Nelson Barbosa diz que decretos de Dilma foram legais e não houve 'pedalada'

Da Redação | 27/08/2016, 19h50

O ex-ministro do Planejamento Nelson Barbosa foi ouvido pelo Plenário do Senado neste sábado (27) como testemunha de defesa da presidente afastada, Dilma Rousseff, no processo de impeachment. Barbosa, que chefiou as pastas do Planejamento e da Fazenda, afirmou que os atos que integram a denúncia contra a presidente foram amparados pela legalidade, e que as acusações ignoram normas e interpretações consolidadas da administração pública.

O depoimento de Barbosa foi o mais longo de todas as sete testemunhas que já se manifestaram: durou mais de oito horas, incluindo nesse período um intervalo para almoço. Ele foi interpelado por 33 parlamentares.

A respeito dos três decretos de créditos suplementares, cuja edição é apontada pela denúncia como tendo ignorado e comprometido a meta fiscal do ano de 2015, o ex-ministro afirmou que eles não aumentaram os gastos do governo e seguiram estritamente o que é previsto na lei.

— A elaboração dos decretos segue um procedimento já regulamentado da mesma forma há 16 anos. Há um sistema da Secretaria de Orçamento Federal para apresentação de pedidos de créditos suplementares. Todo esse sistema é autorizado pela lei orçamentária, aprovada pelo Congresso Nacional.

Já quanto às “pedaladas fiscais” de 2015  — atrasos no pagamento de dívidas da União com bancos públicos referentes ao Plano Safra — , Barbosa afirmou que elas não podem ser consideradas como operações de crédito entre o Banco do Brasil e o governo federal, o que é vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Segundo ele, esse entendimento sempre foi pacífico.

— O Ministério Público indica que eventual atraso no pagamento de equalização de taxa de juros não se trata de operação de crédito. Há um parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional que caracteriza isso como não sendo operação de crédito. As autoridades do Tesouro Nacional, sob o comando do vice-presidente em exercício, atestam que não é operação de crédito — declarou.

Barbosa também negou que as dificuldades financeiras do país seriam explicadas por supostas irresponsabilidades fiscais do governo Dilma. Ele mencionou as medidas de ajuste fiscal tomadas pelo Executivo ao longo do ano de 2015 e disse que as despesas discricionárias foram reduzidas. Além disso, atribuiu a recessão econômica do Brasil a várias causas, como a queda do preço das commodities no mercado internacional, que afetou a arrecadação, e a correção dos preços da gasolina e da energia elétrica, que alimentou a inflação.

Meta fiscal

Ao indagar o ex-ministro, o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) afirmou que o governo Dilma desrespeitou o Congresso quando editou decretos de abertura de crédito suplementar antes da aprovação da nova meta fiscal pelo Congresso. Por sua vez, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) argumentou que não existe aferição da meta antes do final do ano, e, dessa forma, a mera edição dos decretos o cumprimento da meta não deve ser aferido ao longo do ano, e sim ao final; dessa forma, não se pode afirmar que os decretos violaram a meta antes de avaliar sua execução.

Barbosa disse que a conferência da meta deve ser feita apenas no encerramento do exercício financeiro, e que essa sempre foi a interpretação adotada – inclusive pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que só passou a questioná-la ao longo do ano de 2015. Após o novo entendimento do TCU, explicou Barbosa, o governo parou de emitir os decretos.

— A interpretação vigente em todos os órgãos envolvidos com a execução orçamentária é que a meta é anual. Tanto é assim que você só verifica se cumpriu ou não quando você divulga o relatório do ano, em janeiro do ano seguinte. Isso segue os manuais de finanças públicas adotados pelo mundo inteiro — disse.

O ex-ministro também afirmou que, mesmo que ficasse comprovado o descumprimento da meta fiscal ao fim do ano, a punição não deveria vir na forma da perda do mandato. Nesse caso, a presidente teria incorrido em uma infração administrativa passível de multa, e não em crime de responsabilidade.

Em resposta à senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) Barbosa reforçou que o cumprimento da meta fiscal se baliza pelo gasto financeiro e não pela dotação orçamentária. Respondendo à senadora Fátima Bezerra (PT-RN), disse que o gasto é controlado pelos decretos de contingenciamento, que também foram feitos.

— O que impacta na dívida pública é o gasto que eu faço. Se eu gasto R$ 10 em um ano, aumenta minha dívida pública daquele ano em R$ 10, não importa [o dinheiro] é de uma conta do orçamento do ano ou de restos a pagar de orçamentos anteriores — disse.

Relator do processo de impeachment, o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) contrariou esse entendimento. Segundo ele, tanto a Constituição quanto a Lei Orçamentária Anual usam o termo “abertura” para vedar créditos em desacordo com a meta, portanto não interessa a execução. Ainda de acordo com o senador, isso também significa que é preciso fazer a aferição da meta no momento da abertura do crédito, na forma dos relatórios periódicos.

O senador Paulo Paim (PT-RS) quis saber de Barbosa se os decretos questionados garantiram o bom funcionamento do Estado, o que o ex-ministro confirmou. Barbosa também observou que a liberação de créditos é um instrumento que confere maior liberdade e agilidade para os ordenadores da despesa manejarem o orçamento.

Insegurança

Nelson Barbosa disse haver um risco que pode surgir caso o Senado corrobore a denúncia sobre os decretos: o de insegurança jurídica. Para o ex-ministro, a condenação da presidente Dilma Rousseff só pode acontecer caso se aplique retroativamente a nova interpretação do TCU sobre as práticas de suplementação orçamentária.

Foi a resposta dada ao senador Lasier Martins (PDT-RS), que citou as decisões tomadas pelo TCU em relação aos decretos no segundo semestre de 2015. De acordo com o ex-ministro, o governo Dilma seguiu as orientações do tribunal a partir daí, mas não é possível tomá-las como uma condenação a atos anteriores.

É perfeitamente cabível que o TCU recomende, alerte, determine. O que não é possível é que faça isso retroativamente, porque isso viola o devido processo legal e o direito de defesa. Isso é um golpe na nossa democracia. Isso cria uma insegurança jurídica tremenda para todos os cidadãos brasileiros, não só para a presidente da República — afirmou.

O senador Paulo Rocha (PT-PA) pediu mais explicações de Barbosa sobre esse tema. Segundo o ex-ministro, a possibilidade de retroatividade de novos entendimentos levará a consultas prévias ao TCU, sobrecarregando e desvirtuando a função daquele órgão. Além disso, os governos passariam a fazer estimativas pessimistas de meta de resultado fiscal, para evitar problemas, o que prejudicaria o esforço para recuperar as finanças públicas.

A senadora Regina Sousa (PT-PI) afirmou que isso já vem acontecendo, e que ministros do presidente interino Michel Temer têm consultado técnicos do TCU antes de tomar decisões. Barbosa disse que esse tipo de prática é inédita e demonstra que a administração pública está agindo na defensiva.

Débitos com bancos

Em resposta ao senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), que o questionou sobre a natureza técnica das “pedaladas”, Barbosa mencionou um parecer de um auditor do TCU para sustentar que os atrasos na quitação de débitos, embora desaconselháveis, não configuram operações de crédito.

— A obrigação de pagar já é constituída originalmente, tendo a União como devedora e a instituição financeira como credora. A dívida, para a Constituição, não decorre de uma operação de crédito, mas sim da subvenção autorizada por lei — disse.

O ex-ministro disse ainda que falar em atraso no pagamento por parte da União é inadequado, uma vez que não há prazo definido para quitação do débito. É possível que o TCU intervenha e estipule um termo para orientar essa equalização. Segundo Barbosa, foi isso que ocorreu em 2015 e, após a manifestação da corte de contas, o governo cumpriu a obrigação.

Barbosa disse entender que os "inadimplementos" identificados no governo Dilma não se distinguem daqueles registrados ao longo dos mandatos de presidentes anteriores, que também conviveram com o Plano Safra (implementado em 1991). Apesar de os valores de 2015 serem maiores e de o débito ter se prolongado por mais tempo, Barbosa alegou não serem esses os critérios corretos para determinar o que é uma operação de crédito.

Em resposta à senadora Ana Amélia (PP-RS), Barbosa disse que, para que esses atrasos fossem considerados como operação de crédito, a União teria de ter recebido os recursos dos bancos anteriormente, o que não ocorreu. Ele também disse, em resposta ao senador José Pimentel (PT-CE), que a agricultura brasileira não teria condições de prosperar tanto na última década sem as subvenções do Plano Safra.

A outros parlamentares favoráveis ao impeachment, como Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) e Paulo Bauer (PSDB-SC), o ex-ministro negou a existência de créditos dos bancos públicos ao governo.  Interrogado pelo senador José Aníbal (PSDB-SP), Nelson Barbosa negou veementemente ter cometido qualquer fraude contábil para "maquiar as contas públicas".

Como José Aníbal mencionou parecer do procurador da República Ivan Marx, a possibilidade de sua convocação como testemunha passou a ser discutida tanto pela defesa quanto pela acusação. Por fim, trecho do parecer foi juntado aos autos pela advogada Janaína Paschoal, coautora da denúncia contra Dilma Rousseff, com a concordância do advogado de defesa, José Eduardo Cardozo.

Transparência

Os senadores Aécio Neves (PSDB-MG) e Alvaro Dias (PV-PR) perguntaram a Nelson Barbosa se as práticas fiscais de Dilma Rousseff comprometeram as instituições, a solidez econômica e os sistemas de governança do Brasil. Nelson Barbosa declarou que se sente “honrado” de ter participado de todos os governos petistas, e que sempre dedicou sua atuação a garantir a confiabilidade dos indicadores.

— Sempre me pautei pela transparência em todos os meus atos, sempre defendi que se adotasse a meta mais realista possível. Sempre defendi que se pagassem esses passivos acumulados, apesar de concordar que eles não são operações de crédito. Quando assumi o Ministério da Fazenda, a primeira ação que eu tomei foi justamente colocá-los em dia.

Dificuldades

Em resposta ao senador Armando Monteiro (PTB-PE), que perguntou a que se deveram as dificuldades financeiras recentes do país, Barbosa apontou para o Congresso, que, em sua avaliação, agiu para atrapalhar a reação do governo.

— Houve paralisação política por meio das pautas-bombas colocadas em votação no Congresso. Por semanas a pauta da Câmara ficou parada por causa do projeto que previa reajustes salariais de 53% a 79% aos servidores do Judiciário, que traria grandes efeitos econômicos, e nenhuma proposta de ajuste fiscal apresentada pelo governo conseguiu ir adiante — disse.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)