Debatedores veem necessidade de redução de tarifa e abertura para Mercosul

Da Agência Senado | 19/08/2021, 13h09 - ATUALIZADO EM 19/08/2021, 14h35

A crescente instabilidade no Mercosul nos últimos 20 dos seus 30 anos — ainda mais acentuada durante a pandemia — reafirma a preocupação dos senadores com a recuperação do bloco, mas sem impedir a abertura da economia brasileira. Essa realidade foi debatida nesta quinta-feira (19) na primeira audiência pública do ciclo “Mercosul: ampliação e modernização”, norteada em dois temas complexos: a redução da tarifa externa comum (TEC) e a flexibilização de regras do bloco.

Presidente da CRE, a senadora Kátia Abreu (PP-TO) pontuou que cada US$ 1 bilhão exportado pelo Brasil no bloco gera US$ 4,12 bilhões para a economia brasileira, sendo que mais de 80% das exportações para os países do bloco são de produtos especializados. Mas o Mercosul perdeu força, segundo a senadora, sobretudo no comércio entre Brasil e Argentina, com percentual de exportações reduzido de 8,9% em 2011 para 4,1% em 2020.

— A relevância, a sensibilidade e as implicações políticas requerem discussões abertas nos interessados na integração regional. É fundamental que se preserve e intensifique o livre comércio. Há um caráter de urgência na modernização do bloco — assegurou a senadora.

Kátia enfatizou que “ninguém quer acabar com o Mercosul”. O Brasil, disse, responde por 81% do bloco, mas o país não pode deixar de crescer e abrir sua economia frente às divergências entre parceiros do bloco.

— Compreendemos os problemas de todos os países, mas isso não pode nos colocar no fundo do poço — afirmou a parlamentar, ao comparar o Brasil à uma Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) da biodiversidade e do agronegócio.

O senador Espiridião Amin (PP-SC) questionou sobre melhorias na logística e outras soluções que podem ser feitas para atrair parceiros comerciais internacionais, como o Oriente Médio. Da mesma forma, o senador Chico Rodrigues (DEM-RR) também indagou sobre investimento em infraestrutura e como o Mercosul pode contribuir com o Norte do Brasil.

Atualmente o Mercosul é formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Mas o bloco já teve em sua composição a Venezuela, suspensa desde 2017. São países associados a Bolívia, Chile, Colômbia, Guiana, Peru e Suriname.

Tarifa

Em março, o Brasil propôs a primeira revisão da TEC, cuja média de alíquotas está em 13,4%. A proposta inicial de redução em 20%, foi suavizada em 10% para este ano e mais 10% para 2022, mas não foi aceita pela Argentina, que apresentou proposta de corte de 10% mas apenas para uma lista de 75% dos produtos inseridos em pauta.

Ministro da Economia, Paulo Guedes foi enfático na afirmativa de que o Mercosul não conseguiu entregar as expectativas prometidas. Desde 2011, a relação entre as trocas brasileiras com o bloco e o comércio do Brasil com o mundo não supera 10%, percentual que chegou a 18% na década de 1990 e hoje está entre 6% a 7%, segundo o ministro.

O Brasil quer aproveitar a presidência pro-tempore do Mercosul e modernizar o bloco nos próximos seis meses. Diante da negativa argentina, o país defende agora uma redução linear de pelo menos 10%.

— Vamos tentar uma modernização do bloco, porque estamos com uma tarifa externa comum entre 13% e 14%, enquanto o resto do mundo está entre 3% e 4% — afirmou o ministro.

O país, segundo Guedes, caminha para uma tímida abertura econômica, preservando o parque industrial. Ele disse entender a atual situação econômica da Argentina para se adaptar a essa liberdade, mas acredita que Brasil, Uruguai e Paraguai devem estar livres para modernização e abertura econômica.

— Não gostaríamos que a cláusula de consenso do Mercosul virasse um veto. O Brasil não pode ser prisioneiro de um arranjo institucional que não se moderniza e degenera os fluxos de comércio — expôs.

Em resposta aos senadores, Guedes enfatizou ser importante as negociações com outros blocos, regiões ou países, como o Oriente Médio e a Índia. Para o ministro, com a modernização do Mercosul, outros países podem se interessar em entrar na lista de membros.

O gerente de Políticas de Integração Internacional da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Fabrizio Sardelli Panzini, apresentou as balanças dos principais produtos de comércio no bloco  — com destaque para os setores automotivo, agrícola e produtos químicos —, assim como a considerável geração de emprego.

Questionado, Panzini afirmou que o setor é favorável ao acordo do Mercosul com a União Europeia, que provocaria um crescimento de importação e exportação de pelo menos 30%.

Anunciado em 2019, o acordo ainda não foi fechado. Segundo Kátia, a assinatura do tratado permitiria que em dez anos a renda per capita passaria de R$ 45 mil a R$ 50 mil. 

— A nossa grande solução é abrir as nossas portas para importar tecnologia e crescer para produzir a nossa própria tecnologia — pontuou a senadora, ao completar que também considera muito tímida a redução de apenas 10% da TEC.

Flexibilização

A proposta de flexibilizar as negociações comerciais do grupo regional com outros países foi apresentada pelo Uruguai em abril deste ano aos membros do bloco. A regra altera o Tratado de Assunção ao atenuar a exigência de negociação conjunta, dos quatro países membros, por conta do status de união aduaneira do bloco.

O embaixador do Uruguai para o Brasil, Guillermo Valles Galmes, defendeu que falar em flexibilização não é algo novo Mercosul, já que todos os acordos do bloco com terceiros países têm flexibilidade.

Para o embaixador, o bloco não deve impor um ritmo de abertura aos outros sócios que não estão estejam em condições de fazê-lo.

— Não deve ser um instrumento para impor. Não deve limitar a economia — disse, ao enfatizar que ninguém quer deixar o Mercosul.

Calibração

O ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto Franco França, afirmou que o Mercosul tem uma agenda multifacetada ao abarcar não somente a economia, mas também questões relacionadas a justiça, segurança, educação, ciência e tecnologia, cultura e defesa do consumidor.

— Mas o Mercosul não logrou ainda em se transformar em plataforma competitiva até hoje. Pouco fez até o momento para inserção do bloco em escala global — disse o ministro, para quem o êxito do projeto depende da integração de todos os atores, sendo compromisso do Itamaraty trabalhar para um bloco mais moderno.

Duas vezes ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer apontou que o bloco teve um cuidado com o entorno regional, a partir de três campos: segurança, valores (com a defesa da democracia e direitos humanos) e econômico.

Para o ex-ministro, o Mercosul é um instrumento jurídico que cuida de relações de longo prazo, não é um contrato judicial que trata apenas de compras e vendas entre as partes. As regras de calibração asseguram a coesão dentro da flexibilidade de sua moldura, segundo o ex-ministro.

— O bloco enfrenta um momento de grande crise porque não opera as regras de calibração. Há diminuição de gravitação do Mercosul. É fonte de crescente divergências entre seus membros, com conflitos de interesse e concepção.

A responsabilidade para conter essa desintegração cabe a Argentina e Brasil, os dois maiores sócios, segundo Lafer.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)