Ensino técnico deve observar demandas do mercado, aponta debate

Da Agência Senado | 06/07/2023, 14h24

Conciliar um programa de ensino técnico e profissional com as atuais demandas do mercado, investindo na atração, manutenção e requalificação constante do jovem, além da criação de um sistema nacional de avaliação dessa política de estado foram algumas das ideias defendidas por especialistas e senadores durante audiência pública nesta quinta-feira (6). O debate foi promovido pelas Comissões de Direitos Humanos (CDH) e de Educação e Cultura (CE) para debater políticas e perspectivas para a ampliação da oferta de cursos técnicos e profissionalizantes no Brasil. 

Egresso do ensino técnico, o senador Paulo Paim (PT-RS) destacou a importância de se investir nesse tipo de aprendizagem por se constituir uma porta de acesso fácil ao mercado de trabalho. Para ele, esse método auxilia não apenas na transformação da vida dos estudantes, mas também na promoção do desenvolvimento econômico e social do país. 

— Eu mesmo vim da educação profissional e tenho muito orgulho disso. (…) O ensino profissionalizante transforma vidas. O ensino técnico é vertente de novos conhecimentos, de novas tecnologias, pesquisa, capacitação para o trabalho, de combate ao desemprego, é instrumento de combate aos preconceitos e diminuição da violência — observou. 

De acordo com o senador, os países desenvolvidos registram altas taxas de matrículas de jovens nesses tipos de cursos. Como aponta um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 2019, a Alemanha possui 89% de seus jovens matriculados em cursos técnicos, a Holanda registra 98%, a Itália, 80% e a França, 96%. 

A representante do Fórum Nacional das Mantenedoras de Instituições da Educação Profissional e Técnica (BrasilTec), Cleunice Matos Rehem, manifestou preocupação com o que chamou de “apagão de mão de obra técnica no Brasil”.  Ela informou que o Brasil possui atualmente cerca de 2,7 milhões de alunos no ensino técnico enquanto outros 12,5 milhões não estão matriculados e não trabalham, o famoso público “nem-nem”. Cleunice citou dados que indicam que a taxa do desemprego entre os jovens no Brasil é de 28%. Ela lembra ainda que 81% das empresas revelaram, em 2022, não conseguir preencher vagas para o nível técnico porque “falta qualificação profissional”. Para ela, é preciso cada vez mais adaptar políticas, estratégias e metodologias à realidade do mundo do trabalho. 

— A pesquisa indica uma previsão de apagão de mão de obra técnica no Brasil já a partir do final deste ano. Então, nossas autoridades públicas precisam efetivamente estar atentas para começarmos a interferir na ascensão desse problema  — alertou. 

Avaliação e qualificação

Na avaliação da representante do Fórum Nacional de Educação (FNE), Luzia Matos Mota, para que um programa de incentivo a profissionalização dos jovens seja efetivo é necessária a criação de um sistema nacional continuado de avaliação permanente dessa política e que tenha a capacidade de integrar todos os atores que devem participar das ações. Para ela, pelo menos 11 ministérios devem fazer parte da política integrada, priorizando, entre outras ações, a manutenção e expansão de novos institutos profissionalizantes, visando o interior do país, sem esquecer de focar nas políticas afirmativas no sentido de combater as desigualdades sociais, de raça e de gênero. Atualmente existem 700 campi de instituições da rede federal. 

— Porque mudam-se os nomes dos programas, mudam-se os nomes dos gestores e executores, os recursos para a implementação mas no final das contas o acompanhamento aos egressos, para saber como esses cursos os ajudaram, fica um pouco aquém do que nós podemos fazer — disse ela ao defender a avaliação continuada. 

Parceria público-privada 

O secretário de Qualificação e Fomento à Geração de Emprego e Renda do Ministério do Trabalho, Magno Rogerio Carvalho Lavigne, também responsável pela coordenação do Sistema Nacional de Emprego (Sine), disse que o atual governo entende essa pauta como prioritária. Ele informou que o Sistema Nacional de Emprego (Sine) foi transformado no Trabalha Brasil, oferecendo uma rede integrada tanto com as universidades e institutos públicos, como com a colaboração da iniciativa privada, como o Sistema S, especialmente o Serviço Social da Indústria (Sesi). Segundo Lavigne, enquanto em 2022 foram destinados R$ R$ 8 milhões para a gestão do sistema, neste ano a previsão é de que pelo menos R$ 120 milhões sejam usados para esse fim. 

— Nós entendemos que o Estado brasileiro tem expertise para ajudar mais na qualificação, no apoio técnico, nos cursos FIC [Cursos de Formação Inicial e Continuada], nas universidades federais e nos Institutos Federais Tecnológicos. Eles são os instrumentos mais apropriados para isso. Somando isso com o que tem na iniciativa privada, com as iniciativas do Sistema S, a gente vai conseguir ampliar muito esse raio de atuação nossa. 

Representando a Educação Profissional e Superior do Senai, Felipe Esteves Pinto Morgado  ressaltou que existe hoje uma transformação no mundo do trabalho, com novos empregos surgindo, o que exige a necessidade de uma educação de qualidade para essa realidade. Ele defendeu  qualificar, requalificar e aperfeiçoar os trabalhadores para setores que serão impulsionados por tecnologia, digitalização e sustentabilidade. 

Para Morgado, é preciso priorizar a parceria para valorizar a verticalizarão das carreiras e mudar o status e valor social do ensino técnico no sentido de combater o preconceito que se reflete até mesmo nas contratações desses profissionais. 

— [É necessário] pensar mais na carreira [verticalição] e não apenas naquela ocupação, naquela profissão. Se a gente não alinhar qualquer política pública de educação à demanda do setor produtivo ela tende a ter menor impacto. 

O Senai tem, atualmente, parceria com 12 redes públicas, mantendo 91 mil matrículas que seguem as bases do novo ensino médio. No total, são 115 mil matrículas unindo redes públicas e privadas no novo ensino médio. 

Educação pública

Já os representantes da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e da Federação de Sindicatos de Professores de Instituições Federais de Ensino Superior e Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (Proifes) disseram que, antes de pensar em qualquer investimento em parceria com o setor privado, é preciso priorizar a rede pública. 

A secretária de Assuntos Educacionais da CNTE, Guelda Cristina Andrade, expôs posicionamento contrário ao novo ensino médio. Para ela, o modelo foca apenas na demanda do mercado sem priorizar também a formação do estudante. Guelda apontou a ausência de um plano de preparação das instituições e dos profissionais de educação para o novo ensino médio, o colocando distante da realidade da rede pública. Na opinião da gestora, é preciso investimento público para estabelecer uma formação profissionalizante mas que seja humanizada e preparada para o mundo do trabalhado. 

— Muitos [professores] relatam para a gente que criam uma forma para atender esses estudantes porque não têm um planejamento, um movimento em bases sólidas. Nós entendemos que essa proposta desmonta toda a nossa concepção de educação escolar, sobretudo na perspectiva do ensino médio articulado com a educação profissional pedagógica, respeitando a carga mínima de formação, respeitando essa formação integral que a gente precisa pensar para esse ser humano. 

O presidente do Proifes, Nilton Brandão, reforçou a crítica e pediu que o governo priorize uma política pública de valorização das universidades e  institutos profissionalizantes e tecnológicos federais. Para ele, a rede pública possui capilaridade para promover um ensino de qualidade. 

— Dinheiro público [deve ir] para a educação pública. O dinheiro público é dinheiro suado do trabalhador. Ele não pode servir para empresa de grupos privados sob falso prognóstico de que vai estar ajudando quem mais precisa — afirmou. 

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)