Debatedores atribuem queda de audiência em canais de direita a 'censura'

Da Agência Senado | 15/08/2024, 18h06

Senadores e comunicadores de canais que se definem como defensores de posições políticas consideradas à direita fizeram acusações, nesta quinta-feira (15), sobre o que chamaram de violações à liberdade de expressão e comunicação no Brasil. Durante audiência pública da Comissão de Comunicação e Direito Digital (CCDD), os participantes apresentaram dados que, na sua interpretação, indicariam censura e queda no alcance de seus conteúdos nas redes sociais em razão de posicionamentos ideológicos. Eles também criticaram decisões de cortes superiores, incluindo o Supremo Tribunal Federal, e alertaram para ações do Judiciário que, na visão deles, caracterizam como autoritárias. 

O debate foi requerido pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE). Ele ilustrou como exemplo a situação de um canal de rádio que, conforme o senador, passou a sofrer quedas de audiência após publicações de conteúdos abordando temas como a vacinação da covid-19 e os "Twitter Files" (documentos sobre decisões judiciais brasileiras envolvendo a rede social atualmente conhecida como X). 

— O exemplo que aconteceu na Rádio Auri Verde reforça a percepção de que esse tipo de intimidação ou até de perseguição já deixou de ser potencial e vem se transformando em fato. Outros canais de comunicação associados com o espectro político de direita, conservadores, independentes, também já sofreram com pressões das plataformas que, algumas vezes, se a devida transparência limita o alcance de publicações, restringem a monetização e dificultam notificações — observou o senador, que também citou que a emissora de TV Jovem Pan estaria sofrendo restrições e boicotes em relação à monetização (pagamento que as plataformas que hospedam conteúdos, como o YouTube, fazem ao canal pela exibição de propagandas). 

Algoritmo

O locutor e apresentador do canal Auri Verde, Alexandre Pittoli, informou que, a partir das eleições de 2022, o perfil da emissora no YouTube teve o número de visualização severamente reduzido. Conforme dados apresentados por ele, a página passou de 2,9 milhões de visualizações para 116 mil, sem sem que houvesse explicação. Isso vem impactando financeiramente a emissora. 

Ele informou que o canal sempre teve como regra a publicação de notícias veiculadas em grandes portais de notícia, considerados de credibilidade nacional, como o G1, a Folha de S. Paulo, a Revista Oeste e a TV CNN, seguida de comentários políticos. Segundo ele, não há propagação de fake news. 

Ele desafiou as plataformas a medir o tráfego da audiência do portal para esclarecer se a queda de visualizações acontece para justificar o “sufocamento financeiro” ou se, de fato, o conteúdo deixou de despertar interesse do público. 

— Quem tem que decidir é a audiência. Quem tem que decidir se não vai assistir mais é quem assiste e não a plataforma, que tem que entregar o conteúdo. Entretanto eu gostaria muito de tê-los aqui. Só que eles sabiam que esse enfrentamento traria a verdade. E qual é a verdade que nós buscamos? Nós somos monetizados por uma métrica que não fecha. Eu desafio qualquer um a encontrar qual é o resultado dessa equação aonde chega ao resultado da equação. Visualização, like, compartilhamento, inscrição, tempo de exposição, tempo de exibição. Eu desafio qualquer um a me dizer como que eu chego a um resultado lá na ponta. Ninguém sabe dizer.

Pittoli também acusou as empresas de terem uma "black list" de termos que provocariam censura pelos algorítimos, como “ditadura da toga”, “voto impresso” e “maconha”. Os senadores Girão e Carlos Portinho (PL-RJ) apoiaram Pitolli, revelando que já tiveram conteúdos bloqueados e foram orientados a evitar certos termos.

As plataformas foram convidadas a participar da audiência pública, mas não mandaram representantes. Integrantes do Tiktok, Meta e YouTube enviaram comunicados justificando a ausência. Algumas explicaram que não poderiam estar presentes em razão de agendas marcadas previamente, enquanto o YouTube mandou mensagem se negando a participar do debate.

Liberdade de expressão

Flávio Bolsonaro (PL-RJ) lamentou a ausência dos representantes das plataformas, chamadas por ele de big techs, que, na sua avaliação, também são vítimas de um sistema de opressão e censura. Na visão do senador, o país não vive uma democracia por entender que parlamentares, políticos e representantes da sociedade em geral não estão encontrando liberdade para falar. 

Ele citou como exemplo o processo que culminou com a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado, segundo ele, de levantar dúvidas sobre o sistema eleitoral e defender a impressão do voto. 

— É o sistema, algumas poucas pessoas, na verdade, que não admitem que o povo escolha seus representantes e que usam da sua caneta forte para descumprir a Constituição, descumprir a legislação e atacar os instrumentos que nós ainda temos de levar a verdade para a população. Porque fake news não se combate com censura. Fake news se combate com a verdade. 

A ausência de representantes das plataformas foi criticada pelo senador Carlos Portinho, que saiu em defesa do direito constitucional à livre expressão. 

— A expressão é livre, seja por qualquer meio, se é por televisão, por carta de papel, por jornal impresso, se é por rede social. Você vê que o constituinte estava lá na frente. Ele falou qualquer meio, qualquer veículo, ela é livre. Não pode haver essas restrições algorítmicas. Aquele que ofender, ultrapassar, agredir, extrapolar o seu direito que termina quando começa o do outro, ele tem o devido processo legal, isso é, numa democracia. E a gente tem que recuperar a normalidade democrática.

O jornalista Alexandre Garcia, que tem canal no YouTube com quase três milhões de inscritos, disse que qualquer coisa acima da Constituição é arbítrio. Ele destacou que as decisões que, segundo ele, censuram alguns conteúdos, têm surgido após a ascensão das redes sociais e a compreensão dos próprios cidadãos de que possuem uma ferramenta acessível para propagar voz e pensamentos, sem a necessidade de “tutor” para escolher qual conteúdo se deve consumir. 

Na sua avaliação, “certos círculos da justiça brasileira” não estão garantindo o devido processo legal e o amplo direito à defesa, direitos fundamentais que, na sua opinião, não estão sendo cumpridos. Para ele, “está nas mãos do Senado” a capacidade de “corrigir este desvio da Constituição” ao defender a aprovação Projeto de Resolução do Senado (PRS 11/2019), do ex-senador Lasier Martins. O texto estabelece que pedidos de impeachment contra autoridades que chegarem ao Senado deverão obrigatoriamente ser analisados pelo Plenário.

— Não procurem responsabilizar outros, a não ser o próprio Senado. Porque a origem disso tudo está na passividade do Senado. Único órgão capaz de corrigir esse desvio da Constituição. E desvio da Constituição é gravíssimo.

Regulação

Para o senador Esperidião Amin (PP-SC), numa democracia tudo precisa de certificação e defendeu a existência de um órgão regulador autônomo e capacitado para auditar as métricas das plataformas digitais. 

— Se não houver um regulador autônomo, confiável, as plataformas atribuirão mais ou menos números sem uma fiscalização, uma auditoria. Tudo tem que ser auditado numa democracia. Tem que ter peso, contrapeso. (…) Aqui, nesta comissão, nós temos essa responsabilidade de propor uma forma de auditoria pública confiável. Pode até ser privada também, não tem problema, desde que haja competição. Não pode haver monopólio. 

Medo 

O senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP) entende que o Congresso tem a responsabilidade de assegurar a livre manifestação, evitando que se imponha medo aos cidadãos. 

— O que está por trás de tudo isso é o medo. É o medo das pessoas de se expressarem, o medo de omitir opinião, o medo das empresas de serem culpadas, é o medo que se impõe através de uma ditadura disfarçada de democracia. 

Os senadores Izalci Lucas (PL-DF), Magno Malta (PL-ES), Hamilton Mourão (Republicanos-RS) e Rosana Martinelli (PL-MT) também reforçaram as críticas e alertaram para o cenário atual do país, que consideram preocupante, classificando-o de “sistema do medo”. Eles usaram como exemplo comunicadores que foram punidos com medidas como o banimento das redes sociais, passaportes retidos ou prisões decretadas como Allan dos Santos, Oswaldo Eustáquio e Rodrigo Constantino. 

— A gente hoje fica com medo por eles. Quantas pessoas a gente ouve falar, como o Alexandre, meu Deus. Será se não vai acontecer nada com ele? Porque ele é uma voz destemida e realmente fala — disse, Rosana Martinelli. 

Escalada da censura

O jornalista Paulo Figueiredo, que teve contas nas redes sociais e bancárias bloqueadas pela investigação no inquérito das fake news, do STF, disse que a censura está ressurgindo e escalando no mundo inteiro com o objetivo de “sufocar as vozes dissidentes e controlar a narrativa” para levar a uma forma autoritária de poder. 

Ele afirmou que há um plano de silenciar vozes dissidentes e que práticas como essas levaram a tragédias no passado. Para ele, o Brasil, por meio do Supremo Tribunal Federal, tem instrumentalizado a censura para suprimir a liberdade de expressão. O jornalista levantou a hipótese de haver uma cooperação entre plataformas, cortes superiores e o governo para promover mudanças nas políticas de moderação de conteúdo. 

Figueiredo ainda acusou governos de esquerda de coagir executivos das plataformas para que elas sejam usadas como instrumento de ativismo ideológico. Ele fez a afirmação ao ler relatório que teria sido feito pelo Congresso dos Estados Unidos, como resultado de investigações dos parlamentares daquele país com base na suposição de que haveria uma relação do governo do presidente estadunidense, Joe Biden, com as big techs. 

— A minha suspeita é que haja um expediente clandestino de cooperação entre as redes sociais, especialmente entre o YouTube e a Meta, e o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior Eleitoral, e até mesmo o governo Lula. E isso é grave e criminoso. Não são do lado das autoridades, mas das empresas que concordam em agir à margem da lei sob qualquer tipo de incentivo ou de pensão. Isso configura, sim, crime de corrupção. 

O jornalista citou números que apontam que a média de entrega dos vídeos a pessoas que não estão inscritas no seu canal, que antes era de 35% a 45%, atualmente é de 3% a 5%, mesmo com índices de interação e retenção da atenção do internauta, segundo ele, continuarem altas. Ele acusa que isso só é possível com a “manipulação de algoritmo” por má fé ou coerção das plataformas. 

Alexandre de Moraes

Os participantes fizeram referência à atuação do ministro do STF Alexandre Moraes em diversos momentos da audiência. Eles acusaram o magistrado de ser um dos responsáveis por “impor” decisões “autoritárias” às plataformas, como a restrição de conteúdos, banimento de perfis e até mesmo a redução do alcance das informações de ideologia de direita ou de extrema direita. 

Eles também citaram a série de matérias divulgadas pelo jornal Folha de S. Paulo, desde a última terça-feira (13), que traz trocas de mensagens entre assessores do ministro e a Assessoria de Combate a Desinformação, órgão vinculado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O jornal acusa Moraes de usar meios não oficiais para produção de relatórios que teriam embasado o inquérito das fake news, que corre no STF.  

Os participantes pediram que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, aceite as solicitações de impeachment do ministro. 

Declaração de Westminster 

A comentarista política Ana Paula Henkel destacou que a preocupação compartilhada na audiência pública também foi manifestada na Declaração de Westminster, assinada em Londres, pela liberdade de expressão, com assinatura de 141 jornalistas, artistas, escritores, ativistas e acadêmicos de 21 países que denunciam o que acreditam ser a escalada de um “complexo industrial da censura” pelo mundo, especialmente no novo contexto das plataformas digitais. 

Ela leu trechos do documento e afirmou que a liberdade de imprensa deve ser entendida como a melhor defesa contra a desinformação. 

— Nós não combatemos informação com menos liberdade, mas com mais liberdade.

O jornalista Marco Antonio Costa também se somou às críticas e denúncias.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)