PEC que limita gastos públicos e cria 'novo regime fiscal' divide especialistas

djalba-lima | 16/08/2016, 17h09

Representantes do governo e professores de economia apresentaram nesta terça-feira (16), na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), visões diferentes dos resultados esperados com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/2016, que institui o "novo regime fiscal". Ao fim de mais de quatro horas de debates, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF), um dos autores do requerimento para a audiência, sugeriu à presidente da CAE, senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), a elaboração de uma proposta alternativa à que tramita na Câmara dos Deputados.

Para o secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto de Almeida, a proposta é "a forma mais inteligente de se fazer um ajuste fiscal sustentável". Entretanto, o professor Pedro Linhares Rossi, da Universidade de Campinas (Unicamp), disse que a PEC impõe ao país um projeto "incompatível com a Constituição de 1988".

Assessor especial do ministro da Fazenda, Marcos Mendes afirmou que limites para despesa, como o previsto na PEC 241/2016, funcionam melhor que metas de superávit fiscal, estratégia perseguida até recentemente. Entretanto, o economista Felipe Rezende, da Hobart and William Smith Colleges, dos Estados Unidos, advertiu que, com as novas regras, o governo perde importantes "armas contracíclicas" para enfrentar a queda dos gastos privados na recessão.

Mendes observou que regras de controle de despesa estimulam um melhor padrão de gastos, especialmente se acompanhadas de melhoria na gestão das finanças públicas. Para Mansueto, a PEC 241/2016 e a reforma da Previdência (ainda não encaminhada ao Congresso) são os dois pilares do ajuste fiscal, considerados por ele essenciais para a redução da inflação e dos juros e para a recuperação do investimento na economia brasileira.

O desafio, conforme o secretário, é transformar um déficit primário de R$ 170,5 bilhões (3,7% do Produto Interno Bruto) em um superávit. Segundo Mansueto, não é possível atingir esse resultado em um ou dois anos, depois de uma forte recessão. A velocidade do ajuste fiscal dependerá também da recuperação da receita primária do governo, que perdeu quase dois pontos do PIB de receita de 2011 a 2016, conforme avaliação do secretário.

Poder

Para o professor Rossi, a PEC 241/2016 retira o poder do Executivo, do Legislativo e da sociedade de moldar o tamanho do Orçamento. Além disso, de acordo com Rossi, as novas regras deverão provocar "um acirramento do conflito distributivo dentro do Orçamento", possibilidade saudada por Cristovam Buarque. Para o senador pelo DF, uma das missões do Congresso é exatamente mediar esses conflitos.

O professor da Unicamp considerou difícil o cumprimento do limite de gastos estipulado pela proposta. Rossi apresentou argumentos contra o que classificou de "mito da contração fiscal expansionista". Segundo ele, o corte de gastos leva a uma queda de crescimento, que, por sua vez, alimenta a queda na arrecadação, que gera piora no resultado fiscal.

Na mesma linha, o professor Rezende disse que as regras propostas limitam substancialmente os investimentos públicos ao longo dos próximos anos. Com isso, argumentou, o governo abre mão da possibilidade de ampliar o emprego privado por meio de obras públicas em infraestrutura.

O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) previu que, se a PEC for aprovada, o país terá "20 anos de crescimento pífio" — que equivalem ao prazo de validade do novo regime fiscal. O parlamentar criticou ainda a fixação do teto apenas para o gasto primário, o que exclui os juros pagos pelo governo na captação de recursos com a colocação de títulos no mercado.

Ao se referir a comentário de Mansueto de que a proposta era "a menos dolorosa", a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) questionou quem está sendo poupado nesse ajuste. Após responder que o ajuste não atinge o mercado financeiro, Vanessa Grazziotin disse que a visão de "Estado mínimo" embutida na proposta prejudica os mais pobres, em contradição com a Constituição.

Entretanto, o senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE) disse não ver contradição entre a busca da sustentabilidade fiscal do Estado e a Constituição de 1988. Para ele, é necessário resgatar a responsabilidade fiscal. Entendimento semelhante foi manifestado pelo senador José Aníbal (PSDB-SP), que julgou essencial contribuir para que o governo recupere a credibilidade da gestão pública.

O senador Roberto Muniz (PP-BA) defendeu um amplo debate sobre a eficiência do gasto público. Após lembrar a existência de mais de 30 mil obras paralisadas no país, o parlamentar baiano observou que esse investimento incompleto não contribuiu para a continuidade do ciclo de geração de emprego e renda. A solução, acrescentou, é o estabelecimento de indicadores de desempenho capazes de assegurar a qualidade do gasto do governo.

A senadora Fátima Bezerra (PT-RN) apontou incompatibilidade da proposta com as metas do Plano Nacional da Educação, estabelecidas em lei aprovada pelo Congresso. Em resposta, Marcos Mendes afirmou que a lei expressa "um rol de desejos" e foi aprovada sem a garantia de recursos.

Regra

Encaminhada pelo governo interino de Michel Temer à Câmara dos Deputados em 15 de junho, a proposta está sendo discutida em comissão especial daquela Casa. Prevê a fixação de limite para despesas públicas federais dos três Poderes e determina que o aumento dos gastos da União, incluídos os Poderes Legislativo e Judiciário, não poderá ser maior que a inflação do ano anterior. Se aprovado pelo Congresso, o novo regime fiscal já entraria em vigor no próximo ano, com prazo de validade total de 20 anos.

A essência da proposta consiste na atualização da despesa primária de 2016 pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e sua utilização como limite no exercício de 2017. Para os 19 exercícios seguintes, a regra é sempre a atualização pelo IPCA da despesa do ano anterior e a aplicação do resultado como o limite para o ano corrente.

A PEC veda ao Poder ou órgão que descumprir o limite de despesas a concessão de vantagem, aumento, reajuste ou readequação de remuneração de servidores públicos. Também ficará proibida a criação de cargo, emprego ou função, bem como a realização de concurso público.

Se o Poder que desrespeitar o limite for o Executivo, serão aplicadas duas vedações adicionais: a despesa com subsídios e subvenções econômicas não poderá superar aquela realizada no exercício anterior; e incentivos fiscais não poderão ser concedidos ou ampliados.

Saúde e educação

Um dos pontos mais questionados por senadores na CAE refere-se aos recursos destinados à saúde e à educação, que hoje contam com critérios próprios definidos na Constituição. Pela Carta, os recursos da saúde correspondem a 15% da receita corrente líquida da União e os da educação, a 18% da receita de impostos.

Ao enviar a proposta ao Congresso, o governo evitou estabelecer qualquer destinação mínima aos setores orçamentários, como um percentual da receita ou do PIB. Na Alemanha, cuja dívida pública aumentou muito após a reunificação com a antiga Alemanha Oriental, a limitação por um percentual do Produto Interno Bruto (PIB) ajudou o país a cumprir as exigências da União Europeia (veja matéria).

Na exposição de motivos que acompanha a PEC, os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Dyogo Oliveira, afirmam que essas duas métricas — percentuais da receita e do PIB — permitiriam uma expansão mais acelerada do gasto durante os momentos positivos do ciclo econômico, ao mesmo tempo em que exigiriam ajustes drásticos nos momentos de recessão.

Nos casos da educação e saúde, especificamente, Meirelles e Oliveira afirmam que esse tipo de vinculação cria problemas fiscais e é fonte de ineficiência na aplicação de recursos públicos. Para os ministros, a regra não impede que os parlamentares definam no Orçamento da União despesa mais elevada para saúde e educação, "desde que consistentes com o limite total de gastos".

Exclusões e resultados

A PEC, que altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, exclui do limite algumas categorias de despesas. É o caso das transferências feitas a estados e municípios como repartição de receitas. Também se excluem créditos extraordinários para lidar com situações atípicas, como calamidades públicas; capitalização de empresas estatais não dependentes e financiamento de processos eleitorais.

Os dois ministros defendem que o novo regime será anticíclico: uma trajetória real constante para os gastos, associada a uma receita variando com o ciclo, resultará em maiores poupanças nos momentos de expansão e menores superávits em momentos de recessão.

A expectativa é de que o crescimento real zero a partir do exercício subsequente ao da aprovação da PEC levará a uma queda substancial da despesa primária do governo federal como percentagem do PIB. Os ministros da Fazenda e do Planejamento esperam com isso mudar a trajetória do gasto público federal, que apresentou crescimento médio anual de 5,8% no período de  1997-2015.

Encaminhada pelo governo interino de Michel Temer à Câmara dos Deputados em 15 de junho, a proposta ainda está sendo discutida em comissão especial daquela Casa, que no prazo de dez sessões, contadas a partir da última sexta-feira (12), apresentará parecer.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)