Aulas e livro, projetos de Suplicy após deixar o Senado

André Fontenelle | 23/12/2014, 15h30

No gabinete de Eduardo Suplicy, as paredes são envidraçadas. Não é só uma preferência estética. “Quando vocês entram na porta do meu gabinete, podem ver o que se passa aqui dentro, porque a norma minha é sempre transparência total. É a melhor forma de prevenir problemas, irregularidades e malfeitos.”

Quem aparece muito cedo no gabinete transparente do senador pelo PT de São Paulo tem grande chance de já encontrá-lo trabalhando. Suplicy é dos primeiros a chegar, por volta das 8h. E dos últimos a sair, às vezes depois das 23h, mesmo quando a sessão terminou bem antes. A prática de esportes na juventude (foi pugilista amador) ajudou-o a chegar aos 73 anos em boa forma. Hoje, para aguentar o ritmo de trabalho, Suplicy faz duas aulas de ginástica por semana.

Quando não está no Plenário, nas comissões ou no gabinete, provavelmente está viajando pelo país e pelo exterior, defendendo aquele que considera seu projeto mais importante: o da Renda Básica de Cidadania. Suplicy conta que uma de suas maiores emoções no Senado foi a aprovação de seu primeiro projeto sobre renda mínima, em 1991. Os antigos programas foram consolidados no atual Bolsa Família, mas a diferença fundamental entre o Bolsa Família e a Renda Básica de Cidadania é que todos terão direito a esta última — o projeto garante uma renda mínima a todo brasileiro e todo estrangeiro que viver no país há pelo menos cinco anos.

Estudiosos dos programas de transferência de renda — Suplicy costuma citar o americano John Rawls, o belga Philippe Van Parijs e o indiano Amartya Sen — argumentam que uma renda universal é melhor, como forma de combate à desigualdade, do que uma renda apenas para os mais necessitados. O texto foi aprovado pelo Congresso e sancionado em 2004. Mas até agora não saiu do papel. A proposta de Suplicy é criar um grupo de trabalho para estudar como será a transição do programa Bolsa Família para a Renda Básica de Cidadania.

— Tenho plena consciência de que não daria para instituí-la em 2015, ou mesmo em janeiro de 2016. Há necessidade de criar os instrumentos para financiá-la. Tenho a certeza de que essa proposta vai significar algo tão importante quanto foram a Abolição e a implantação do sufrágio universal — diz.

O ar tímido do senador esconde um político aguerrido, que mais de uma vez se elegeu “de virada”, tendo começado em desvantagem nas pesquisas. Em 1990, sua primeira eleição para o Senado, derrotou o candidato do então presidente Fernando Collor, o jornalista Ferreira Netto, e se tornou o primeiro representante do Partido dos Trabalhadores no Senado. Em 1998, enfrentou um ídolo nacional, o jogador de basquete Oscar Schmidt, apoiado pelo ex-prefeito e ex-governador Paulo Maluf. Em 2006, Suplicy venceu Guilherme Afif Domingos, nome da aliança DEM-PSDB.

Na eleição de 2014, na tentativa de um quarto mandato popular consecutivo — feito que apenas três senadores alcançaram desde o fim da 2ª Guerra Mundial (Edison Lobão, José Agripino e Ruy Carneiro) —, Suplicy vítima do mau desempenho do PT em São Paulo, acabou derrotado por José Serra, do PSDB. Mas isso não significa, segundo ele, o fim das lutas que marcaram sua passagem pelo Senado:

— Transmito a todos os movimentos sociais —seja o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, os movimentos de moradia, em defesa dos direitos da cidadania, dos direitos humanos, da população de rua, das cooperativas de material reciclável —, a todos os sindicatos de trabalhadores: podem contar comigo, que eu vou continuar tendo diálogo com todos vocês;

Convites não têm faltado desde a eleição. Suplicy já aceitou dois: a partir de março, dará aulas no curso de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo, no campus da Zona Leste. Na semana passada, o auditório de 140 lugares já estava com as reservas praticamente esgotadas; e está escrevendo um livro sobre sua passagem pelo Senado, a convite de uma editora de São Paulo.

Dentro de alguns dias, deixarão o gabinete transparente na Ala Dinarte Mariz do Senado objetos de estimação de Suplicy, como um retrato do jovem Bob Dylan que adorna uma das paredes. Apenas 28 dias mais velho que Suplicy, Dylan foi uma referência constante na carreira do senador. Suplicy criou o hábito de usar versos de poemas e canções em seus discursos, e Dylan foi um dos mais frequentemente citados — inclusive na despedida, na noite da última quarta-feira (17):

Quantas estradas precisará o homem caminhar

até que finalmente ele possa ser chamado de homem?

Quantos ouvidos precisará uma pessoa ter

até que finalmente possa ouvir as pessoas chorarem?

Quantas mortes precisarão acontecer

até que finalmente se perceba que muitas pessoas já morreram?

São trechos de Blowing in the Wind (Soprando ao vento), que o senador usou para resumir as causas que defendeu e promete continuar a defender.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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