Parada desde 2010, proposta de legislação de inteligência é “reativa”, dizem debatedores

Guilherme Oliveira | 10/11/2015, 18h23

A Comissão Mista de Controle de Atividades de Inteligência (CCAI) realizou nesta terça-feira (10) audiência pública para debater a elaboração de uma legislação específica para o setor de inteligência brasileiro. Os convidados foram representantes dos servidores públicos da área. Eles criticaram a proposta da Política Nacional de Inteligência (PNI), que aguarda análise do Congresso desde 2010.

A proposta é o PDC 1570/2001, atualmente na Câmara dos Deputados. Ela estabelece diretrizes para o setor nacional de inteligência e organiza as atividades da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). O projeto está pronto para apreciação e chegou a entrar na pauta do Plenário da Câmara neste ano, mas foi retirado.

Para Luciano Jorge, vice-presidente da Associação Nacional dos Oficiais de Inteligência (Aofi), as medidas contidas no projeto da PNI são “reativas”, pois se concentram apenas no caráter defensivo da inteligência e deixam de lado seu poder de iniciativa.

— O papel da inteligência é antecipar os problemas, melhorar a qualidade do planejamento estatal e otimizar recursos. Nosso trabalho vem antes do trabalho dos outros para dar mais qualidade a ele — explicou.

Carlos Terra Estrela, presidente da Associação dos Servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Asbin), lamentou o “vácuo” existente na legislação pela falta de aprovação da PNI. Ele lembrou que a Abin foi criada em 1999 e é prejudicada por, além da ausência de política própria, não estar na Constituição.

Propostas

Luciano Jorge observou que os países com as políticas de inteligência mais bem sucedidas são aqueles que sabem o que querem obter dos seus serviços de inteligência. No caso do Brasil, ele citou o controle das fronteiras como um exemplo de área em que o trabalho da Abin deve ser proativo. Outro exemplo seria a segurança das comunicações.

— O Brasil só tem um satélite geoestacionário [que fica sempre sobre o mesmo ponto fixo da Terra], e ele nem é brasileiro. Um erro de controle que desvie o ângulo faria o Brasil perder toda a capacidade de se comunicar — alertou. O satélite em questão pertence a uma empresa mexicana. Para ele, a estabilidade desse sistema deveria estar nas mãos da inteligência brasileira.

Uma solução para reforçar essa mentalidade mais abrangente das atividades de inteligência seria não deixar apenas a Abin responsável por elas. Em vez disso, o ideal seria envolver ministérios nesse universo, dando a eles atribuições estratégicas que deixariam evidente que a inteligência não se trata só de contraespionagem e proteção, mas também de políticas públicas.

Outra medida que poderia constar da PNI, segundo Jorge, seria o fortalecimento de serviços de inteligência locais, que cooperassem com as administrações municipais e com as polícias civis e militares dos estados.

Já Estrela chamou a atenção para as atividades de recrutamento do grupo terrorista Estado Islâmico, que tem atraído jovens de diversos países – inclusive do Brasil – para suas fileiras. Além disso, ele ressaltou características do Brasil que deveriam despertar o interesse das autoridades em desenvolver um sistema de inteligência eficiente, tais como ser a maior economia do Mercosul e o maior detentor de bacias de água doce do mundo.

Carreiras

Os debatedores comentaram também a atual situação das carreiras profissionais ligadas às atividades de inteligência. Segundo Estrela, o plano de carreira mais recente elaborado pela Abin excluiu servidores antigos da agência, que ele defende que sejam incluídos de volta, por reconhecimento a suas contribuições profissionais.

Jorge destacou que a Abin não realiza concurso para oficiais de inteligência há sete anos, e que a categoria conta com apenas um terço do seu efetivo previsto em lei. Ele pediu fortalecimento e expansão dessa carreira.

Comissão

A CCAI já havia discutido em audiência pública anterior os prejuízos da falta de uma política nacional de atividades de inteligência. A audiência desta terça foi a última do ano, segundo a presidente da comissão, deputada Jô Moraes (PCdoB-MG).

Ela também disse que a CCAI reunirá as conclusões e os resultados de seu trabalho ao longo do ano de 2015 em um relatório que será entregue ao ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República, Ricardo Berzoini.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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