Excesso de regras prejudica atuação das estatais, diz representante do setor privado

Paulo Sérgio Vasco | 08/07/2015, 19h08

O excesso de detalhamento de regras poderá onerar as estatais e gerar brechas a serem aproveitadas por agentes mal intencionados. A avaliação é do presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), Mauro Rodrigues da Cunha, que nesta quarta-feira (8) participou de audiência pública na comissão mista encarregada de elaborar o projeto da Lei de Responsabilidade das Estatais.

Representante dos acionistas minoritários no Conselho de Administração da Petrobras por dois anos, Cunha defendeu a criação de uma agência nacional das estatais, sob controle direto do Legislativo, que centralizaria a propriedade de todas as empresas, e determinaria a sua forma de atuação, as práticas de governança e o processo de escolha de seus dirigentes, entre outros critérios. Cunha recomendou ainda que o Executivo e o Legislativo unam forças e submetam-se às regras da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), no que se refere à governança dessas empresas.

- A lei pode trazer parâmetros que ficariam melhores em normas infralegais. Talvez seja a melhor solução para prescrições que evoluem no tempo. Para isso se prestam as normas infralegais que regem as companhias. A reformulação das estatais deve começar não pelas prescrições, mas por sua estrutura de propriedade e controle – afirmou.

Advogado da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Sérgio Murilo Campinho, disse não haver necessidade profunda de mudanças na legislação para aprimorar a governança nas estatais, mas defendeu alterações pontuais em alguns dispositivos para se obter um visão mais contemporânea da atividade produtiva. No que se refere ao preenchimento de vagas nos conselhos de administração e diretorias, ele observou que, “infelizmente, o que muitas vezes se vê nas estatais é a escolha política se sobrepondo à escolha de mérito”.

- O problema é endêmico, e não há lei capaz de modificar. É questão de cultura política e senso filosófico. A pluralidade no conselho de administração é fundamental, assim como no conselho fiscal, que deve gozar de toda independência, com representação dos minoritários e empregados – afirmou.

Na avaliação de Mateus Bandeira, diretor-executivo da Falconi, maior consultoria brasileira de gestão, os problemas das estatais combinam problemas de cultura empresarial e problemas da administração brasileira, que imaginam a empresa vinculada a um controlador, cujo interesse teria supremacia sobre os demais.

- Falta cultura empresarial, que se forma a partir do mercado. Há uma confusão permanente entre Estado, governo e administração. As estatais, pela relevância que têm, merecem regramento específico. Deveria ser prevista a revisão periódica das finalidades das estatais, talvez a cada dez anos, para verificar se o interesse nacional continua sendo atendido na previsão da lei. A gente não precisa de mais agência, mas de um Estado eficiente, de um Executivo e de um Congresso Nacional que cumpram o seu papel. Deveríamos tentar aprimorar com medidas simples as companhias – afirmou.

Os palestrantes reiteraram que o objeto de atuação da empresa deve ser claro e incontestável em seu ato de criação, o que evitaria episódios como os ocorridos na Petrobras. Se um dispositivo impedindo a Petrobras de ser usada no controle da inflação constasse em seu estatuto, o governo não poderia usar a empresa para cumprir a sua “função social”, ao comprar gasolina mais cara no exterior e vendê-la a um preço menor no mercado interno, explicaram.

Os convidados foram unânimes em defender a independência dos conselhos de administração e seus dirigentes, assim como o reforço dos critérios de transparência. Também manifestaram apoio a proposições que tratam de governança corporativa, embora tenham defendido mudanças pontuais no projeto de lei do Senado (PLS) 343/2015, do senador Aécio Neves (PSDB-MG).

Um dos dispositivos mais citados foi o que altera o artigo 238 da Lei 6.404/76, que dispõe sobre a sociedade por ações. De acordo com o projeto, a pessoa jurídica que controla a companhia de economia mista tem os deveres e responsabilidades do acionista controlador, mas, salvo no caso de companhia aberta, poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação.

O projeto aguarda a designação de relator na Comissão de Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Há ainda o PLS 167/2015, de autoria do senador Roberto Requião (PMDB-PR), que estabelece o estatuto jurídico das estatais, e se encontra na pauta da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).

A comissão volta a se reunir na primeira semana de agosto, quando deverá apresentar o texto preliminar do marco regulatório das estatais, a ser votado até o dia 21 do mesmo mês, quando se encerram os trabalhos do colegiado.

- Temos hoje 342 estatais no Brasil, algumas sem sentido. Mais de 340 subsidiarias tem a Petrobras – disse o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que preside a comissão, que tem como relator o deputado Arthur Maia (SD-BA).

Em audiências públicas anteriores, a comissão ouviu sugestões de representantes do Tribunal de Contas da União (TCU), da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), que ressaltaram a importância de estabelecer formas de fiscalização pública e governança interna para que as estatais tenham a confiança dos investidores.

Também foram ouvidos representantes do Banco do Brasil e do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), para os quais o estatuto deve distinguir as empresas que operam no setor econômico daquelas que executam outras atividades. Eles observaram que a escolha dos conselheiros e dirigentes das estatais deve ter como critério a meritocracia, priorizando pessoas com qualificação técnica e sem ligações diretas com partidos políticos ou com o Executivo.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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