Debatedores divergem sobre privatizações no setor elétrico brasileiro

Da Redação | 28/03/2018, 00h05

Na primeira audiência pública sobre a medida provisória (MP) que permite a privatização da Eletrobras e seis subsidiárias e ainda reestrutura o setor elétrico na Região Norte, deputados da oposição e  representantes do governo divergiram sobre os efeitos da proposta. A reunião foi conduzida pelo senador Eduardo Braga (PMDB-AM), presidente da comissão mista que analisa a MP 814/2017 e ex-ministro de Minas e Energia.

Os deputados federais Glauber Braga (Psol-RJ), Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Danilo Cabral (PSB-PE), Zé Carlos (PT-MA) e Carlos Zarattini (PT-SP) posicionaram-se criticamente em relação à necessidade dessas privatizações e chamaram a atenção para a importância estratégica do setor para a soberania nacional. Já os representantes do governo alegaram que a privatização vai manter a relevância da Eletrobras.

As seis subsidiárias que devem ser privatizadas por leilão até o final de abril são Companhia Energética do Piauí (Cepisa), Companhia Energética de Alagoas (Ceal), Companhia de Eletricidade do Acre (Eletroacre), Centrais Elétricas de Rondônia (Ceron), Boa Vista Energia e Amazonas Distribuidora de Energia.

Para Jandira Feghali, a MP 814 abre caminho para que o governo possa privatizar também Furnas, Chesf, Eletronorte, Eletrosul e Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTE). Já Danilo Cabral afirmou que a Eletrobras é a décima maior empresa de energia do mundo, responsável por 30% da geração e maior empregadora do setor elétrico brasileiro.

— Essa empresa não é do governo, ela pertence ao povo brasileiro, não pode ser entregue dessa forma, sem diálogo. A Eletrobras vale muito mais que R$ 12 bilhões — disse o deputado e acrescentou que a conta de luz pode aumentar 17% em média com a privatização.

O representante do Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE), Ikaro Chaves, disse que a Eletrobras possui nove das dez maiores usinas hidrelétricas do Brasil, representa um terço da capacidade instalada de geração de energia, detém 44% da geração hidráulica e 52% da capacidade de armazenamento do setor. Além disso, é da Eletrobras metade de todas as linhas de transmissão do país. A empresa vende a energia mais barata no mercado nacional, sendo responsável por empreendimentos estruturantes e interligação de regiões remotas.

Para Chaves, a presença estatal no setor elétrico é imprescindível. Ele disse que a China, o Canadá e a Noruega têm setor elétrico totalmente estatal e que países como Rússia, Índia, África do Sul, França e Coreia do Sul têm sistemas majoritariamente estatais.

— Talvez seja o melhor negócio do mundo, pra quem comprar é claro. Eles terão controle do preço da energia no país, pois terão um terço do mercado — afirmou.

Subsídios

O relator da MP, deputado Julio Lopes (PP-RJ), defendeu a importância da medida e afirmou que ela não trata da privatização da Eletrobras.

Já o diretor de Geração da Eletrobras, Antônio Godoy, afirmou que um dos objetivos da MP 814 é resolver alguns problemas estruturais, sobretudo na região Norte, garantindo preço acessível da energia elétrica. Ele explicou que a medida provisória estabeleceu data final de 31 de dezembro de 2018 para que a União reembolse a Eletrobras em até R$ 3,5 bilhões relativos ao consumo de combustíveis das subsidiárias Amazonas Energia e Boa Vista Energia em termelétricas.

Essas despesas foram pagas pelas distribuidoras do grupo nos estados de Roraima, Amapá e Amazonas. O prazo originalmente previsto na Lei 10.438/2002, que regula a expansão da oferta de energia elétrica emergencial, foi encerrado em 2017. Em 2016, o governo Temer conseguiu aprovar a Lei 13.360/2016 (originada da Medida Provisória 735/2016), que alterou cinco leis do setor elétrico brasileiro para diminuir os custos da União com subsídios pagos para geração de energia elétrica.

Para o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Paulo Pedrosa, a MP viabliza a privatização das distribuidoras subsidiárias da Eletrobras para evitar que elas precisem ser extintas. Segundo ele, o governo federal está propondo um novo modelo para o setor elétrico e quer trazer para o país capital de investimento de longo prazo. Na opinião dele, a privatização da Eletrobras pode ser uma das saídas para que a empresa mantenha a relevância.

Correção

O texto da MP prevê ainda uma solução para corrigir falhas de planejamento na contratação de gás natural para alimentar a usina termelétrica Mauá 3, que pertence à Eletrobras Amazonas Geração e Transmissão (AmE-GT).

A usina firmou contratos para entrega de energia elétrica a distribuidoras até 2042, prevendo a utilização de gás natural fornecido pelo gasoduto Urucu-Coari-Manaus, cuja outorga se encerra em 2030. O governo entende que o erro de planejamento da Mauá 3 expõe consumidores do Amazonas a um risco de desabastecimento nesse período de 12 anos.

A MP 814/2017 também pretende conciliar a obrigação de entrega de energia pela Mauá 3 com o prazo de autorização do gasoduto Urucu-Coari-Manaus. Pelo texto, a termelétrica poderá antecipar a entrega da energia já vendida entre 2030 e 2042. Na prática, a empresa poderá substituir a energia que deveria ser entregue nesse período por outros empreendimentos a gás natural da AmE-GT.

Sistemas isolados

A media provisória autoriza ainda a prorrogação de contratos de suprimento de energia elétrica nos sistemas isolados. Pelo texto, o aditamento desses contratos somente será permitido em caso de crise de abastecimento para aumento de quantidade e prazo, limitado a 36 meses, conforme disposto em regulação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

A MP chegou a ser parcialmente suspensa em janeiro por uma liminar do juiz Cláudio Kitner, da 6ª Vara Federal de Pernambuco, que impedia a privatização das grandes empresas de energia. Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), contudo, derrubou a liminar em fevereiro.

Esta é a terceira proposta editada pelo Executivo sobre a possível venda da Eletrobras. A MP 735/2016, transformada em lei, facilita a transferência do controle de ativos e as privatizações de distribuidoras da estatal; e o PL 9463/2018, que tramita na Câmara dos Deputados, define as regras de privatização da estatal.

O texto recebeu 158 emendas de deputados e senadores e a comissão mista da MP ainda promoverá outros debates.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)