Reeleição de Dilma teve campanha marcada por reviravoltas

Elina Rodrigues Pozzebom | 30/12/2014, 17h35

Em campanha eleitoral marcada por uma tragédia, reviravoltas e acirramento de ânimos como não se via há tempos no país, Dilma Rousseff (PT) foi reeleita, em 26 de outubro, para mais um mandato de presidente da República. A vitória da presidente confirmou-se no segundo turno, por um placar apertado: Dilma recebeu 51,64% dos votos válidos, pouco mais de 54,5 milhões, enquanto seu adversário, o senador Aécio Neves (PSDB), ficou com 48,36%, correspondentes a 51 milhões.

A diferença de votos entre os candidatos é a menor entre dois finalistas de uma eleição presidencial desde a redemocratização do país e muito inferior ao total de votos nulos — mais de 5,2 milhões —, ou de abstenções — 30,1 milhões — entre os 143 milhões de brasileiros aptos a votar em 2014.

Eleitores de todo o Nordeste, especialmente da Bahia, quarto maior colégio eleitoral do país, votaram majoritariamente em Dilma. Na Região Norte, com exceção de Roraima e Acre, a maioria também preferiu reconduzir a presidente. O Sudeste rachou, com Minas Gerais, o segundo estado com mais votantes do país, e o Rio de Janeiro, o terceiro, contribuindo para a vitória da petista. O candidato da oposição, Aécio Neves, venceu no Espírito Santo e em São Paulo, maior eleitorado do Brasil. Ele foi vitorioso também nas Regiões Sul e Centro-Oeste. Mas a derrota em Minas, seu domicílio eleitoral e estado que governou por oito anos, ficou como marca na campanha.

Riscos

A manutenção dos benefícios sociais foi um dos pontos principais na recondução de Dilma Rousseff à Presidência. Um dos mais baixos índices de desemprego da história e o temor da população de pôr em risco os avanços sociais, sentimento estimulado na campanha eleitoral, também contribuíram para a vitória do PT. Dilma advertiu os brasileiros para o risco de aumento dos juros e de arrocho na economia caso Aécio vencesse a disputa. Pouco tempo depois de confirmada a vitória da chefe do Executivo, a taxa básica de juros foi elevada como medida para controlar uma inflação renitente, gerando acusações de “estelionato eleitoral”.

Logo após a confirmação do triunfo de Dilma Rousseff nas urnas, moradores do centro-sul do país atacaram, nas redes sociais, os eleitores da Região Nordeste. Cidadãos se dizendo indignados com a manutenção do grupo político há 12 anos na Presidência disseram que o pagamento do Bolsa Família foi utilizado como moeda de troca pelo governo federal. Líderes do PSDB chegaram a dizer que as mensagens preconceituosas contra os nordestinos foram fruto de um movimento orquestrado por setores do próprio governo para associar a oposição ao discurso do ódio. Grupos pró-ditadura, pedindo intervenção militar, e outros, o impeachment de Dilma, aproveitaram o momento de indignação e também se manifestaram.

Em seu pronunciamento após a vitória, Dilma negou a divisão do país e pregou diálogo e união. Disse ser presidente de todos os brasileiros e prometeu combate intenso à corrupção. Estava em curso a apuração do escândalo sobre a Petrobras, fase em que os nomes de políticos supostamente envolvidos começavam a ser citados. Já Aécio prometeu uma oposição rigorosa, mas sempre a favor do Brasil.

Tragédia

Alas do PT defenderam, no começo do processo eleitoral, o retorno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que acabou sendo mais uma vez fiador da candidata Dilma Rousseff, desta vez à reeleição. Franca favorita no início da campanha, ela viu sua vantagem reduzida após a trágica morte do ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos. O avião de campanha do candidato do PSB caiu em Santos (SP), em agosto de 2014, matando também toda a equipe a bordo e os pilotos.

Poucos dias após a morte de Eduardo Campos, a ex-senadora Marina Silva, então candidata a vice, assumiu a cabeça da chapa. Foi escolhido como novo candidato a vice do partido o deputado Beto Albuquerque (RS). Marina Silva havia se filiado ao PSB no início da campanha, depois de ver frustrado o registro partidário da Rede Sustentabilidade. Com a morte do ex-governador de Pernambuco, a viúva, Renata Campos, tornou-se uma das principais fiadoras da candidatura de Marina à Presidência.

Numa subida vertiginosa, durante o primeiro turno, Marina desbancou Aécio Neves, então no segundo lugar, e chegou a ultrapassar Dilma nas pesquisas de intenção de voto para o segundo turno, abrindo 10 pontos à frente da petista. A desistência de Aécio chegou a ser suscitada pela imprensa diante do cenário de favoritismo da ex-senadora, que só começou a cair já bem perto do primeiro turno.

A campanha petista centrou seus ataques em Marina. O apoio de uma das acionistas do Banco Itaú, Neca Setúbal, foi usado pelos marqueteiros de Dilma para colocar Marina como candidata do mercado financeiro. Eliminada do segundo turno, a ex-senadora declarou seu apoio a Aécio Neves, mas não foi capaz de transferir ao tucano sua expressiva votação em Pernambuco, estado de Campos. Seus votos garantiram a vitória do senador apenas no Acre.

Manifestações

Também trouxe reflexos para o período eleitoral a mobilização social que encheu as ruas do país em junho e julho de 2013, a partir de protesto iniciado em São Paulo contra o aumento das tarifas de transporte público. O movimento foi o gatilho para uma insatisfação generalizada contra a corrupção e má gestão de recursos públicos em todo o território nacional.

Insuflados pelos gastos com a Copa do Mundo, sediada no país em junho de 2014, os manifestantes continuaram seus protestos durante o primeiro turno, em número reduzido, mas ainda numa postura contrária à gestão de Dilma Rousseff. Eles se alinharam em grande parte à candidata do PSOL, Luciana Genro, ou a Eduardo Jorge, candidato pelo PV.

Apesar de sofrer críticas, Dilma acabou beneficiada ao herdar, no segundo turno, os votos da maioria dos eleitores de Luciana Genro, que classificava Aécio como herdeiro de uma tradição política superada. Já Eduardo Jorge estimulou seus eleitores a votarem no candidato do PSDB.

Segundo turno

No segundo turno, a campanha foi ainda mais disputada, com o clima beligerante dominando também os eleitores e militantes nas redes sociais. Houve relato de amizades desfeitas por causa de agressões no Facebook. Twitter, Tumblr, blogs e até WhatsApp foram ferramentas importantes e inéditas de busca de convencimento e de divulgação. A internet nunca havia sido utilizada de modo tão intenso numa campanha eleitoral.

A derrota de Aécio em seu estado natal na primeira etapa da eleição deu munição para a propaganda petista de desconstrução da gestão do ex-governador: “Em Minas Gerais, quem conhece Aécio não vota jamais”, foi um dos slogans utilizados por simpatizantes da candidatura de Dilma. O caso do aeroporto no município mineiro de Cláudio, construído em terras desapropriadas de um tio do candidato do PSDB, foi muito explorado pela campanha petista. Veicularam-se denúncias de nepotismo contra um lado e outro. Foram acusados de possuir cargo público por indicação política a irmã de Aécio e o irmão de Dilma.

Convocado para aparecer mais intensamente na campanha, Lula, nos últimos dias do pleito, percorreu o país ao lado da candidata petista. Enquanto isso, o tucano expunha a necessidade de um rearranjo nas contas públicas, acusando o PT de “maquiagem” dos dados oficiais e dizendo que a equipe econômica a ser nomeada por ele seria a única capaz de conduzir sem traumas as mudanças necessárias.

Quase todo o segundo turno foi marcado por empate técnico nas pesquisas eleitorais. Porém, com a aproximação do dia 26 de outubro, Dilma começou a aparecer com pequena vantagem. A campanha de “desconstrução” comandada pelo PT mostrava sinais de estar surtindo efeito também contra ele, como se dera no caso de Marina Silva.

Pesquisas

As pesquisas eleitorais e seus acertos e erros estiveram mais uma vez em foco nas eleições gerais de 2014. No final do primeiro turno, todos os institutos erraram ao não prever a ascensão de Aécio Neves, que ultrapassou Marina Silva e foi para a disputa com Dilma Rousseff. O máximo que detectaram foi a tendência de queda da pessebista e a consequente elevação nos índices de Aécio. Ainda assim, bem pequena.

Questionado à época sobre as disparidades, o estatístico do DataSenado Marcos Oliveira ressaltou a limitação das pesquisas eleitorais e a incapacidade dos institutos de mensurar a convicção do voto declarado e a mudança de opinião dos indecisos, o que, em sua opinião, afetou os resultados dos levantamentos em comparação com a votação final.

Marcos Oliveira salientou que as pesquisas detectam tendências, não podendo ser consideradas um retrato fiel da realidade. No caso da disputa presidencial de 2014, mostraram, observou ele, os movimentos corretos do eleitorado, captando nos últimos dias da campanha de primeiro turno o viés de queda de Marina e de subida de Aécio. No segundo turno, Aécio e Dilma estavam em empate técnico até dias antes da votação, dentro da margem de erro das pesquisas dos maiores institutos do país.

O estatístico defendeu aperfeiçoamentos metodológicos das pesquisas, com a criação de mecanismos de aferição do nível de convicção do voto declarado, para tentar mensurar a diferença entre a intenção de voto e o voto propriamente dito. Sugeriu ainda mais preparação do entrevistador para perceber a volatilidade do eleitor.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)