Processo contra Dilma levanta questionamentos à lei do impeachment

Da Redação | 25/08/2016, 15h14

O processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff entra na fase final nesta semana, mas o assunto pode não se encerrar após a última votação. Ao longo da tramitação, a Lei 1.079/1950, que estabelece as condições e procedimentos para o afastamento de um presidente da República, foi alvo de críticas e questionamentos por parte de senadores e também da defesa de Dilma.

Parlamentares favoráveis ao impeachment reclamaram dos prazos dados pela legislação para o processo, considerado por eles como excessivos. Também argumentaram que a lei precisa ser atualizada para contemplar a reeleição. Por sua vez, senadores que defendem a presidente afastada afirmam que alguns dispositivos usados para embasar a denúncia não estão de acordo com a Constituição.

Em maio, após o Senado decidir pela admissibilidade do processo e o consequente afastamento temporário de Dilma, Renan Calheiros disse que é preciso aperfeiçoar a Lei do Impeachment.

Reeleição

Durante a discussão do relatório de pronúncia na Comissão Especial do Impeachment, há três semanas, o senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE) reclamou do fato de que a denúncia aceita pela Câmara dos Deputados não continha fatos anteriores ao ano de 2015, que constavam da peça acusatória original. Isso porque, de acordo com a legislação, o presidente não pode ser investigado por atos anteriores ao início do mandato em curso – e isso inclui atos do primeiro mandato, em caso de reeleição, como aconteceu com Dilma.

 Não podemos mais ficar circunscritos a essa jurisprudência. Isso é um único mandato, uma única gestão. É preciso que a lei venha disciplinar esse vácuo. Até porque, se nós queremos coibir os excessos durante a reeleição, não pode haver essa distinção - afirmou o senador.

A Lei do Impeachment é de 1950, quando não havia a possibilidade de mandatos consecutivos em cargos do Executivo. A reeleição foi instituída apenas em 1997, através da Emenda Constitucional 16.

Prazos e limites

O senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) se mostrou insatisfeito com o tempo que o impeachment levou para percorrer todas as etapas previstas na lei. Para ele, o afastamento do presidente da República cria um cenário de instabilidade e desconfiança, que dura enquanto a processo não é concluído. Devido a isso, ele prazos mais curtos e um andamento mais célere.

 O presidencialismo não suporta esse período de quatro meses, independentemente de todo o esforço que se faz tentando recompor a economia. A interinidade ainda passa a deteriorar e a desidratar, e muito, a credibilidade política no país - afirmou.

Outra crítica feita pelo senador Fernando Bezerra Coelho diz respeito a limitações que, em sua opinião, deveriam ser impostas ao presidente investigado durante o curso do processo. Ele sustentou que a lei impeça o chefe do Executivo de tomar medidas que elevem os gastos públicos a partir do momento em que a Câmara dos Deputados autorize a abertura da investigação.

 É importante que a gente vede essa prática. Após a aprovação da denúncia na Câmara, [Dilma] anunciou a ampliação dos gastos com o Bolsa Família ou com o reajuste do servidor público federal – lembrou.

Constituição

A principal crítica dos aliados da presidente afastada em relação à legislação do impeachment remete ao início do processo. A defesa prévia de Dilma, entregue ao Senado em junho, já argumentava que uma das bases para a denúncia era frágil. Segundo o documento, o artigo 11 da Lei do Impeachment não teria sido recepcionado pela Constituição de 1988.

O artigo 11 é o que trata dos crimes de responsabilidade contra a guarda legal e emprego do dinheiro público. As duas acusações feitas contra a presidente Dilma estão contidas nesse dispositivo: abrir crédito orçamentário sem fundamento em lei (os decretos) e efetuar operação de crédito sem autorização legal (as “pedaladas fiscais”).

Segundo a defesa da presidente, a Lei do Impeachment incorporou todos os crimes de responsabilidade elencados pela Constituição de 1946, vigente à época. No entanto, as Constituições subsequentes retiraram dessa lista as infrações fiscais. A lei permaneceu igual, mas o argumento dos defensores de Dilma é que ela precisa se submeter à norma constitucional.

 Se a Constituição não avalia que o que está no artigo 11 se caracteriza como crime, por que uma lei ordinária pode se sobrepor a ela? – questionou a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) durante a sessão de votação da fase de pronúncia do impeachment.

O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) citou um artigo do ministro do Supremo Tribunal federal (STF) Luís Roberto Barroso para defender essa posição. No texto “Impeachment – Crime de Responsabilidade”, que é de 1998, Barroso explica a mudança entre as diferentes Constituições em relação aos crimes de responsabilidade. Ele afirma que dispositivos da lei não reproduzidos pelos textos constitucionais posteriores devem ser considerados como não recepcionados.

“A supressão de um dos tipos do elenco constitucional dos crimes de responsabilidade produz, em última análise, os efeitos de uma abolitio criminis. Com efeito, todos os fatos anteriormente criminalizados tomam-se atípicos, não mais ensejando qualquer consequência na esfera de responsabilidade política”, escreveu o ministro.

Além do artigo 11, a denúncia contra Dilma Rousseff se ampara no artigo 10 da Lei do Impeachment, que trata dos crimes contra a lei orçamentária.

Mudanças

Dois projetos apresentados ao Senado neste ano têm por objetivo reformular completamente a Lei 1.079/1950. Seus autores usam argumentos semelhantes: segundo eles, a norma é defasada e incompleta. Suas propostas reconstroem o texto, incorporando a ele institutos de outras legislações e decisões do STF e adaptando-o à Constituição de 1988.

O senador Alvaro Dias, autor do PLS 251/2016, lamenta a “decrepitude” de vários trechos da lei, e admite que vários deles já estão, na prática, revogados pela Constituição e por entendimentos do STF. Seu projeto promove a maioria das alterações na parte processual da lei, incorporando inclusive medidas do Código de Processo Penal – que tem sido usado de forma subsidiária no atual processo de impeachment. Quanto ao mérito, ele limita-se a fundir crimes considerados redundantes e realizar poucas exclusões. As previsões de crimes fiscais são mantidas.

Já o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), que assina o PLS 210/2016, aponta que a defasagem da lei tem levado a uma “excessiva judicialização” do processo de impeachment em curso. Ele afirma que o seu projeto cuida de positivar recentes decisões do STF, que foram tomadas em resposta a uma petição de partidos políticos, feita no final de 2015, que visava esclarecer dúvidas procedimentais a respeito do assunto.

Desde sua promulgação, a Lei do Impeachment foi modificada apenas uma vez. Foi em 2000, com a chamada Lei de Crimes Fiscais, que acrescentou oito condutas ao rol de crimes contra a lei orçamentária. Ela foi um complemento à Lei de Responsabilidade Fiscal, que havia entrado em vigor cinco meses antes.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)