Combate à fome precisa ser estrutural no Brasil, defendem debatedores

Da Agência Senado | 19/06/2023, 15h27

O instituto de pesquisas DataSenado apresentou nesta segunda-feira (19) a pesquisa de opinião qualitativa Percepção dos Profissionais e Voluntários que Combatem a Fome no BrasilO lançamento do estudo ocorreu durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos (CDH). Um dos motes do debate e da pesquisa do DataSenado foi a constatação, por parte da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, com base em dados de 2022, de que mais de 33 milhões de pessoas passariam fome no Brasil. 

Coube à pesquisadora Isabela Campos, do DataSenado e uma das coordenadoras da pesquisa, apresentar propostas de soluções, após a consulta a especialistas das cinco regiões brasileiras. A pesquisa, que ouviu profissionais e voluntários engajados no combate à insegurança alimentar, aponta sete ações estruturais que o poder público — nas três esferas e com engajamento da sociedade — deve priorizar, visando superar o flagelo da fome:

  • Fomento a cursos profissionalizantes para pessoas em vulnerabilidade social;
  • Investimento na agricultura familiar e de subsistência;
  • Parcerias entre o poder público e o terceiro setor;
  • Maior repasse orçamentário para equipamentos sociais municipais;
  • Criar meios para que as políticas de assistência social tenham continuidade;
  • Aprimoramento nas burocracias processuais relativas às políticas públicas; e
  • Realização de mais pesquisas sobre o tema "fome e vulnerabilidade social" como uma forma de ampliar a visão dos gestores sobre a realidade dos que mais precisam destas políticas públicas.

Na avaliação de Isabela Campos, toda engrenagem social precisa estar disfuncional para que dezenas de milhões de pessoas passem fome no Brasil. A disfuncionalidade passa pelas dificuldades estruturais que milhões de famílias têm hoje no acesso a emprego, renda, educação, planejamento familiar, saneamento básico e segurança. O resultado, ressaltou a pesquisadora, é a repetição de ciclos intergeracionais de miséria e pobreza, com queixas hoje agravadas de comprometimento da saúde física e mental dos afetados pela fome crônica.

O debate foi conduzido pelo presidente da CDH, Paulo Paim (PT-RS), que propôs o ciclo de audiências públicas para debater a fome no Brasil. O senador explicou que prioriza, em suas emendas orçamentárias, o combate estrutural à fome e à insegurança alimentar no Rio Grande do Sul. E afirmou que, desde a década de 1980, tem atuado visando apresentar políticas públicas de combate estrutural à fome e à insegurança alimentar. Paim citou o projeto Quilombos do Amanhã, apresentado por ele durante a Assembleia Nacional Constituinte (1987–1988).

— O que era o Quilombo do Amanhã? Em São Paulo fizeram algo parecido com o programa dos CEUs [Centros Educacionais Unificados]. É um complexo onde tem escola, posto de saúde e aí, naturalmente, o ensino técnico e também lazer. Se tivesse pelo menos um nas comunidades pobres, ou em cidades a partir de 2 mil habitantes, uma escola técnica, isso ajudaria muito. Quem sabe um dia a gente tenha isso país afora nas comunidades mais pobres.

Combate estrutural à miséria

A coordenadora-geral de Promoção da Alimentação Saudável do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), Gisele Bortolini, disse que a pasta tem atuado visando proteger os itens da cesta básica na reforma tributária. Outra prioridade é dobrar o valor dos repasses no âmbito do programa Fomento Rural, de R$ 2,4 mil para R$ 4,8 mil por mês, para famílias que se dedicam à agricultura familiar em condições de extrema vulnerabilidade.

Já o consultor legislativo Henrique Salles Pinto, do Senado, apresentou seu trabalho "Por mais pesquisas e indicadores quantitativos e qualitativos para a superação da fome e da pobreza". O consultor apresentou dados oficiais que mostram que o Brasil foi efetivo no combate à fome e à desigualdade social entre 2003 e 2014, mas que muito dessa evolução se perdeu entre 2015 e 2019.

— O Brasil só foi bem-sucedido no combate à fome entre 2003 e 2014 porque implementou políticas multidimensionais para enfrentar um problema que é igualmente multidimensional. O Fome Zero, por exemplo, tinha uma estratégia calcada em acesso à alimentação, fortalecimento da agricultura familiar, geração de renda e mobilização social. Foi uma estratégia de articulação de políticas que desembocou no Bolsa Família, mas o impacto do Bolsa Família não seria tão grande se não houvessem outras ações, como o PAA [Programa de Aquisição de Alimentos], o Programa Nacional de Alimentação Escolar [Pnae] e a construção de cisternas comunitárias, entre outras ações — explicou.

Ao abordar mais especificamente a redução da fome entre 2011 e 2014, Salles Pinto elogiou o programa Brasil sem Miséria, adotado durante o período. Para ele, o Brasil sem Miséria foi eficaz ao agregar transferência de renda e acesso a serviços públicos nas áreas de educação, saúde, assistência social, energia elétrica e saneamento, além da adoção de estratégias de inclusão produtiva.

Articulação

A presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Elisabetta Recine, relatou que ações governamentais para reestruturação do combate à fome estão sendo retomadas e que percebe o comprometimento das equipes e gestores. Ela ressaltou, porém, que além de políticas públicas isoladas, a integração entre poder público e sociedade é fundamental, assim como a articulação interministerial. 

— A complexidade da fome e o desafio de garantir alimentação adequada e saudável para todas as pessoas deste país requer, para além de programas isoladamente implementados de maneira adequada, com orçamento adequado, com processos operacionais que realmente os façam chegarem a quem eles precisam chegar, nós precisamos de um profundo processo de articulação.

Também participaram da audiência Andrey Lemos, diretor de Prevenção e Promoção da Saúde do Ministério da Saúde, e Edegar Pretto, diretor-presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)