Dominguetti confirma à CPI pedido de propina por ex-diretor do Ministério da Saúde
Da Agência Senado | 01/07/2021, 13h57
A denúncia do representante da Davati Medical Supply, Luiz Paulo Dominguetti Pereira, de que recebeu pedido de propina de US$ 1 por dose, em troca de assinar contrato de venda de vacinas AstraZeneca com o Ministério da Saúde, foi confirmada à CPI nesta quinta-feira (1º).
Dominguetti afirmou ainda que parlamentares procuraram o CEO da empresa no Brasil, Cristiano Alberto Carvalho, para intermediar a compra de vacinas. Ele reproduziu até mesmo um áudio do deputado Luis Miranda (DEM-DF) sobre possível intermediação em negociação, mas não pode confirmar que se tratava da aquisição do imunizante da AstraZeneca (leia abaixo).
O pedido de propina, conforme denúncia feita inicialmente ao jornal Folha de S. Paulo, foi feito pelo ex-diretor de Logística do ministério, Roberto Ferreira Dias, exonerado nessa quarta (30), após desgaste com suspeitas de envolvimento em irregularidades com a aquisição de vacinas pelo órgão. A compra de 400 milhões de doses da AstraZeneca pelo ministério, se realizada com irregularidade, geraria um montante ilícito de R$ 2 bilhões.
O primeiro contato de Dominguetti — que é policial militar em Minas Gerais e atua como intermediador da Davati — com o Ministério da Saúde foi feito por meio do reverendo Amilton Gomes a partir da Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), que agendou uma reunião com Lauricio Cruz, do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis.
Dominguetti também manteve contato com coronel Marcelo Blanco da Costa, ex-diretor substituto do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, exonerado em janeiro deste ano. Ele teria intermediado o contato do vendedor com Roberto Dias.
O pedido de propina, de acordo com o vendedor, foi feito no dia 25 de fevereiro deste ano, em jantar no restaurante Vasto, em um shopping em Brasília, onde também estiveram presentes o coronel Blanco e Dias, além de um empresário não nomeado, posteriormente reconhecido em foto na CPI como sendo o coronel Alexandre Martinelli Cerqueira.
A Davati ofereceu 400 milhões de doses da vacina a um preço inicial de US$ 3,50, segundo Dominguetti. No desenrolar da conversa, Dias teria feio o pedido de majoração do preço, com o acréscimo de US$ 1 a dose.
— Nunca se buscou uma facilidade por parte dele [Roberto Dias]. Essa facilidade não ocorreu porque ele sempre colocou o entrave no sentido de que, se não se majorasse a vacina, não teria aquisição por parte do ministério — afirmou Dominguetti. A proposta de propina teria sido feita exclusivamente por Dias.
O representante comercial garantiu aos senadores que informou o ocorrido ao CEO da empresa no Brasil e que não foi dado prosseguimento diante da proposta do então diretor de Logística do ministério.
— Na conversa, ele disse: nós temos de melhorar esse valor. Eu disse que teria de tentar um desconto, mas aí ele falou que seria melhorar para mais, para aumentar em US$ 1. Eu disse que não seria possível. Ele disse para eu pensar direitinho, que no dia seguinte seria chamado ao ministério — relatou Dominguetti.
No dia seguinte (26 de fevereiro), Dominguetti teria mantido a proposta de US$ 3,50 em reunião com Dias no ministério. O ex-diretor lhe teria informado, então, que iria falar diretamente com o CEO Cristiano Carvalho.
Dominguetti afirmou que após encontro com Dias, reuniu-se com o ex-secretário-executivo Élcio Franco no ministério, que teria revelado não ter conhecimento da proposta, mas que posteriormente entraria em contato, o que não ocorreu.
O vendedor disse que em abril deste ano passou a ser credenciado pela empresa, apesar de ter iniciado as negociações meses antes, em janeiro. Como pró-labore, o CEO Cristiano Carvalho receberia US$ 0,20 por dose comercializada, e a ele deveria ser pago entre US$ 0,03 e US$ 0,05 por unidade.
A Renan Calheiros (MDB-AL), Dominguetti disse não saber se a Davati possui contrato com a Astrazeneca e que somente o CEO da empresa, Herman Cardenas, tem acesso a documentos confidenciais. Ele assegurou ainda que a troca de e-mails da empresa com o ministério também seriam feitas pelos diretores, logo, não passariam por ele.
Contraditório
Líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) levantou dúvidas quanto às declarações de Dominguetti e afirmou que a AstraZeneca, em nota oficial, informou que só negocia com o governo.
— Surge uma empresa sediada nos Estados Unidos, no Texas, para, sem representação da AstraZeneca, dizer que tem 400 milhões de doses de vacinas. Nós precisamos aprofundar mais isso. É uma história muito estranha.
O senador sugeriu que a CPI convoque então o dirigente da Davati, já que a empresa afirma ter poderes para vender vacinas da farmacêutica.
Já o senador Eduardo Braga (MDB-AM) afirmou que a Davati é uma distribuidora de medicamentos que tentou aplicar o mesmo golpe no Canadá, e não representaria a AstraZeneca.
A senadora Simone Tebet (MDB-MS) inquiriu Dominguetti sobre o porquê de não ter dado voz de prisão a Dias, diante do flagrante pedido de propina, visto que ele é um policial militar.
— Para mim tudo era novo, senadora — foi a resposta do depoente, que acrescentou posteriormente, em resposta ao senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), ter chegado a relatar o caso a um superior na Polícia Militar em Minas Gerais.
Para a senadora, “novo é um policial não saber o que está na lei”.
— O fundamental aqui é a confirmação por parte do depoente da existência do pedido de propina, no valor de US$ 1 a dose — expôs Randolfe.
Para Humberto Costa (PT-PE), os relatos de Dominguetti são críveis.
— É uma versão em que dá para a gente acreditar. Eu acho, entendo que nós precisamos realmente aprofundar. Se tudo que o senhor disse for verdade e se nós tivermos como comprovar, pode ter a certeza de que o senhor pode ter dado uma enorme contribuição a este país — acrescentou Humberto.
Áudio
Dominguetti afirmou ainda que o CEO Cristiano Carvalho lhe relatou que “volta e meia” era procurado por parlamentares, principalmente pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) tentando negociar algo, que “sugestionava”, segundo o depoente, a aquisição de compra de vacina.
Mas o depoente não pode garantir “o que” estaria sendo ofertado pelo parlamentar no áudio reproduzido na CPI com fala do deputado, supostamente enviado ao CEO Cristiano Carvalho e repassado a Dominguetti.
Luis Miranda depôs à CPI no dia 25 de junho, ao lado de seu irmão Luis Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde, sobre irregularidades nas negociações da vacina indiana Covaxin.
Após reprodução do áudio, o relator pediu a apreensão do aparelho celular do vendedor para averiguação. O aparelho foi periciado ainda durante a reunião e, ao final do depoimento, foi devolvido a Dominguetti.
O presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM), confirmou reconvocação do parlamentar para terça-feira (6). Miranda já havia pedido para ser ouvido em reunião secreta, o que não foi concedido.
Omar disse ainda que, acompanhado dos senadores Bezerra e Marcos do Val (Podemos-ES), conversou com Luis Miranda fora da CPI. O parlamentar lhes teria dito que se trata de um áudio editado de 2020, sobre negociação nos Estados Unidos, e que foi apresentado para prejudicá-lo.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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