Assédio tem sido usado como 'método de governo', dizem debatedores

Da Agência Senado | 02/08/2022, 19h21

O assédio contra servidores públicos é usado hoje como método de governo e instrumento de poder, com base na violência institucional entre subordinados e órgãos hierárquicos. A avaliação foi feita nesta terça-feira (2) por participantes de audiência que discutiu os impactos do assédio institucional no serviço público. O debate foi promovido pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS), por iniciativa do senador Fabiano Contarato (PT-ES).

O senador condenou todas as formas de assédio e disse que a prática prejudica os servidores e a própria democracia. Contarato ressaltou ainda que há servidores da área de segurança pública que sofrem por cumprirem legalmente as atribuições estabelecidas na Constituição, em defesa da democracia e dos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade para preservação das instituições.

— As pessoas passam, mas as instituições são permanentes. Queremos que sejam preservadas as instituições, a democracia é o melhor terreno para você plantar e colher direitos — afirmou Contarato.

A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) avaliou que o assédio institucional acentuou-se nos últimos três anos, com a perseguição a servidores de diversos setores. Para o senador Jean Paul Prates (PT-RN), a destruição do Estado faz parte de uma estratégia deliberada que tem a ver com ideologia.

— A ideologia tem lado e a política tem ideologia, uma coisa não caminha sem a outra. Talvez deixando a ideologia de lado, a opinião pública tenha sido contaminada com essa ideia de Estado mínimo, que o Estado não tem que ser discutido. A criminalização da política faz parte desse capitulo pelos próprios eleitos, e depois o sufocamento financeiro para imposição do Estado mínimo por falta de estrutura, sucateamento. E ainda o constrangimento claro nas garantias de desempenho das carreiras públicas, isso começa no desrespeito das próprias nomeações — afirmou.

'Obedecer cegamente'

Presidente da Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (Anesp), Pedro Pontual disse que o recrutamento de pessoas em postos de gestão está absolutamente incorreto. Segundo ele, o critério deixou de ser a boa gestão e voltou a ser o 'obedecer cegamente'.

De acordo com o presidente do Sindicato Nacional dos Servidores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), José Celso Cardoso Júnior, desde o governo Michel Temer há uma mudança de clima organizacional na maior parte das organizações públicas, sobretudo no âmbito federal.

—  O assédio sempre existiu, tanto no setor público como privado, de onde provém. Não é exclusividade do período recente. Porém, o que começamos a verificar no governo Temer, com maior profusão no governo Bolsonaro, foi um aumento estrondoso de casos. Não era mais uma relação pretérita individualizada entre pessoas envolvidas, passou a ser mediada pela organização ou pelo processo institucional — afirmou.

A diretora-executiva da ONG Indigenistas Associados, Priscilla Colodetti, disse que a política pública indigenista vem sendo destruída desde que o delegado da Polícia Federal Marcelo Xavier assumiu a Presidência da Funai, em julho de 2019.

— Essa tragédia anunciada, causada pela morte do nosso colega indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, é resultado da deliberada destruição da política pública indigenista que acontece, dentre tantas maneiras, pela perseguição e criminalização de servidores e servidoras da Funai. Tem acontecido na Funai a preferência pela nomeação de militares nos cargos de chefias, tanto na Funai sede quanto nas unidades regionais. São militares do Exército, policiais militares e policiais de corporações estaduais — afirmou.

Presidente do Fórum Nacional Permanente das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques disse que o período atual é o mais prejudicial para as instituições públicas nos últimos 30 anos. De acordo com ele, o fórum tem documentação farta sobre casos de assédio.

— Desde a redemocratização, não me ocorre tempo mais nefasto para as instituições, carreiras e órgãos públicos. Não foram casos isolados. São mais de 1,3 mil casos documentados de assédio moral e institucional no serviço público. Isso está em um contexto que está documentado. São 850 páginas registrando tudo isso, mais uma documentação de caso a caso — afirmou.

Para a vice-presidente nacional da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil, Thaisse Craveiro, a prática de assédio institucional é “grave e generalizada”. 

— As ações orquestradas relacionadas ao assédio institucional se manifestam claramente por meio de avaliações de desempenho sem critério. A instrução de processos disciplinares tem hoje verdadeira subversão para perseguir agentes públicos, o que tem impedido a independência e a imparcialidade do agente público no exercício de suas funções. São exonerações de cargos em comissão, remoção imotivada, sindicâncias imotivadas que se arrastam por anos — afirmou.

Inpe

Demitido há três anos pelo então ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações Marcos Pontes, o ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)  Ricardo Galvão disse que sua demissão foi um exemplo claro de assédio institucional, por ele ter sido a "pedra no sapato de um governo que considerava o meio ambiente oposto ao desenvolvimento econômico do país".

— Era uma estratégia de destruição dos órgãos públicos, em particular do Inpe, uma instituição respeitada internacionalmente e cujos resultados não poderiam ter sido contestados pelo governo. O assédio começou já em janeiro [de 2019], quando o governo Bolsonaro tomou posse. E foi um assédio contundente que nem todos viram — afirmou.

O servidor do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) José Augusto Morelli também foi ouvido em caráter excepcional pelos senadores, visto que seu nome não constava entre os participantes do debate. Ele foi o fiscal que multou o então deputado Jair Bolsonaro em 2012 por pesca irregular em uma reserva protegida em Angra dos Reis (RJ). Funcionário concursado do Ibama, Morelli foi afastado de suas funções e hoje trabalha na burocracia do órgão.

— Que estamos vivendo tempos sombrios não há dúvidas, assim como me parece cristalino que os avanços civilizatórios decorrentes da Constituição de 1988 estão mais ameaçados do que nunca — afirmou.

O servidor do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) Alexandre André dos Santos também foi ouvido pela comissão.  Ele está sendo processado pelo governo sob a alegação de que teria violado direitos autorais ao publicar um estudo de sua autoria sem autorização do Inep. O trabalho mostra resultados positivos do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, programa lançado no governo do PT. No ano passado, o instituto barrou a publicação.

— Infelizmente, ao tentar produzir uma reflexão estruturada sobre política pública que foi desenvolvida no governo Dilma, para poder enfrentar o desafio de garantir aprendizado às nossas crianças, quando eu tive essa iniciativa de pesquisar com os dados do Inep, fomos surpreendidos por uma decisão de que o estudo não seria tornado público. Eu me vi diante de uma sequência infindável de iniciativas por parte da então presidência do Inep, que acabara de chegar e não tinha preparo técnico para estar nesse lugar. Eu me vi em situação de constrangimento seguida de intimidação. O presidente do Inep pediu para retirar meu nome da lista dos servidores que receberiam vacina. A partir daí veio uma sequência de outros fatos. Por meio de portaria, revogou portaria que havia me designado para compor a Comissão de Ética do Inep — revelou.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)