'Jabutis' em MPs poderão ser mais facilmente rejeitados pelo Senado

Juliana Monteiro Steck | 05/01/2016, 15h41

A inclusão de emendas em medidas provisórias com temas estranhos ao seu conteúdo original gera reclamações de senadores há anos. Até outubro, caso o Senado retirasse do texto as emendas, os chamados "jabutis", a MP tinha de retornar à Câmara para nova análise dos deputados, atrasando a tramitação e aumentando o risco de a medida provisória perder a validade. Com isso, muitas vezes as emendas acabavam sendo aprovadas pelos senadores como vinham da Câmara, mesmo que eles discordassem delas, apenas para evitar que a MP caducasse.

No dia 15 de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional a inclusão de emendas parlamentares sobre assuntos diferentes do tema original da MP.

As MPs têm força de lei e são editadas pelo presidente da República em casos de relevância e urgência. A medida produz efeitos imediatos e tem prazo de vigência de 60 dias, prorrogáveis uma vez por igual período. Para transformação definitiva em lei, deve ser aprovada pelo Congresso nesse prazo.

As medidas provisórias trancam a pauta da Casa em que se encontrarem após 45 dias de sua publicação pelo Executivo. Primeiro uma comissão mista, formada por deputados e senadores, precisa aprovar um parecer sobre a MP. Depois, ela segue para o Plenário da Câmara e, em seguida, para o Plenário do Senado. Se o conteúdo de uma medida provisória for alterado, ela passa a tramitar como projeto de lei de conversão (PLV).

Muitas vezes, na Câmara, os deputados aprovam o PLV com emendas que tratam de tema sem nenhuma ligação com o assunto da MP, para aproveitar a tramitação urgente. Esse tipo de emenda foi apelidado pelos senadores de “jabuti”, porque dizem que nenhum jabuti vai parar em uma árvore sozinho e, se está lá, é porque alguém o colocou. “Penduricalho” e “contrabando” são outros nomes dados pelos parlamentares.

Com a decisão do STF, passou a ser permitida a exclusão dos jabutis pelo Senado, sem que isso impeça o envio à sanção presidencial da MP em seu texto original, ou na forma de PLV com emendas pertinentes ao tema e aprovadas em Plenário por deputados e por senadores.

O parecer do tribunal foi comemorado no Senado. O então líder do governo, Delcídio do Amaral (PT-MS), o líder da oposição, Alvaro Dias (PSDB-PR), e o líder do PMDB, Eunício Oliveira (CE), assim como o senador Flexa Ribeiro (PSDB–PA) foram alguns dos que elogiaram a decisão do STF.

Em agosto de 2011, o Senado já havia manifestado contrariedade com os jabutis ao aprovar uma proposta de emenda à Constituição que muda as regras de tramitação das medidas provisórias. A PEC 11/2011, do então senador José Sarney, ainda aguarda apreciação da Câmara e muda a divisão do prazo de tramitação das MPs entre as duas Casas do Congresso. Dos 120 dias, 80 serão para a Câmara e 30 para o Senado. A Câmara terá mais 10 dias se alterações forem realizadas no Senado. As novas regras também proíbem as emendas não pertinentes ao tema.

Resolução

A Resolução 1/2002 do Congresso Nacional, que regulamenta o exame de MPs, já vedava a apresentação das emendas jabutis, atribuindo ao presidente da comissão mista que emite parecer sobre a medida provisória o poder de indeferi-las, mas a regra não estava sendo suficiente.

Em 2015, a discussão foi acirrada no dia 28 de maio, durante a votação da MP 668/2015. A medida integrou o pacote de ajuste fiscal do governo, alterando alíquotas do PIS e da Cofins de bens e serviços importados, para proteger a indústria nacional. Mas os deputados incluíram emendas sobre outros temas, como a que autorizava parcerias público-privadas (PPPs) para realização de obras públicas, possibilitando a construção de um shopping nas instalações da Câmara. Vários senadores reclamaram.

O presidente do Senado, Renan Calheiros, encomendou na época à Secretaria-Geral da Mesa um parecer sobre a forma de separar das medidas provisórias textos estranhos inseridos no texto original, sem prejuízo de tramitação da MP.

— Encomendei  um parecer para que possamos fazer com as medidas provisórias o mesmo que fazemos com as PECs paralelas. Promulgamos a convergência e fazemos tramitar paralelamente como nova PEC o restante. Vamos estender essa interpretação para as MPs — disse.

A MP foi sancionada (Lei 13.137) em 19 de junho e a presidente Dilma, por sugestão de senadores, vetou artigos resultantes de emendas jabutis.

Presidentes

Em 18 de junho, o senador Walter Pinheiro (PT-BA) apresentou um projeto de resolução para conferir aos presidentes das duas Casas do Congresso o poder de suprimir os jabutis. Pela proposta (PRN 6/2015), o autor da emenda retirada pelo presidente da Câmara ou do Senado poderá, com o apoio mínimo de 10% dos membros da Casa, recorrer da decisão, cabendo ao Plenário decidir por maioria simples, sem discussão ou encaminhamento de votação.

Pinheiro propõe ainda alterar o prazo para apresentação de emendas, hoje fixado em seis dias, a contar da publicação da MP no Diário Oficial da União. Ele propõe que passe a ser de cinco sessões do Plenário do Senado ou da Câmara, “o mesmo prazo que é fixado nos demais casos, inclusive em projetos de lei em regime de urgência”. Ainda pelo projeto, as emendas rejeitadas poderão ser convertidas em projetos de lei, tendo como autor a comissão mista especial da MP. No momento, a proposta de Pinheiro aguarda parecer da Mesa do Senado, onde o relator é Romero Jucá (PMDB-RR), e da Câmara.

Votações

Após a decisão do STF ter sido anunciada, mas antes de entrar em vigor, o Senado votou a última medida com jabutis, em 21 de outubro. A MP 678/2015, que autorizou o uso do Regime Diferenciado de Contratação em licitações e contratos nos setores de segurança, inteligência e defesa civil, foi aprovada com dispositivos estranhos ao conteúdo da MP, como a autorização para se renegociarem dívidas de operações de crédito no âmbito do Programa Nacional do Álcool (Pró-Álcool).

No dia 27 de outubro, no entanto, após a decisão do STF entrar em vigor, Renan Calheiros anunciou que o Senado retiraria os jabutis das MPs que viessem da Câmara. A primeira medida aprovada de acordo com as novas regras, em 4 de novembro, foi a MP 687/2015, que autorizou o Executivo a reajustar taxas cobradas pela Agência Nacional do Cinema (Ancine), pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e pelo Ibama. Os senadores aprovaram a retirada de dois artigos do projeto, que haviam sido incluídos pelos deputados. A impugnação desses artigos foi requerida por Aloysio Nunes (PSDB-SP). Eles tratavam da revogação de leis anteriores e da permissão de incorporação de documentos nos idiomas oficiais da Organização Mundial do Comércio a autos de processos de verificação de origem de produto.

Em 11 de novembro, a MP 684/2015, que adiou em seis meses a data de entrada em vigor da lei do marco regulatório das ONGs, também foi aprovada com a retirada dos jabutis.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)