Especialistas criticam aumento do uso de agrotóxicos e pedem apoio a novas tecnologias

Da Agência Senado | 16/09/2021, 15h23

Você permaneceria em uma área onde estivesse ocorrendo a pulverização agrícola por agrotóxicos? O questionamento foi feito pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES) nesta quinta-feira (16), em audiência pública da Comissão de Meio Ambiente (CMA) sobre o impacto do uso dos defensivos agrícolas no Brasil. Autor do requerimento para o debate, Contarato disse que populações como as indígenas não têm como se defender, já que a aplicação de agrotóxicos por meio de aeronaves ainda é liberada no país. Ele mencionou, em especial, o aumento do uso de agrotóxicos banidos na Europa e nos Estados Unidos pela sua neurotoxicidade.

Contarato disse ter presenciado indígenas do Mato Grosso do Sul sofrendo com sintomas como febre, vômito, dor de cabeça e diarreia, após terem sido expostos a essas pulverizações. O meio ambiente brasileiro tem sofrido um “ataque sistematizado”, que se torna ainda mais claro no caso do uso dos agrotóxicos, disse Contarato. Ele mencionou que o uso desses produtos no Brasil cresceu 25% nos últimos 5 anos, sendo um dos mercados que mais se desenvolve no mundo, “sem ter havido relação entre o aumento do uso e o crescimento da produção das lavouras”. Já são cerca de 2.300 defensivos registrados, observou. 

— Quero colocar-me humildemente como membro dessa comissão, aberto à comunidade cietífica, acadêmica, Ongs, sociedade civil e ao poder público, que tem essa obrigação de implementar medidas para mitigar os danos resultantes da má utilização desses produtos — disse o senador, mencionando o uso do acefato, já proibido em muitos países.

Monitoramento

Silvia do Amaral Rigon, professora do Departamento de Nutrição da Universidade Federal do Paraná (UFPR), chamou atenção para a mudança de metodologia no Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), uma ação do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), coordenado pela Anvisa. Apesar de seu reconhecimento nacional e internacional, o programa tem sido modificado, disse a pesquisadora, que destacou o aumento da intoxicação crônica ou aguda em decorrência de agrotóxicos.

— Fui buscar a atualizaçao dos dados do PARA para trazer dados para esta audiênia. Meu espanto foram essas últimas modificações na forma e desenvolvimento que ocorreram no programa. Houve uma modificação na metodologia no programa de monitoramento — apontou Silvia Rigon.

Ela lembrou que o Brasil é hoje o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. A maior parte é usada em lavouras de soja, milho e cana-de-açúcar nas regiões Sul, Centro-Oeste e em São Paulo. De acordo com a professora, apenas cinco dos maiores produtores respondem por mais de 50% dos agrotóxicos consumidos no Brasil. A professora também chamou atenção para o aumento de suicídios relacionados aos agrotóxicos utilizados na lavoura de fumo na Região Sul.

Multinacionais

A pesquisadora Regina Sambuichi, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), observou que a Lei 7.802, de 1989, define como agrotóxico todo agente de processos físicos, químicos ou biológicos usados na produção agrícola para alterar a composição da flora ou da fauna para preservá-la da ação de seres vivos considerados danosos. Para ela, é preciso buscar o conceito de menor toxicidade e de maior sustentabilidade. No entendimento de Sanbuichi, havendo a possibilidade Regina Sambuichi do uso de defensivos alternativos, de menor ou de nenhuma toxicidade e a mesma eficiência, todos os produtores teriam a tendência a utilizá-lo. Ela destacou que já há tecnologias disponíveis nesse sentido. Os únicos interessados na continuidade do uso dos produtos atualmente consumidos pelo setor agrícola, seriam as grandes empresas internacionais que os fabricam, afirmou.

— As alternativas existem. No sentido de continuar a produção, até com maior aceitação nos mercados internacionais. Então o que se precisa fazer? É preciso investir nessas alternativas por meio de políticas públicas. É preciso uma vontade de governo. (...) É preciso vontade política para se pensar o futuro. Maneiras de remover incentivos fiscais perversos, estimular a competitividade e alternativas viáveis aos produtores. Mas isso precisa ser estimulado, porque é uma questão estratégica — declarou Regina Sambuichi, salientando que os consumidores têm sido cada vez mais exigentes e que, se não houver mudanças na política do país sobre fertilizantes, o Brasil vai perder mercados. 

Contaminação

A diretora do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), Antônia Ivoneide, comentou que inúmeras lavouras orgânicas têm sido afetadas pelo escoamento de agrotóxicos oriundos de áreas próximas. Isso tem prejudicado economicamente os produtores, que não conseguem vender seus cultivos, disse Ivoneide. 

A debatedora reconheceu que estudos sobre os riscos dos pesticidas têm sido feitos por pesquisadores de entidades públicas, mas disse que isso ocorre de modo particular ou em grupos, sem atuação do poder público para averiguar impactos nem esclarecer esses processos. Ao dizer que a população tem sido envenenada, Ivoneide considerou fundamental que as autoridades “apresentem a fundo essa situação para as populações”. 

Alimentos

Para a professora de Toxicologia da Universidade de Brasília (UnB) Eloisa Dutra Caldas, o fato de alimentos conterem resíduos de pesticidas não necessariamente significa riscos à saúde da população. Segundo ela, essa definição é feita comparando-se a quantidade e as características das substâncias toxicológicas com o número dos consumidores. Ela demonstrou preocupação com o que chamou de “uma visão restrita da informação”, e disse que o risco dos agrotóxicos é irrelevante, considerando-se o benefício de uma pessoa bem alimentada ou de um bebê amamentado. 

Eloisa reconheceu que a exposição ocupacional ao pesticida é grave, especialmente para os pequenos agricultores. E disse que esse fator merece atenção e empenho das autoridades, a fim de que os produtores permaneçam protegidos no desempenho da atividade. A debatedora disse não acreditar, no entanto, que a extinção total dos agrotóxicos seja uma solução possível a curto, médio nem longo prazo. 

— Existem ações do governo que incentivam agricultura orgânica, e produtos biológicos registrados para minimizar o uso de sintéticos tem aumentado. Uma opção viável, mas minha principal mensagem é que se precisa haver cuidado com a correta comunicação. Dizer à população que um prato de salada faz mal à saúde não é verdade — declarou.

O gerente-geral de Toxicologia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Carlos Alexandre Oliveira Gomes, disse ser preciso garantir a segurança alimentar. Ele disse que inúmeros estudos e monografias sobre o uso dos agrotóxicos deixaram de ser considerados por não terem mais efetividade nos dias atuais. Ele declarou, porém, que a agricultura familiar deve ter base na organicidade.

Gomes afirmou que o governo tem consciência de que muitas medidas precisam ser reavaliadas e disse que há tecnologias para produtos de baixa toxidade já registradas, bastando ao produtor interessado migrar do sistema convencional.

Consenso

O presidente da CMA, senador Jaques Wagner (PT-BA), afirmou que a busca por uma convivência menos agressiva com o planeta tem sido uma exigência geral de todas as populações. E considerou que essa mudança de postura é irreversível e tem sido trazida “pela consciência ou pela emergência que o mundo vive”. Jaqeus Wagner aponptou para o consenso científico em torno de realidades como o aquecimento global, os acidentes climáticos ou dos danos causados pelo mau uso dos agrotóxicos. 

— Tudo isso é parte da agressão que o modo de vida de nós, humanos, tem produzido ao planeta Terra. Cada um com suas informações, formações e convicções trouxeram esses aspectos e para isso nossa audiência pública é feita: para que haja o salutar confrontamento de ideias e argumentos, porque essa é a única forma que conheço para superar problemas e construir democracia buscando consenso produtivo. 

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)