“A luz do sol é o melhor desinfetante”: o princípio da publicidade — Rádio Senado
Legislativo - que poder é esse?

“A luz do sol é o melhor desinfetante”: o princípio da publicidade

O nono episódio do podcast “Legislativo – que poder é esse?” fala sobre o princípio da publicidade. O consultor do Senado Federal João Trindade Cavalcante Filho e a jornalista Fernanda Nardelli conversam sobre a importância de se tornar público qualquer ato do processo legislativo.   

Encontre a transcrição do episódio aqui: https://cutt.ly/KEeCswR

Produção: Rádio Senado

07/10/2021, 06h00 - ATUALIZADO EM 28/09/2023, 15h50
Duração de áudio: 32:16
Arte: Hunald Vale

Transcrição
F: Olá, eu sou a Fernanda Nardelli, e este é o podcast “Legislativo, que poder é esse”?, uma produção da Rádio Senado. No episódio de hoje, o assunto é a transparência dos atos do Poder Legislativo. Vamos falar sobre o princípio da publicidade e sobre a necessidade de tornar públicas as decisões tomadas no Parlamento. Mais uma vez, quem nos guia nessa jornada é o professor e consultor do Senado João Trindade Cavalcante Filho. F: João, hoje o nosso episódio vai ser sobre um princípio do processo legislativo que tem tudo a ver com transparência, que é o princípio da publicidade. Vamos falar um pouquinho sobre ele. J: Pois é, Fernanda, essa questão da publicidade, eu diria até que é uma das razões de ser do processo legislativo, tá? Porque assim, existe uma forma de você produzir leis que não seja pública, mas ela também não é, com o perdão do trocadilho, republicana. Você tem como produzir leis sem ter publicidade, mas isso vai trazer pra lei um déficit de legitimidade, um déficit de transparência, um déficit de reconhecimento social. Não basta que a lei seja boa, é preciso que a lei seja feita de uma maneira que traga participação social, de uma maneira na qual a sociedade se veja espelhada ou, claro, numa sociedade hipercomplexa como é que a gente vive, numa sociedade plural, de pluralidade também de interesses, uma lei sempre vai desagradar uma ou outra parcela da sociedade, mas é importante o procedimento, sabe? É importante que se saiba que aquela lei foi feita de uma maneira em que todos puderam conhecer todos puderam participar e que todos acompanharam como é que aquela lei tramitou desde a propositura até a aprovação. É claro que, nos meandros do processo legislativo, a gente vai ter as negociações de gabinete, a gente vai ter os acordos, que são até determinado momento sigilosos, mas é importante que o processo legislativo em si, que o processo legislativo formalizado, ele seja público e, mais do que público, que ele seja acessível ao público. Quer dizer, não basta que o processo seja público, é preciso facilitar o acesso do cidadão a essas ferramentas. Eu acho que, nesse ponto aí, a Câmara e o Senado Federal têm um papel muito interessante, até um papel pedagógico, sabe, de trazer transparência e tornar os sites, os ambientes de acesso, de consulta ao processo legislativo um pouco mais amigáveis. Você tem algumas assembleias legislativas, algumas câmaras municipais em que, pra você achar uma determinada tramitação, você tem uma dificuldade imensa. Você sabe que aquilo está público, mas aquilo não está acessível. Isso traz um déficit de legitimidade. Então, acho que o processo legislativo carece de uma publicidade talvez até mais do que os processos administrativos, os processos judiciais. Realmente um processo legislativo que não fosse público ele perderia bastante em legitimidade e em reconhecimento social. F: A partir do momento em que o parlamentar apresenta um projeto numa Casa legislativa, o cidadão ele tem que ter acesso a esse texto desse projeto e aos caminhos que ele vai percorrendo, é isso? J: Exatamente. E não só ao texto original, porque como a gente já comentou aqui em outros episódios do nosso podcast, tem muito, muita emenda, tem muita modificação pela qual o projeto vai passando ao longo da sua tramitação, e é preciso que todos esses atos estejam públicos. O projeto original, o parecer da comissão, os votos em separado, quer dizer, quem na comissão discordou daquele conteúdo do parecer, os vários pareceres das várias comissões, as emendas, as audiências públicas e, principalmente a lista de votação final, quer dizer, cada parlamentar como votou, por que votou, em que sentido, votou sim, votou não. Isso faz parte da dinâmica social de você ter uma cobrança, ter uma accountability, né? Ter uma prestação de contas em relação ao cidadão. Então é preciso que todos os atos do processo legislativo estejam públicos, publicados e acessíveis pra que o cidadão comum, e às vezes nem só o cidadão comum individualmente, mas as entidades associativas também, tenham acesso a isso. Então, possam debater, possam analisar, possam verificar alguma eventual falha, alguma eventual nulidade. Então, é preciso que haja essa transparência em todas as etapas do processo legislativo. F: Todas as proposições legislativas apresentadas no Congresso Nacional estão disponíveis na internet. Com o número da proposta, você pode ter acesso ao texto inicial, ao relatório, às emendas e às fases pelas quais o projeto passou. Em maio de 2021, essa consulta ficou ainda mais fácil, com o lançamento de um portal que reúne todos os projetos do Senado e da Câmara no mesmo lugar. Antes, o cidadão que quisesse ter acesso a todas as informações, tinha que ir primeiro em um site e depois no outro. E, pra complicar um pouquinho mais, a numeração dos projetos nas duas Casas era diferente. Agora, ela é a mesma. Vamos ouvir um trecho de uma reportagem da Rádio Senado veiculada na época do lançamento do portal de tramitação conjunta: LOC: (Trecho da reportagem): A frase “Simplificou ainda mais” resume é o objetivo do novo portal de acompanhamento das proposições que são analisadas tanto pela Câmara quanto pelo Senado. Facilitar para o cidadão o acesso a informações sobre propostas de seu interesse. A página possibilita que se verifique em um mesmo lugar a situação das propostas analisadas pelas duas casas, desde a sua apresentação, recebimento de emendas, aprovação ou rejeição. Também é possível saber como se encontra a matéria, mesmo após a finalização da análise pelo Poder Legislativo. Por exemplo, se ela aguarda a sanção ou se foi vetada pelo Presidente da República. O portal ainda disponibiliza um glossário legislativo esclarecendo termos utilizados no procedimento de elaboração das leis. A página pode ser acessada no endereço congressonacional.leg.br/simplificou. J: É claro que, em relação à fase pré-legislativa, a fase da minuta, a fase do que os europeus chamam de “drafting”, o rascunho do projeto, é claro que aí você vai ter reuniões em caráter sigiloso, até porque você tá ainda na fase do brainstorming, de trazer ideias, de algumas coisas que vão pra frente e outras não. A gente, lá na Consultoria Legislativa do Senado, faz estudos preparatórios para os senadores. Aí, ele diz ‘não, esse caminho eu quero trilhar, aquele caminho pode ser que seja entendido de uma forma errada, pode ser que politicamente seja mal recebido’ etc. Então, essa fase pré-legislativa, essa fase pré-apresentação do projeto, é natural que ela seja sigilosa. Não à toa, por exemplo, os estudos que na Consultoria Legislativa a gente faz para os senadores e senadoras, eles são sigilosos, eles são de uso restrito do gabinete. Se o gabinete quiser divulgar, é uma questão deles. Mas são cobertos por sigilo. Mas a partir do momento em que se decide iniciar, a partir do momento em que se decide propor, a partir do momento em que se decide deflagrar o processo legislativo, daí pra frente tem que ser realmente tudo público e acessível. F: A gente, quando pensa em coisas públicas, acessíveis, a gente já pensa logo na internet, nos sites, nessa estrutura que, por exemplo, na Câmara e no Senado, são bem contempladas. Mas existe algum outro instrumento... eu tava pensando aqui na Lei de Acesso à Informação. Se o cidadão quiser ter acesso a algum documento ou alguma coisa relacionada ao processo legislativo, e ele não estiver encontrando, até por desconhecimento mesmo, às vezes a coisa está até pública, mas por desconhecimento, ele não consegue encontrar, ele pode por meio da Lei de Acesso à Informação pedir esses documentos e recebê-los? J: Pode, pode sim. É possível. Geralmente, como você mesma falou não há nem necessidade, sabe, não é nem necessário chegar a fazer um pedido com base na Lei de Acesso à Informação, exatamente porque, como essa informação é pública, às vezes só um e-mail que se mande já se consegue essa resposta. Aqui o caminho é tal. Mas, mesmo, por exemplo, nos sites do Senado e da Câmara, havendo sempre essa preocupação de ser didático e acessível, mas a gente sabe que o próprio processo legislativo não é uma coisa que a maioria da população domine. Aliás, esse nosso podcast tem essa função também de desmistificar o processo legislativo, dizer que o processo legislativo deve ser entendido por qualquer cidadão. Mas não é a realidade que a gente tem hoje. Às vezes, você tem todas as informações lá, mas não ficam claras pra quem não é da área específica. Então, sim, o Senado e a Câmara têm inclusive mecanismos de ouvidoria, mecanismos de participação popular, você mandando e-mail pra Agência Senado, mandando e-mail pra as instâncias mesmo do Senado Federal, você consegue, mesmo que a informação esteja pública, mas você não está encontrando, o Senado Federal e a Câmara têm todo o interesse em explicar isso para todos os cidadãos, até porque é o papel da Câmara e do Senado. Não chega a ser necessário fazer um pedido com base na Lei de Acesso à Informação, até porque a chamada transparência ativa já está preenchida, já está sendo disponibilizada. Na Lei de Acesso à Informação, tem essa distinção entre a transparência ativa, que é o dever do órgão de disponibilizar algumas informações sem ninguém pedir, e a transparência é passiva, que consiste nessa nesse dever de apresentar as informações se houver essa demanda. Então neste caso, nem há necessidade de ir buscar a transparência passiva de fazer algum pedido, é só realmente mandar um e-mail, que já vai ter essa informação disponibilizada. É um papel institucional do Senado e da Câmara dar essa informação também pros cidadãos. F: A Ouvidoria do Senado foi criada em 2011, com o objetivo de esclarecer dúvidas dos cidadãos, receber críticas e elogios e encaminhar outras demandas. O serviço pode ser acessado por telefone, pela internet ou pelo site, que é o senado.leg.br/ouvidoria LOC: (Trecho de vídeo institucional): Sabia que você pode participar das decisões do Senado? É só fazer contato com a nossa Ouvidoria. Pelo 0800-061-2211 ou pelo novo site da Ouvidoria, você pode pedir informações, fazer denúncias, elogiar, reclamar e fazer sugestões que podem virar leis. A Ouvidoria do Senado escuta o que você tem a dizer e te dá respostas. F: Os veículos de comunicação das Casas legislativas? Como você citou a agência Senado, a TV, a rádio, né? A Câmara também tem... esses veículos eles ajudam aqui nesse processo de publicizar a tramitação, os projetos? J: Fernanda, eu não diria nem que eles ajudam. Na era da informação, eu acho que eles são decisivos, porque basta você ver como se popularizaram determinadas transmissões da Rádio Senado, da TV Senado, quando você tem determinadas sessões que são mais emblemáticas... eu lembro, por exemplo, das reuniões preparatórias pra instalação da 56ª legislatura, em que teve lá uma eleição bastante acirrada entre o senador Davi Alcolumbre e o senador Renan Calheiros... aquilo dali mexeu com a população entende? O pessoal acompanhava, tinha torcida organizada... então foi uma coisa bonita de se ver, sabe? Assim, é interessante você ver a população se engajando nisso. E sem dúvida alguma, isso não seria possível se não houvesse a transmissão em tempo real pela TV Senado e pela Rádio Senado, por exemplo. Então numa era como a atual, essa transmissão eu diria até que é um caminho sem volta, sabe? Graças a Deus. É papel realmente da TV Senado e da Rádio Senado e da TV Câmara também, levar isso, essa realidade aos cidadãos. Em relação a essas TVs de natureza pública, existe uma certa controvérsia relação a TV Justiça, porque há quem argumente por exemplo que a transmissão dos julgamentos em tempo real faz com que os ministros do Supremo estejam mais preocupados na audiência do que em dar a melhor solução pro caso concreto. Mas acho que isso é uma discussão que pode ser feita, apesar eu achar que também é um caminho sem volta, mas essa discussão pode ser feita em relação ao Judiciário, em relação aos poderes de natureza política e mais ainda em relação ao Poder Legislativo, que tem esse dever de prestar contas à população, me parece que é, não apenas um caminho sem volta, como é um papel absolutamente primordial. Eu vou até te dizer: eu, na qualidade de cidadão já fiquei uma vez, até é um momento desabafo aqui, eu fiquei revoltado, porque eu tava acompanhando a votação do Senado, tudo bem que eu sou servidor do Senado, tenho que acompanhar algumas coisas, mas nem era o caso, era só uma sessão que eu tinha interesse mesmo como cidadão e aí teve que ser interrompido na rádio passar a Voz do Brasil... e eu disse, nossa, mas não, não interrompe, tava num momento tão interessante, era quase uma disputa de pênalti, sabe? Então assim, é interessante... não dá pra imaginar como seria acompanhar a rotina do Senado e da Câmara sem ter esses mecanismos de transmissão em tempo real. E mais ainda, e feitos de forma profissional, né? Que uma coisa é fazer uma live aqui, outra coisa é ter repórteres, editores, câmeras, de natureza profissional mesmo pra dar um serviço de qualidade é diferente. F: Agora você falou da Voz do Brasil, eu vou ter que prestar um serviço de utilidade pública. Com a lei que flexibilizou a veiculação da Voz do Brasil - essa orientação agora mudou, isso tem pouquíssimo tempo. Quando o Senado tiver uma sessão deliberativa né? Ou seja, quando tiver tendo uma votação - não é a fase de discursos, pronunciamento, mas quando as sessões estiverem em votação, a Voz do Brasil não entra às 19 horas, então continua com a sessão e a Voz do Brasil entra às 22 horas. Aí é claro que, se a sessão for uma sessão que se prolongue até depois das 22 horas, aí não tem saída, porque realmente é obrigatória a veiculação da Voz do Brasil, mas pelo menos a gente ganhou essa flexibilidade e diminuiu as chances de as pessoas perderem, como você falou aí, a disputa dos pênaltis, né? J: Ótimo, que maravilha. Mas pra você ver... eu acho que esse caso, Fernanda, ilustra muito bem a imprescindibilidade pra quem acompanha o Legislativo desse tipo de transmissão, entendeu? Quer dizer, quando é que se imaginaria que trinta anos atrás, a gente ia ficar chateado porque perdeu uma sessão pela Rádio Senado, entende? Não haveria isso, não haveria essa possibilidade, porque nem havia esse serviço. Então hoje acho que é realmente daqueles serviços que foram criados e que se tornarem indispensáveis. F: Agora a gente tá falando aqui de publicidade, de transparência. Eu vou chegar aqui num ponto, João, pra gente conversar, um ponto até que gera muita discussão entre os próprios parlamentares, que é a questão do voto secreto. Se a gente tem o princípio da publicidade, se o processo legislativo precisa estar acessível para os cidadãos, como é que a gente faz com o voto secreto? J: Pois é, essa é uma questão que, geralmente, quando se aproximam principalmente as eleições das Casas legislativas, fica mais candente essa discussão. Sempre foi uma coisa difícil de você compatibilizar, né? Quer dizer, como é que, dentro do processo legislativo, eu tenho alguns tipos de deliberações que são secretas? Acho que a grande questão do processo legislativo que tinha um voto secreto era a questão do veto, né? A análise dos vetos presidenciais, que, talvez pra proteger um parlamentar em relação a uma possível retaliação do Poder Executivo, se previa na Constituição que a deliberação do Congresso sobre o veto presidencial seria feita mediante o voto secreto. Isso acabou com a Emenda 76 de 2013, aliás a emenda na qual eu tive a honra de trabalhar, aquela que ficou conhecida como a PEC do Voto Aberto, e que acabou praticamente com o voto secreto no parlamento brasileiro. Hoje em dia, você tem a votação secreta para determinados atos muito específicos, basicamente escolha de autoridades, quer dizer, aprovação de escolha de autoridades, aprovação de ministro do Supremo, de Procurador-Geral da República e também pra eleição das mesas diretoras. E mesmo no caso da eleição das mesas diretoras, tem uma certa controvérsia, porque essa previsão do voto secreto está só no nível regimental, não dá no nível constitucional. Hoje em dia, Fernanda, e aí e acho que isso daí é uma manifestação do poder Constituinte que responde à tua pergunta, hoje em dia, no processo legislativo mesmo, no processo constitucional de formação das leis, não há nenhum ato que tenha voto secreto mais. Existem hipóteses pontuais de voto secreto, mas em matéria de escolha de autoridades, de eleição de mesa diretora e de aprovação de escolha de autoridades pelo Senado, mas no processo legislativo mesmo a última hipótese de voto secreto caiu com a emenda 76 de 2013, e me parece que justamente porque o constituinte derivado, o constituinte reformador, ele entendeu que não haveria como compatibilizar esse princípio da publicidade com a deliberação do processo legislativo ocorrendo de forma secreta. Então acho que isso daí já pode ser encarado inclusive como um reforço desse princípio da publicidade no âmbito do processo legislativo brasileiro. F: A PEC do Voto Aberto foi promulgada em novembro de 2013. Eu resgatei aqui mais uma reportagem da Rádio Senado da época, pra entender melhor a proposta: LOC: (Trecho de reportagem): Ao promulgar a proposta de emenda à Constituição que acaba com o voto secreto nos casos de cassação de mandato parlamentar e apreciação de vetos, o presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB de Alagoas, destacou que a iniciativa aproxima o parlamento da sociedade que defende transparência nas decisões do Legislativo. Ele rebateu o entendimento de alguns senadores quanto a validade da proposta já que os regimentos da Câmara e do Senado ainda mantêm o voto secreto no julgamento de políticos. Renan Calheiros ressaltou que a Constituição se sobrepõe a qualquer norma: (Renan Calheiros): Nada se sobrepõe a Constituição, a Constituição é a lei maior do país, não é um regimento de qualquer Casa que vai se sobrepor à Constituição. A mudança constitucional foi para exatamente abrir o voto que estava excepcionalizado na Constituição nesses dois novos casos. (LOC): O relator senador Sérgio Souza, do PMDB do Paraná, lamentou a não aprovação integral da proposta da Câmara que previa ainda o fim do sigilo na eleição para as presidências da Câmara e do Senado e na indicação de autoridades, mas admitiu que a parte aprovada representa um avanço para a sociedade. F: Outra questão aqui eu queria saber se tem relação com o princípio da publicidade é a questão da publicação das leis. Eu não sei se essa publicação das leis entra como um princípio do processo legislativo, mas se entrar, eu gostaria que a gente conversasse um pouquinho sobre isso: de que a lei só vale a partir do momento que ela está publicada e onde que ela tem que ser publicada, essas questões assim. J: Isso daí é uma decorrência desse princípio da publicidade, quer dizer, a lei, a gente diz que ela existe, que ela tem existência, que ela entrou no mundo jurídico a partir do momento em que há sanção. Mas ainda não é eficaz, a lei ainda não tem condição de produzir os seus efeitos, porque ela só irá produzir os efeitos a partir do momento em que for publicada, em que houver a divulgação oficial deste conteúdo da lei. Existem leis que entram em vigor após a sua publicação, existem leis que ainda passam um período antes de entrarem em vigor, são as leis que tem o período de adaptação, o período da chamada Vacacio Legis, mas nenhuma lei pode entrar em vigor antes da sua publicação, não existe essa possibilidade. A publicação é condição de eficácia da lei. E isso vem exatamente do princípio da publicidade, quer dizer, quando a lei de introdução às normas do direito brasileiro, a famosa Lindb, vem lá e diz que ninguém se escusa de cumprir a lei alegando que a desconhece, isso vem pelo fato de que toda lei tem que ser publicada para poder ser obrigatória. Diga-se de passagem, isso não é um requisito só da lei, isso é um requisito de qualquer ato jurídico público. Qualquer ato jurídico do Poder Público tem que ser regido pela publicidade, tem que ser regido pela divulgação. Só vai produzir efeitos em regra após a publicação. Nesse sentido, por exemplo, a Lei de Licitação, a lei 14.133, de primeiro de abril de 2021, ela prevê por exemplo que a publicação também é condição de eficácia para os contratos administrativos, a mesma lógica que vai se aplicar à lei. A publicação talvez seja exatamente o momento que mais concretiza princípio da publicidade. Não à toa é a última etapa que integra o chamado processo legislativo. F: E essa publicação tem que ser feita em órgãos oficiais? Onde ela pode ser feita pra ser considerada oficialmente publicada e pra que a lei comece a valer: J: Sim, ela tem que ser publicada no Diário Oficial de cada ente federativo. No caso federal, no Diário Oficial da União, no caso do estado, no Diário Oficial do Estado, e assim sucessivamente. O Diário Oficial inclusive, na esfera federal, ele não é mais publicado em papel, né? Foi cessada a publicação em papel e agora ele tem a publicação apenas pela internet, a publicação on-line. Mas, sim, inclusive é bem comum que a gente encontre textos de lei em outros sites, no site do Planalto, no site do Poder Legislativo, na plataforma LEXML, que é uma consolidação das legislações brasileiras, mas sempre quando você consultar esses textos legais em outros portais que não sejam do Diário Oficial, você vai ter uma advertenciazinha lá no final dizendo “este texto não substitui o publicado no Diário Oficial. Quer dizer, não tem efeito oficial. O que tem efeito oficial é o que é publicado no Diário Oficial de cada ente da federação. E já houve caso de se encontrar inconsistências, de se encontrar falhas, às vezes digitalizou errado, tem uma palavrinha errada lá, então acontece e, em caso de conflito de versões, vale a versão do Diário Oficial. Pra todos os efeitos a lei publicada, o texto que vale é o texto publicado no Diário Oficial, ou seja, no órgão oficial de imprensa. F: Uma curiosidade aqui com relação aos órgãos oficiais de imprensa, todos os municípios eles são obrigados a ter um órgão oficial, mesmo que o município seja muito pequenininho? Como é que funciona isso? J: Não, na verdade não existe essa obrigatoriedade, até porque em municípios muito pequenos isso se tornaria inviável, né? Então assim, quando o município não tem um órgão oficial de imprensa, ele faz publicar a lei por outros mecanismos, às vezes num jornal de grande circulação naquela região. Então pode ser dada publicidade a lei na forma prevista na Lei Orgânica de cada município. O importante é que haja essa publicidade, é que haja essa publicação, haja essa publicitação do conteúdo da lei. Especialmente pra municípios pequenos, você toca num ponto muito importante, Fernanda, há essa dificuldade tanto que, recorrendo mais uma vez a Lei de Licitações, a Lei 14.133 de 1º de abril de 2021, ela previu a criação do PNCP, o Portal Nacional de Contratações Públicas, um portal de natureza federativa, um portal mantido pela União, mas que vai servir para os municípios e estados publicarem os editais de licitação e publicarem também os extratos de contrato, etc, exatamente como uma forma de suprir esse problema que alguns municípios muito pequenos têm de como dar publicidade a esse tipo de situação. Aliás , o próprio Senado Federal, por meio do programa Interlegis, ele tem um programa de intercâmbio de tecnologia, de transferência de tecnologia em que inclusive ele hospeda sites de câmaras municipais de municípios pequenos exatamente pra deixar essa legislação on-line, pra deixar essa legislação acessível. Isso é uma faceta também muito importante do trabalho do Senado e que pouca gente conhece. F: As assembleias estaduais e as câmaras municipais têm no Interlegis um aliado no processo de modernização das atividades legislativas. O Programa, criado em 1997, oferece consultoria e cursos para os órgãos legislativos, além da transferência de tecnologias que o João mencionou. Durante a pandemia de coronavírus, o Interlegis ajudou câmaras municipais a implementar o sistema remoto de reuniões e votações, uma senhora ajuda para manter as atividades dos parlamentares sem abrir mão das medidas de prevenção contra a covid-19. LOC: (Trecho de reportagem): A cidade de São José em Santa Catarina promoveu no dia 31 de março uma sessão histórica. Pela primeira vez no município houve uma sessão remota do Parlamento Municipal. Parte sistema que permitiu a reunião foi implementado com o apoio do Interlegis, instituição do Senado Federal que auxilia o trabalho de parlamentos municipais de todo o país. F: Quando a gente fala na publicidade das normas, das leis, elas têm que estar publicadas, acessíveis à população... mas elas também têm que estar compreensíveis? Existe alguma regra, alguma diretriz pra redação desses textos, pra que eles sejam compreendidos por qualquer cidadão, não fique naquela coisa de estar escrito, mas a pessoa de repente lê aquilo ali e não entende o que aquela publicação quer dizer? J: Sim, essa é uma das grandes preocupações, Fernanda, de quem faz uma lei, a lei tem que ser entendida, a lei tem que ser compreendida. Não tem como exigir o cumprimento de uma lei, se a pessoa não tem a compreensão do que aquela lei tá dizendo, do que aquela lei tá trazendo. Isso já transita um pouco pra uma outra área do conhecimento, que é uma área que a gente chama de legística, ou ciência da legislação, ou seja, o estudo da lei, e aí se fala no âmbito da legística, que uma lei ela deve ser clara, concisa e direta, deve ter ordem lógica, deve ser compreensível. E até a gente coloca uma hierarquia dos defeitos que uma lei pode ter. E uma lei ser obscura, uma lei ser incompreensível, é um dos piores defeitos que uma lei pode ter, exatamente por isso que eu te falei, quer dizer, não tem como exigir o cumprimento de uma norma que não é compreendida. Lembrando que a gente tem que legislar é pensando no cidadão, a gente tem que legislar é pensando, como eu brinco com os meus alunos, em seu Zé e dona Maria, entende? A gente tem que legislar... não se legisla para especialistas. É claro que determinados tipos de lei são mais voltados pra situações específicas, por exemplo, um código de processo civil é de se esperar que o cidadão comum não vai abrir o Código de Processo Civil, é uma coisa que interessa aos advogados, juízes, promotores, mas já o Código Civil não, o Código Civil quando fala de casamento, quando fala de filiação, quando fala de contrato, isso é uma coisa que todo mundo vai vivenciar. Então você tem que levar em conta também na hora de redigir o texto legal, mas aí a gente já tá transitando pra uma outra área da qual eu gosto muito que é, não a área propriamente do processo legislativo, mas a área da legística, da arte de como redigir, como dar o conteúdo à lei. F: E a gente encerra aqui o penúltimo episódio do nosso podcast, que conta com a participação do professor e consultor do Senado João Trindade Cavalcante Filho. Hoje, conversamos sobre o princípio da publicidade e a importância da transparência no processo legislativo. Na próxima semana, vamos encerrar nossa primeira temporada falando sobre o bicameralismo. Vai ser um papo interessante e eu espero você. O podcast “Legislativo, que poder é esse” é uma produção da Rádio Senado, com sonorização de André Menezes e pós-produção de Luana Corrêa. No episódio de hoje, usamos trechos de reportagens da Rádio Senado. Eu sou a Fernanda Nardelli e te espero no próximo episódio.

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