Aborto divide opiniões em debate na Comissão de Direitos Humanos

Da Redação | 06/08/2015, 15h41

Mais uma audiência sobre a possibilidade de legalização do aborto até a 12ª semana de gravidez colocou em lados opostos integrantes da plateia e a mesa de debatedores na Comissão de Direitos Humanos (CDH), nesta quinta-feira (6).

Os que são contrários denunciam uma suposta manipulação de entidades estrangeiras para induzir na sociedade a necessidade de redução populacional; declaram que o número de mulheres mortas em decorrência de abortos inseguros estariam sendo inflados para mostrar um problema de saúde pública inexistente; e apontam futuros prejuízos previdenciários caso o aborto seja legalizado no país. Os defensores citam o direito das mulheres de decidirem sobre o próprio corpo e de se posicionarem politicamente; de ver regularizada uma prática corriqueira que segue clandestina há anos; e de serem acolhidas democraticamente pelo sistema de saúde e pelo Estado laico.

A audiência foi requerida pelos senadores Paulo Paim (PT-RS), presidente da comissão, e Magno Malta (PP-ES), relator da SUG 15/2014, sugestão apresentada pela população com mais de 20 mil assinaturas e que deseja permitir a interrupção voluntária da gravidez ainda no primeiro trimestre, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). O debate foi presidido pelo senador João Capiberibe (PSB-AP) e terá continuação com outros atores sociais nos próximos dias. Houve torcida e claque pró e contra, com faixas e palavras de ordem e exaltação de ânimos. Os deputados Marco Feliciano (PSC-SP), que considerou constrangedor alguém defender o aborto, e Jean Wyllys (PSOL-RJ), que acusou a sociedade masculina de tutelar e legislar sobre o corpo das mulheres, também estiveram presentes.

Manipulação

O padre Paulo Ricardo denunciou instituições, como a Fundação Ford, que estariam, supostamente, manipulando estudiosos brasileiros como forma de impor ao Brasil uma diminuição do ritmo de crescimento populacional. Segundo o padre, documentos da própria Ford dizem, com clareza, que a preocupação com o crescimento populacional fez a entidade investir na liberação do aborto no Hemisfério Norte nas décadas de 1950 e 1960.

Mas agora, de acordo com o religioso, essas instituições concluíram que não se deve investir na questão médica e, sim, na sociológica, para mudar o comportamento dos cidadãos, de forma a empreender uma verdadeira “engenharia social”. Para Paulo Ricardo, os brasileiros estão sendo manipulados por um pequeno grupo globalista. Por isso, acredita o padre, a Ford e a MacArthur financiam estudos de antropologia e sociologia no Brasil.

— Basta ler os relatórios das fundações internacionais, não estou citando catecismo, Bíblia, estou citando documentos públicos e notórios, e não me venham com esse nhem-nhem-nhem de Estado laico porque isso é maracutaia — disse.

Para Viviane Petinelli, do Instituto de Políticas Governamentais do Brasil, o aborto e sua legalização não trarão impactos positivos para a sociedade em nenhum aspecto, pois levarão a mais gastos do sistema de saúde, se a prática for financiada pelo SUS. Além disso, as mulheres que hoje abortam, as jovens, serão as maiores prejudicadas, já que haverá redução da taxa de natalidade e consequente diminuição da força de trabalho ativa que sustentará a Previdência Social no futuro, quando chegar a hora de elas usufruírem os benefícios.

— O que deve ser trabalhado é a gravidez indesejada, a causa, e não o aborto, a consequência — frisou várias vezes.

Também citando números, a vereadora e ex-senadora Heloísa Helena (PSOL-AL) apresentam dados do DataSUS para dizer que os números de mortes decorrentes de abortos estão sendo inflados por “malabarismos técnicos com estatísticas”.

Segundo afirmou, os últimos dados compilados pelo Ministério da Saúde indicam que, em um ano, morreram de causas definidas 470.835 mil mulheres no país. Destas, 1.610, menos de 0,3%, morreram em decorrência de problemas relacionados à gestação, parto, puerpério e complicações ligadas à gravidez. Quanto a mortes de grávidas que abortaram, foram elencados 135 casos, 0,03% dos óbitos femininos no Brasil. As mortes por causas cardiovasculares e homicídios são bem mais elevadas, frisou Heloísa Helena.

Já o cineasta David Kyle — diretor do filme “Blood Money”, que teve um trecho exibido na audiência — afirmou não existir aborto seguro, que os abortos geram consequências terríveis para as mulheres, como depressão e suicídio, e que o Estado e a sociedade devem proteger quem não pode se defender, os nascituros. Ele disse ainda que a indústria de aborto nos Estados Unidos movimenta cifras milionárias, tanto com a prática do aborto quanto com a venda de órgãos humanos.

Pesquisa

Débora Diniz, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília e pesquisadora do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero da instituição, mencionou dados de pesquisa nacional sobre aborto coordenada por ela. Segundo afirmou, uma em cada cinco mulheres brasileiras realizou pelo menos um aborto até os 40 anos.

— Não sabemos quantas mulheres abortam no país, mas entre 18 e 39 anos, 7,4 milhões já abortaram em algum momento da vida — disse.

Conforme Débora Diniz, pela legislação penal brasileira, todas essas mulheres poderiam estar no sistema penitenciário, já que o aborto de fetos que não sejam anencéfalos, não tragam risco à vida da mãe e nem sejam fruto de estupro é considerado crime. São todas mulheres comuns, adolescentes ou prostitutas, ou que têm filhos, religião, companheiro. A lei precisa de alterações, defendeu, pois hoje a prática está envolta na clandestinidade, que faz a situação se tornar caótica. A pesquisa também revelou que 50% das mulheres que tomam remédios e garrafadas para induzir o aborto em casa o finalizam no sistema público de saúde.

— Falar de aborto é falar da necessidade de mulheres comuns. Não de grupos de risco — afirmou.

Sonia Corrêa, representante da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids, apontou a ineficiência do recurso do poder punitivo para impedir as práticas abortivas. Por isso, disse, tem se mostrado “inútil, ineficiente e ineficaz” tanto para conter a violência quanto para impedir os abortos. Ela defendeu o debate com respeito aos princípios da laicidade e da distinção entre a esfera religiosa e a política acerca do tema, sempre observando as regras democráticas.

Tatiana Lionço, psicóloga e integrante do Movimento Estratégico pelo Estado Laico, defendeu o direito ao ativismo político das mulheres e das minorias, que, disse, não podem ser vítimas de desqualificação moral e criminalização por defender a legalização do aborto. Para ela, a sugestão, caso se converta em projeto de lei e seja aprovada, não vai cercear o direito de quem deseja nunca abortar, e precisa, sim, ser discutida ainda que seja pauta de uma minoria. Ela também apontou a forma “imoral, abusiva e nociva” com que alguns deputados conservadores têm tratado as ativistas feministas, insinuando até mesmo que elas cometem crime de “apologia ao aborto”.

— Queremos um marco legal justo, que considere a pluralidade de toda a sociedade — disse.

Márcia Tiburi, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, apontou a existência de um “círculo cínico da estrutura social machista” envolvendo a questão do aborto, com a utilização de falácias como o apelo ao amor de mãe, ao valor da vida e à religião. Para ela, existe um acordo de fingimento, em que uns fingem não abortar enquanto outros falam contra o aborto. Mulheres de todas as idades e credos fazem aborto, mas não revelam, destacou. As instituições conservadoras obtêm o lucro moral de se posicionar contra a prática, e o “cinismo machista” continua sustentando a alienação das mulheres sobre o próprio corpo, afirmou.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)