Dinheiro da 'venda' de créditos governamentais pode ir para investimentos

Da Redação | 24/11/2016, 17h15

Pelo menos 70% dos recursos que municípios, estados e União poderão obter com a securitização da dívida tributária parcelada deverão ser destinados a investimentos. Emenda com esse objetivo foi anunciada pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR), que presidiu nesta quinta-feira (24) audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) sobre o Projeto de Lei do Senado (PLS) 204/2016, que dispõe sobre a cessão de direitos originados de créditos tributários e não tributários dos entes da federação.

Os efeitos do PLS 204/2016 foram analisados por especialistas que apresentaram diferentes visões sobre o mecanismo que visa assegurar mais recursos para os entes da federação.

Na securitização, municípios, estados e União poderão fazer pacotes de créditos a receber dos contribuintes, objeto de parcelamentos administrativos e judiciais, e convertê-los em títulos padronizados negociáveis no mercado de capitais.

Com a venda desses títulos ou debêntures, os entes da federação poderão antecipar o recebimento desses créditos. Nesse ponto, começou a principal polêmica: a Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 38, IV) veda a operação de crédito por antecipação de receita (ARO), no último ano de mandato do governante.

Os senadores Lindbergh Farias (PT-RJ) e Gleisi Hoffmann (PT-PR) afirmaram que a operação amparada pelo PLS 204/2016 é tipicamente de antecipação de receitas, com a possibilidade de comprometer administrações futuras nos três entes da Federação. Gleisi manifestou receio de que estejam sendo legados para gerações futuras os mesmos problemas vividos atualmente.

Lindbergh disse que, quando foi prefeito de Nova Iguaçu (RJ), tentou fazer uma operação semelhante e desistiu ao verificar que o deságio era de 60%. Ele observou que a permissão para a securitização limita-se aos débitos parcelados, que considerou “o filé mignon” do crédito público. Segundo o parlamentar, trata-se do “fluxo bom”, ou seja, o débito confessado e parcelado pelo contribuinte, com pagamento em andamento.

Apoios e crítica

Entre os especialistas, três manifestaram em tese apoio à securitização e um fez duras críticas ao mecanismo. O secretário de Fazenda do Paraná , Mauro Ricardo Costa, defendeu a legalidade desse tipo de operação com base em pareceres de diversos órgãos, como a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.

Para a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, essas operações não violam a Lei de Responsabilidade Fiscal quando não implicam, direta ou indiretamente, compromisso de garantir o recebimento do valor do crédito cedido. Carlos Kerbes, professor da Fundação Getúlio Vargas, complementou que a securitização não coloca o ente público na condição de garantidor perante o investidor nos ativos.

Também citando pareceres de diversos órgãos, o presidente da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base, Venilton Tadini, explicou que a securitização não é operação de crédito, nem de antecipação de receita. Segundo ele, trata-se simplesmente de uma “troca de títulos, com liquidez e exigibilidade incontroversos, por dinheiro imediato”.

Não é o que pensa a coordenadora da entidade Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lúcia Fattorelli. Segundo ela, o PLS 204/2016 autoriza a cessão de direitos creditórios inscritos ou não na dívida ativa, mas não modifica a natureza dos créditos, não altera condições de pagamento, nem transfere sua cobrança judicial ou extrajudicial.

— O que está sendo 'cedido' de fato? O que está sendo cedido pelo ente público para as estatais não dependentes que emitem debêntures é simplesmente a garantia pública — acrescenta Maria Lúcia.

A questão do deságio nessas operações também dominou os debates. Mauro Costa explicou que, em duas operações que realizou, o estado de São Paulo pagou como remuneração das debêntures o rendimento do Certificado de Depósito Bancário (CDI) mais juros de 2,5% e 2,9% ao ano.

Como as parcelas recebíveis pelos estados são lastreadas pela taxa Selic — que fica próxima do CDI —, Costa afirma que a taxa efetiva é na verdade em torno de 2,5% ou 2,9% ao ano, em uma e outra operação.

Entretanto, Requião anunciou que apresentará emenda com o objetivo de estabelecer um limite para o deságio aplicado aos títulos colocados no mercado com base na lei que eventualmente resultar do PLS 204/2016.

Grécia

Ex-presidente do Parlamento da Grécia, a deputada Zoe Konstantopoulou participou da audiência e notou no Brasil uma “construção análoga” à que levou ao aprofundamento da crise econômica e social na Grécia.

A parlamentar grega exortou os congressistas brasileiros a não renunciarem à ação política na economia. Segundo ela, nenhuma construção financeira pode justificar a violação da democracia, que disse ter acontecido na Grécia.

— Espero que o exemplo da Grécia seja considerado por vocês. Que vocês possam resistir a imposições do FMI.

Durante a audiência, o senador João Capiberibe (PSB-AP) entregou a Zoe, pelo trabalho na Comissão para a Verdade sobre a Dívida Grega, um diploma de reconhecimento da Frente Parlamentar Mista pela Auditoria da Dívida Pública com Participação Popular.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)