General diz que ex-comandante do Exército mandou cancelar ação da PM

Da Agência Senado | 14/09/2023, 12h35

O ex-comandante do Comando Militar do Planalto (CMP), general Gustavo Henrique Dutra, disse nesta quinta-feira (14) que o então comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, mandou cancelar uma operação da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) para desmobilizar o acampamento de manifestantes golpistas em Brasília, no dia 29 de dezembro do ano passado. Dutra presta depoimento à CPMI do 8 de Janeiro e respondeu aos questionamentos da relatora, senadora Eliziane Gama (PSD-MA).

Segundo a parlamentar, a PMDF foi mobilizada três vezes no ano passado para retirar o acampamento golpista instalado em frente ao Quartel General do Exército, no Setor Militar Urbano (SMU), em Brasília. As ações estavam previstas para os dias 7, 13 e 29 de dezembro. De acordo com Eliziane, depoimentos e documentos recebidos pela CPMI indicam que a ação na área conhecida como Praça dos Cristais foi suspensa por determinação do próprio ex-comandante do CMP.

— Pelas informações que tenho, o senhor [general Gustavo Henrique Dutra] obstruiu e impediu. Isso fica de forma muito clara. O senhor recebeu pressão para que os acampamentos não fossem retirados por conta da presença de familiares de generais e de oficiais do Alto Comando do Exército? — questionou Eliziane.

O ex-comandante do CMP negou ter sido pressionado para manter o acampamento ou que tenha impedido ações de desmobilização. Mas admitiu que, no dia 29 de dezembro, recebeu uma ligação do general Freire Gomes para que apenas militares do Exército acompanhassem servidores do governo do Distrito Federal em operação para a retirada dos manifestantes. A ação resultou apenas na remoção de barracas desocupadas.

— Recebi uma ligação do comandante do Exército. Ele viu que o clima na Praça dos Cristais havia ficado mais tenso e determinou que a operação fosse cancelada com a presença da PMDF e continuasse somente com o Exército. No dia 29, não poderíamos ter um enfrentamento. Estávamos nas vésperas da posse. Um enfrentamento poderia atrapalhar a normalidade do evento que aconteceria logo depois. O Exército é baseado na hierarquia e na disciplina. Se eu recebesse ordem do comandante [para a retirada do acampamento], com certeza cumpriria — disse.

O general Gustavo Henrique Dutra negou que tenha havido “inércia ou complacência dos militares” na desmobilização dos manifestantes. Segundo o oficial, apenas na noite do dia 8 de janeiro, após os ataques à Praça dos Três Poderes, o Supremo Tribunal Federal (STF) ordenou a retirada do acampamento e a prisão dos golpistas.

Questionado pela senadora Eliziane Gama sobre por que a determinação do STF não foi cumprida ainda em 8 de janeiro, o ex-comandante do CPM afirmou que havia “riscos para o cumprimento da ordem judicial durante a noite”. Segundo o militar, a operação foi adiada para a manhã seguinte com o aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

— Fui colocado em contato direto com o senhor presidente da República. Ao tomar conhecimento de todas as variáveis que poderiam agravar o risco da operação, ele concordou que a mesma deveria ser executada com o planejamento adequado. A decisão do STF determinou a desocupação e a dissolução total dos acampamentos no prazo de 24 horas. Em nenhum momento houve obstrução ao cumprimento da ordem judicial. O CMP contribuiu decisivamente para que não houvesse danos colaterais ou risco à integridade física ou à vida das pessoas — disse o general Dutra, afirmando ter recebido aval do presidente para retirada do acampamento pela manhã, evitando assim o risco de "derramamento de sangue".

Inteligência

A relatora da CPMI confrontou o ex-comandante com informes de inteligência que apontavam para o planejamento e o cometimento de crimes dentro do acampamento em frente ao Quartel General. Ela questionou ainda se o general Dutra recebeu alertas do Serviço de Inteligência do Exército (SIE) sobre a presença de militares da reserva incitando a prática de atos violentos contra o Estado Democrático de Direito.

— Integrantes do acampamento discutiram a confecção de uma bomba. Eles estavam dentro do acampamento. Militares da reserva identificados como 'Boinas Vermelhas' ou 'Paraquedistas' andavam armados, cobravam por serviços e se ofereceram para fabricar e instalar um explosivo em um caminhão tanque em dezembro. Na porta do Quartel General. O senhor dizer que não recebeu informações do SIE ou é incompetência ou é subestimar nossa capacidade de pensar — criticou a relatora.

O general Dutra negou ter recebido qualquer comunicação do SIE. Ele disse ainda que não caberia ao Exército julgar se a concentração em frente ao Quartel General, que classificou como “uma manifestação pacífica”, era ou não irregular.

— Independentemente do local onde tenha ocorrido, naquele momento não cabia ao Exército fazer qualquer juízo de valor quanto ao teor das reivindicações ou o controle de legalidade das pautas reivindicadas, sob pena de caracterizar eventual abuso de autoridade. As organizações militares [têm] o poder de polícia administrativa para atuar apenas nos casos de crime militar. Nos demais ilícitos, o dever de atuar cabe aos órgãos de segurança pública em coordenação com as unidades militares adjacentes aos quartéis — disse.

O acampamento na Praça dos Cristais começou em outubro de 2022 e durou 69 dias. A concentração chegou a reunir 100 mil pessoas em 15 de novembro de 2022. “Um fato inédito”, segundo admitiu o general Dutra. No dia 6 de janeiro, restavam apenas 200 pessoas. Mas, dois dias depois, o número de manifestantes, segundo o próprio CMP, saltou para 5 mil.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)