“Eu sei o que você fez no verão passado”: o princípio da unidade de legislatura — Rádio Senado
Legislativo - que poder é esse?

“Eu sei o que você fez no verão passado”: o princípio da unidade de legislatura

O oitavo episódio do podcast “Legislativo – que poder é esse?” explica o que é uma legislatura e o que muda nas casas legislativas a cada quatro anos. Em conversa com a jornalista Fernanda Nardelli, o consultor do Senado Federal João Trindade Cavalcante Filho fala sobre o assunto.  

Encontre a transcrição do episódio aqui: https://cutt.ly/VEeJEde

Produção: Rádio Senado

30/09/2021, 06h00 - ATUALIZADO EM 28/09/2023, 15h13
Duração de áudio: 30:09
Arte: Hunald Vale

Transcrição
F: Olá, eu sou a Fernanda Nardelli e este é o podcast “Legislativo, que poder é esse?” Uma produção Rádio Senado. Chegamos ao oitavo episódio do nosso podcast, que vem falando sobre os princípios do processo legislativo. No episódio passado, o consultor do Senado Federal João Trindade Cavalcante Filho falou sobre o princípio da não convalidação das nulidades. E hoje, o tema é a unidade de legislatura. Vamos lá? F: João, o princípio do processo legislativo que nós vamos falar hoje é o princípio da unidade de legislatura. Eu acho que a gente poderia começar essa conversa falando sobre o que é a legislatura, talvez haja uma confusão, né, legislatura, sessão legislativa... e até uma confusão com os mandatos dos deputados e dos senadores que tem uma duração diferente... Vamos dar uma passadinha nessa nesses conceitos? J: Claro, Fernanda, até porque realmente são conceitos que geralmente causam algum tipo de confusão mesmo. Então, é importante que a gente deixe isso daqui bem claro, pro nosso ouvinte não fazer essa confusão. Então olha só, legislatura é definida no parágrafo único do artigo 44 da Constituição como sendo cada período de quatro anos. Então cada período desse quadrienal, cada período desses quatro anos que marca o funcionamento do Congresso Nacional, a gente chama de legislatura. Então são blocos de quatro anos que marcam o funcionamento do Congresso. Então, por exemplo, a 56ª legislatura ela começou lá em fevereiro de 2019 e vai até fevereiro de 2023. Aí em fevereiro de 2023, começa a 57ª legislatura e assim sucessivamente. Essa contagem vem lá de 1826, quando foi instaurado, quando foi realmente instalado o Senado, o funcionamento do Senado ainda lá na época do Império. Então de lá pra cá, nós já estamos nesse 56º bloco. Nem sempre a legislatura foi de quatro anos - na época de império ela tinha duração de três anos, salvo engano - mas de qualquer jeito é esse bloco que marca o funcionamento do Congresso Nacional e que atualmente é quatro anos. E isso daí, como você bem pontuou, tem uma relação que não é uma relação fixa em termos de mandato de deputado e mandato de senador. Como assim? Cada deputado federal ele é eleito para um mandato que coincide com uma legislatura, então, simplificando a gente pode dizer que o mandato de um deputado é um mandato de quatro anos. Já o mandato dos senadores não, o mandato dos senadores é o dobro né? Cada senador já é eleito direto pra passar oito anos no Senado Federal. O mandato do senador equivale portanto a duas legislaturas, a dois períodos de quatro anos. E cada período desse de legislatura compreende várias sessões legislativas. Esse termo sessão legislativa, com adjetivo legislativa, significa cada ano de trabalho do Congresso Nacional. Então a gente diz que cada legislatura dura quatro anos, isso quer dizer que cada legislatura abrange quatro sessões legislativas ordinárias, quatro períodos normais de funcionamento do Congresso Nacional. F: E o que quer dizer esse princípio da unidade de legislatura? O que a gente tem em uma legislatura que a gente não tem na próxima? J: Na verdade, esse princípio da unidade de legislatura ele é um princípio que rege todo um funcionamento parlamentar. Uma série de atuações parlamentares de legislativas vai ser finda com o término deste período de legislatura. Então é como se, ao final de cada legislatura zerasse o jogo, e determinados atos, determinados processos, determinados procedimentos fossem encerrados de forma automática. Isso porque? Eu vou dar exemplo daqui a pouco pro nosso ouvinte concretizar melhor isso daqui, mas isso acontece por quê? Isso acontece porque com a mudança da legislatura você vai ter uma mudança da composição das Casas, né? Você vai ter uma mudança dos 513 deputados, uma renovação dos 513 mandatos de Deputados, não necessariamente vai ter uma renovação das pessoas, né? Porque no Legislativo, tanto Câmara quanto o Senado, não há limite de total de mandatos, não há limite de reeleição, mas de qualquer jeito você vai ter mudança, né? A taxa de renovação na Câmara dos Deputados gira entre 50 e 60%. Então nesse caso aí você vai ter uma mudança de pessoas que compõem aquela casa, isso vai se refletir em mudança de comissões, em mudança de membros. Então nesse caso, quando termina a legislatura uma série de atuações vai ser zerada, encerrada automaticamente, desconsiderada. Isso mesmo no Senado, porque no Senado você tem um uma situação interessante. No Senado como um mandato dura oito anos, mas a legislatura dura quatro, então você tem uma renovação sempre em caráter parcial, quer dizer, nós temos 81 senadores, mas a gente nunca vai ter eleição dos 81 senadores ao mesmo tempo. Cada estado e o Distrito Federal elegem três senadores, mas você nunca vai ter a eleição dos três senadores ao mesmo tempo no estado já existente. Você vai ter segundo o artigo 46 da Constituição sempre uma eleição alternada por dois terços e um terço, dois terços e um terço. É por isso que, numa eleição, a gente elege um senador só e na eleição seguinte, dois senadores, e sempre assim alternadamente. Mas de qualquer maneira, mesmo no Senado, em que essa renovação é de caráter parcial, você vai ter uma mudança de composição da Casa. E aí, dado que você vai ter uma mudança de composição da Casa, é preciso arquivar algumas coisas automaticamente. E aí vou te dar um exemplo bem concreto que não tem a ver exatamente com o processo legislativo, mas tem a ver com o direito parlamentar, o direito legislativo em geral. As comissões temporárias, inclusive o maior exemplo que são as comissões parlamentares de inquérito, elas são encerradas automaticamente ao final da legislatura. O Supremo Tribunal Federal inclusive já decidiu que a CPIs podem ter a duração delas prorrogada, quer dizer, pode haver a postergação do término da CPI, mas elas nunca podem ultrapassar a legislatura em que foram criadas. Uma CPI que foi criada na 56ª legislatura não pode ser prorrogada até a legislatura seguinte, não pode ser prorrogada até a 57ª legislatura, por exemplo. Então nesse caso você tem uma aplicação do princípio da unidade de legislatura, ou seja, o que começa numa legislatura ordinariamente tem que terminar naquela mesma legislatura, inclusive as comissões temporárias em geral e as comissões parlamentares de inquérito em especial. F: É possível, se for de interesse dos parlamentares, ou continuarem um trabalho de investigação ou no caso de uma comissão temporária, é possível recriar essa comissão no início da legislatura seguinte? J: Não só é possível, Fernanda, como isso já aconteceu. Isso é muito comum com CPIs que são criadas último ano da legislatura. Aí quando você tem uma CPI, por exemplo, criada no último ano da legislatura, no semestre, às vezes, da legislatura, obviamente ela dificilmente vai ter condições, vamos dizer assim, de terminar o seu trabalho a contento. Então, aí geralmente o que acontece? Na prática, a CPI faz um relatório parcial, faz um levantamento das provas que conseguiu colher até aquele momento, e aí fica aquele relatório parcial ali. Se houver o interesse dos parlamentares da próxima legislatura em fazerem uma nova CPI, por exemplo, sobre aquele mesmo objeto, aí nesse caso poder-se-á utilizar os dados que foram colhidos naquela primeira CPI. Então nesse caso, juridicamente você tem duas CPIs diferentes, mas que uma vai aproveitar o trabalho de colheita de provas de relatório parcial que a outra fez. Então, como eu te disse, isso daí inclusive já aconteceu com uma das várias CPIs da Petrobras que a gente já teve, tá? Mas isso daí é algo que é bem frequente de acontecer. F: No início da quinquagésima quinta legislatura, em 2015, a Câmara dos Deputados instalou uma nova CPI da Petrobras. No ano anterior, o Congresso já havia trabalhado em uma CPI Mista para investigar os desvios de recursos da estatal, mas a comissão foi encerrada em dezembro, com o fim da legislatura. LOC: (Reportagem): A oposição protocolou nessa terça-feira o pedido para uma nova CPI da Petrobras. Foram coletadas 186 assinaturas quando o mínimo é de 171. A Secretaria Geral da Mesa já conferiu o mínimo necessário. Segundo o líder do PSDB, deputado Carlos Sampaio, apesar de ter sido encerrado uma CPI mista de deputados e senadores no ano passado sobre o mesmo assunto, muitas perguntas ainda ficaram sem respostas, inclusive os nomes de quem desviou recursos da empresa. J: Obviamente, esse princípio da unidade da legislatura também vai ser aplicar ao processo legislativo. Não só ao Poder Legislativo em geral, mas também especificamente ao processo legislativo. F: Como funciona essa questão com o arquivamento de projetos? Ao final de uma legislatura todos os projetos são arquivados? Existem exceções? J: Pois é, essa é a principal aplicação do princípio da unidade da legislatura no âmbito do processo legislativo, que é o arquivamento automático de proposições ao final dessa legislatura. Então, por exemplo, os projetos de lei que forem propostos numa legislatura e que não chegaram a ser apreciados são automaticamente arquivados. Isso é uma regra que não está na Constituição, tá bom? É uma regra prevista em nível regimental, mas por uma questão de efetividade, por uma questão de eficiência inclusive dos trabalhos, a maioria dos regimentos internos de casas legislativas prever isso, vai prever esse arquivamento automático. Claro que aí vai depender muito de cada casa. Quer dizer, tem casas legislativas que são mais exigentes que arquivam muita coisa, outras que abrem muitas brechas, muitas exceções. Vai da quantidade de projetos que cada Casa tem. Por exemplo, na Câmara dos Deputados, como existem muitos projetos de lei, existem muitos deputados, cada um pode propor sozinho um projeto de lei e isso vai significar, portanto, muitos projetos de lei. No primeiro ano da 55ª legislatura, por exemplo, no ano de 2015, você teve na Câmara dos deputados só de projetos de lei ordinária 4.269 projetos apresentados. Então é muita coisa. Só no primeiro ano da legislatura! Se for pegar a legislatura inteira, facilmente passa dos dez mil projetos de lei, que é absolutamente uma loucura, né? É impossível qualquer casa legislativa dar conta de analisar dez mil proposições numa legislatura só. E aí o que que acontece? A Câmara dos Deputados prevê o arquivamento automático dos projetos de lei que, ao final do período de quatro anos, ao final da legislatura, não tenham recebido parecer de comissão. Então se ele não chegou a receber um parecer de comissão, ele vai ser arquivado, ele vai realmente ser desconsiderado. Aliás é o que acontece com a maioria dos projetos de lei. Mais de 50% dos projetos de lei ordinária na Câmara dos Deputados é arquivada sem chegar a ter se quer a análise nas comissões, exatamente, tem um volume muito grande de trabalho. E isso termina sendo, sabe, Fernanda, um filtro de relevância política do projeto, porque a gente sabe que tem, né? Na prática tem aquele projeto que nem o próprio autor acredita nele. Tem aquele projeto que o deputado apresenta só pra dar satisfação porque o pessoal pediu, só pra dar uma satisfação pra base eleitoral ou pra contar pra estatística dele de mais um projeto apresentado, mas que nem ele mesmo acredita que aquilo dali tem alguma chance de virar lei. Aí esses projetos em que nem mesmo o autor se empenha, eles terminam indo pro arquivo mesmo sem chegarem a ser apreciados. Agora aquele projeto em que o deputado tem algum peso político maior, que vai lá e fala com os colegas e pede pra ser aprovado, pra ser pautado etc, esse consegue ter então um andamento maior. Agora se você for pegar por exemplo no Senado, o Senado Federal ele também prevê esse arquivamento automático dos projetos de lei ao final da legislatura, só que ele tem uma série de exceções. Ele tem até exceções que são mais amplas do que na Câmara dos Deputados. Salvo engano, o regimento interno do Senado prevê, por exemplo, que projeto de lei de autoria de senador que se reelegeu você mantém. Projeto de lei de autoria de quem ainda é senador, de quem tá no meio do mandato, você mantém em tramitação. Projeto de lei que já recebeu parecer de uma comissão, você mantém em tramitação. Mas ainda assim, tem um bocado de projeto de lei que é arquivado no Senado Federal ao final da legislatura. Aí você vê que até uma coisa meio pragmática mesmo né? É um filtro até de natureza política mesmo, como eu disse. Aquele projeto que não conseguiu ao longo da legislatura se viabilizar para ser pelo menos numa comissão, ele vai terminar indo pro arquivo. Claro que isso termina sendo, vamos dizer assim, um pouco cruel com os projetos apresentados no último ano da legislatura, né? Porque um projeto apresentado por exemplo em novembro do último ano da legislatura, é praticamente impossível que ele consiga migrar para a legislatura seguinte, mas é uma questão de eficiência mesmo do processo legislativo F: Em 2018, no final da legislatura, a Câmara dos Deputados estava analisando o projeto que tratava da Escola sem Partido. O assunto era polêmico, o texto não foi votado e, de acordo com as normas da Casa, foi arquivado. LOC: (Reportagem): Nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão. A oposição celebrou, mas o relator também comemorou: nós já ganhamos sim, foi vitória muito grande porque o fato da gente conseguir trazer luz pra esse problema dentro das escolas brasileiras já fez com que pais, alunos e professores que eram perseguidos nas escolas tivessem consciência dos seus direitos. LOC: Esse é o ponto final da comissão especial que debateu o projeto conhecido como Escola Sem Partido. Foram cinco meses tentando voltar ao texto. Ao longo desse período foram sete tentativas de votação. A oposição obstruiu os trabalhos de todas as maneiras possíveis e conseguiu. Com isso o Escola Sem Partido vai para o arquivo no final deste ano. É possível retomar essa discussão no ano que vem? Claro que é. Basta desarquivar o projeto, iniciar uma nova comissão especial, indicar um novo relator, apresentar um novo texto e votar o novo texto. F: A gente falou, você falou aqui, João, dessa questão, principalmente na Câmara, né, de que os projetos que não chegam a ter o parecer da comissão são automaticamente arquivados. Aí me ocorreu aqui, acho que seria bom a gente falar um pouquinho... se o projeto for distribuído a um relator, mas ainda não houve uma discussão, até o relator não elaborou esse relatório ainda pra submeter a comissão, aí esse projeto, no caso do da Câmara dos Deputados e também do Senado salva as exceções, ele seria arquivado no final da legislatura? J: Exatamente até porque... isso é um ponto muito importante que você lembra, Fernanda, porque quando a gente fala assim o parecer, é o parecer votado e aprovado pela comissão tá? Inclusive aqui na Câmara, no regimento interno da Câmara dos Deputados, fica uma certa ambiguidade porque eles usam o termo “parecer” tanto para a manifestação do relator como para a manifestação do colegiado, a manifestação da comissão em si. Então eles falam, parecer do relator que, se aprovado, se transforma no parecer da comissão. No Senado, eu acho que é um pouco mais claro, porque no Senado se usam termos diferentes né? Se fala em relatório é a peça apresentada pelo relator e que, se aprovado pela comissão, vira o parecer. Então tecnicamente no âmbito do regimento interno do Senado, não existe parecer do relator. Relator faz relatório, comissão aprovando o relatório do relator transforma aquilo portanto num parecer. Então nesse caso aí o que que a gente tem? Quando há a manifestação da comissão, aí nesse caso você considera que houve portanto um parecer e aí nesse caso o projeto vai continuar a tramitar em regra, tá? Mas aí, se o relator não chegou a apresentar o seu relatório ou se ele apresentou e aquilo não foi pautado ou se foi pautado mas a comissão não chegou a deliberar, não chegou a aprovar, aí nesse caso, se considera que aquele projeto normalmente vai pro arquivo mesmo, tá? Até porque você tem aqui uma série de barreiras que o projeto tem que suplantar, né? Eu brinco inclusive com os meus alunos dizendo que o projeto ele é como se fosse uma corrida de obstáculos, né? Sabe aquelas corridas que tem na Olimpíada de mil metros com barreiras? Ele vai passando uma barreira de cada vez. Aí por exemplo ele tem que ter a distribuição pras comissões, vai pra comissão... na comissão tem que ser distribuído pra um relator, essa distribuição não é automática, então as vezes passa lá o projeto, passa a legislatura toda, não chegou ser atribuído a um relator e aí é arquivado. Se ele conseguir ser distribuído por um relator, às vezes vai pra um relator que é uma figura política muito importante que tá fazendo mil coisas ao mesmo tempo, e nem dá bola praquele projeto... e aí o que que acontece com o projeto? Arquivado ao final da legislatura. Às vezes não, o relator conseguiu fazer um relatório, fez até o relatório pela aprovação, etc, mas não conseguiu pauta, porque tem o problema de agenda, né? O calendário das comissões é muito cheio, elas têm que deliberar sobre muitos projetos, dependendo da comissão tem que fazer outras coisas também, oitiva de autoridades, etc. Então tem o problema de conseguir pautar, conseguir colocar na pauta. E, colocando na pauta, tem que conseguir votar. Porque às vezes, por exemplo, CCJ do Senado, já houve época que tinha quarenta itens pauta pra uma reunião que vai ali das dez horas da manhã até por volta de duas horas da tarde. Então assim, óbvio que não vai conseguir votar quarenta projetos naquele dia. Aí vai ficando acumulado, vai ficando aquela bola de neve. Então, realmente são vários check points que o projeto tem que conseguir passar, e se ele não conseguir vencer todas essas etapas em pelo menos uma comissão, geralmente cai na hipótese em que os regimentos internos das Casas vão prever que aquele projeto é arquivado ao final da legislatura. F: Diante de todas essas etapas, dessa corrida, realmente os projetos apresentados no último ano saem desvantagem, né? Como é que fica em relação, não só a esses projetos apresentados no último ano, mas assim... o projeto é arquivado. Existe algum mecanismo pra que esse projeto volte à tramitação, ele pode ser desarquivado ou ele teria que ser reapresentado por outro parlamentar ou até pelo mesmo que ele continuar nas Casas? J: Essa é uma questão bem interessante, Fernanda, inclusive pra gente fazer a diferença em relação aos tipos de arquivamento, veja só: existem dois tipos de arquivamento. Você até acabou de me dar uma ideia de algo que eu vou colocar pra atualizar na quinta edição do meu livro Processo Legislativo Constitucional, que agora eu percebi que eu não trato dessa diferença das hipóteses de arquivamento. Mas aí veja só, existem dois tipos de arquivamento, o arquivamento derivado da rejeição e o arquivamento ao final da legislatura. Por quê? O projeto que é votado e é rejeitado, ele vai ao Plenário e no Plenário ele rejeitado, esse projeto está arquivado e está arquivado em definitivo. Projeto que é votado e é arquivado, aquele projeto com aquele número e aquele autor nunca mais vai voltar. O que pode acontecer é, na sessão legislativa seguinte, ou seja, no ano seguinte, você, respeitado o chamado princípio da irrepetibilidade, você apresentar um outro projeto com outro número, outra tramitação e outro autor ou mesmo autor, mas um novo projeto, com o mesmo teor daquele que havia sido rejeitado. É como se fosse um outro corpo com a mesma alma, mas é outro corpo. O projeto reencarnou, digamos assim. Agora, quando o arquivamento é derivado do término da legislatura, ou seja, quando o projeto é arquivado sem que tenha sido apreciado, aí a maioria dos regimentos internos, pelo menos os regimentos internos que eu conheço, vai permitir que seja apresentado um requerimento de desarquivamento, que seria mais ou menos uma ressurreição daquele projeto. Aí sim, aquele projeto que havia sido arquivado ao final da legislatura vai voltar com o mesmo número, a mesma tramitação, o mesmo autor e vai retomar a sua tramitação dali por diante, tá? Então é muito importante a gente fazer essa diferença dos tipos de arquivamentos. Então, em resumo, projeto arquivado porque foi votado e rejeitado, aquele projeto não volta nunca mais. O que pode é ser apresentado um outro projeto com o mesmo conteúdo daqui. Agora o projeto que é arquivado por este motivo que a gente tá falando aqui no episódio do nosso podcast, o projeto que é arquivado ao término da legislatura, arquivado sem que tenha sido objeto de deliberação, esse pode ser objeto de requerimento de desarquivamento. F: Esse requerimento é apresentado por um parlamentar só, ele tem que passar por alguma votação? J: Aí varia muito de regimento pra regimento, tá? Geralmente um parlamentar, geralmente se admite que um parlamentar faça esse requerimento e aí geralmente é dirigido ao presidente da Casa pra que ele então defira ou indefira o desarquivamento, e geralmente da decisão do presidente, cabe recurso ao Plenário. F: Na primeira sessão plenária do Senado, em 2019, foram analisados vários de pedidos de desarquivamento de projetos. Eu separei aqui uma reportagem da Rádio Senado sobre o assunto. Vamos ouvir um trecho: LOC: (Reportagem): Senadores aprovaram ainda requerimentos sobre pedidos de desarquivamento de projetos e propostas de emenda à Constituição, entre elas a chamada PEC da Vida, que veda novos casos de autorização para o aborto, com o desarquivamento a proposta volta à pauta da Comissão de Constituição e Justiça. Os senadores também aprovaram o desarquivamento do projeto que reforça a Política Nacional de Segurança de Barragens. A proposta retorna para a Comissão de Meio Ambiente para análise. F: João, a gente tá falando aqui da unidade de legislatura e me ocorreu aqui a questão de eleição dos membros da Mesa. A gente tem uma regra que sempre gera uma discussão, né, de que o os membros da Mesa não podem ser reeleitos, mas a gente vê que, quando é de uma legislatura pra outra, essa Mesa pode, sim ser reeleita. Isso tem a ver com princípio da unidade de legislatura? J: Tem tudo a ver, Fernanda, tudo a ver. Porque, na verdade, se você for pegar lá na Constituição, no artigo 57, ele vai falar que é vedada a reeleição para a Mesa Diretora para o mesmo cargo. Então quem foi primeiro vice-presidente do Senado não pode ser primeiro vice-presidente novamente; quem foi presidente da Câmara não pode ser presidente da Câmara novamente em um mandato consecutivo. Se você ler o texto constitucional puro e simples, o texto constitucional seco, como a gente fala, você vai dizer: olha, não pode haver reeleição em hipótese alguma. Mas aí quando Michel Temer era presidente da Câmara e, salvo engano, José Sarney era presidente do Senado, eles disseram: ‘olha, mas tem aqui o princípio da unidade de legislatura... o mandato de presidente da Casa, na Câmara e no Senado é assim, na maioria das esferas da federação também é assim, o mandato é de dois anos e a legislatura é de quatro anos. Então, qual foi a interpretação que se construiu? É de que quando é a reeleição dentro da mesma legislatura, realmente não pode. Agora a reeleição de uma legislatura pra outra, zerou o jogo, não é reeleição, entende? E no caso a pessoa estaria indo pra um novo mandato sem continuidade, digamos assim. Então qual foi a interpretação que o Supremo Tribunal Federal inclusive validou? É de que olha: quando houver reeleição pra Mesa Diretora da Câmara do Senado de uma legislatura para outra, não tem problema. Então se você pegar ... ser o presidente do Senado nos dois últimos anos legislatura e ser então eleito novamente nos dois primeiros anos da legislatura seguinte, aí tudo bem. Seria uma interpretação conjunta do 57 com o 44, que diz que a legislatura dura quatro anos. Agora o que não pode é ser presidente primeiro braço da legislatura no primeiro período de dois anos e tentar a reeleição dentro da mesma legislatura. Aí é que não é admitido. Isso daí é algo que não tá escrito na Constituição, é uma interpretação a partir da análise de conjunta do artigo 57 com o artigo 44, e que foi validada inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, e que é exatamente o que você falou: a razão de ser deste entendimento é a aplicação do princípio da unidade da legislatura F: E a gente termina aqui nossa conversa de hoje com o professor e consultor do Senado Federal João Trindade Cavalcante Filho. Nós falamos sobre o princípio da unidade de legislatura. No próximo episódio, vamos tratar do princípio da publicidade. O podcast “Legislativo, que poder é esse” é uma produção da Rádio Senado, com sonorização de André Menezes e pós-produção de Luana Corrêa. Hoje, usamos trechos de reportagens da Rádio Senado, da Rádio Câmara e da TV Câmara. Eu sou a Fernanda Nardelli e espero você no próximo episódio. Até lá!

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