uma grave crise com a comunidade ianomâmi. Ela quis saber quais ações estão sendo executadas pela pasta para reverter o cenário, já que, segundo dados apresentados pela própria senadora com base nos arquivos do ministério, as mortes de ianomâmis chegam a 215 em 2023. 

A ministra disse que a situação na região é crítica, agravada pela atividade do garimpo ilegal. Ela informou que a pasta, juntamente com outros ministérios, tem assegurado a permanência da Força Nacional e o atendimento do SUS, no local, para a assistência primária na comunidade, além de contar com a parceria da Unicef para suprir as dificuldades de nutrição. 

— A situação encontrada foi de abandono. De falta de cuidado, de falta de respeito com as suas características e também com a sua organização. Por isso, se não houvesse a chamada PEC da Transição, nós não teríamos recurso para o que vem sendo feito na saúde indígena. O número que nós receberíamos de herança era de 60% de corte.

Nísia Trindade lembrou que os problemas da saúde indígena são numerosos e afirmou que o registro de dados sobre as comunidades melhorou no atual governo, embora ainda não seja o ideal.

— Mas me coloco à disposição para enfrentarmos a questão desses números nessa qualidade. 

Radioterapia 

O senador Dr. Hiran (PP-RR) abordou a questão do plano de expansão da radioterapia. Ele alertou que a região Norte é a única do país que não possui todas as etapas para o tratamento de câncer na rede pública. Em Roraima, segundo o senador, a obra do Centro de Radioterapia está parada desde 2019 e virou abrigo para migrantes venezuelanos. Ele pediu atenção da pasta para dar seguimento e concluir a obra. 

— Nós fizemos a licitação no mês passado dessa obra, que estava parada como o senhor disse, e nós estamos em fase final de avaliação de documentação para a contratação. Então, essa obra será retomada e concluída garantindo assim serviços de radioterapia no estado de Roraima — respondeu a ministra.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)