Acordos regionais não ameaçam multilateralismo, afirma diretor-geral da OMC
Da Redação | 27/03/2014, 19h15
A proliferação de acordos regionais entre poucos países não significa o fim dos acordos multilaterais no comércio mundial. A avaliação é do diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevêdo, que nesta quinta-feira (27) participou de audiência pública no Senado. Ele falou sobre os avanços obtidos durante a Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio, realizada no final de 2013, e as perspectivas de normatização do comércio multilateral.
- O Brasil é um país com inclinação natural para o comércio globalizado. Pela sua própria dimensão e complexidade industrial, não pode estar limitado a áreas específicas geográficas. Naturalmente, ele atua em todos os quadrantes do globo como grande fornecedor e comprador importante – afirmou Azevêdo, que em setembro de 2013 assumiu a direção da organização, que reúne 160 países.
Em dezembro, após quatro dias de reuniões em Bali, na Indonésia, a OMC conseguiu desbloquear a Rodada de Doha, como ficou conhecida uma série de debates iniciada em 2001 para dar mais agilidade ao comércio global. As negociações estavam paralisadas desde 2008. O acordo multilateral obtido pela OMC foi o primeiro na história da entidade, nascida um ano após a conclusão da Rodada do Uruguai, em 1994, no Marrocos.
O acordo da Indonésia prevê a utilização de cotas para a importação de produtos, e flexibiliza temporariamente o limite para a formação de estoque público de cereais para distribuição posterior a populações carentes. O acordo também estabelece a redução de entraves burocráticos ao comércio e a simplificação das práticas aduaneiras, para agilizar os trâmites de fronteira. Até dezembro de 2014, os negociadores em Genebra, sede da OMC, deverão concluir o plano de trabalho a respeito de temas que restaram da jornada de Doha, explicou Azevêdo.
O progresso obtido em Bali ajudará a deslanchar novas conversas e vai pautar o grau de ambição de outros temas da agenda, sobretudo no que diz respeito a serviços e bens industriais ou manufaturados, disse o diretor-geral da OMC. Na área agrícola, as negociações envolverão as condições de acesso aos mercados, sobretudo no que se refere a tarifas, subsídios à exportação e subsídios internos.
Azevêdo disse que houve uma mudança de clima considerável, e ressaltou que aqueles que não tinham a menor crença no sistema multilateral de negociações passaram a acreditar na capacidade da OMC de chegar a acordos importantes.
- Os acordos regionais ou preferenciais sempre existiram. Nos últimos anos avançaram, e as negociações com a OMC continuaram paralisadas desde 1995. O que mudou na verdade, depois de Bali, é que as negociações multilaterais estão em andamento uma vez mais. Os acordos preferenciais não são ameaça ao multilateralismo comercial, mas complementares. O que preocupa não é o avanço dos regionais, mas a paralisia dos multilaterais – afirmou.
Para Azevêdo, é necessário que as negociações multilaterais avancem e que o sistema possa contar com as regras do comércio atual, vistos que as normas vigentes e suas disciplinas refletem a realidade dos anos 80, quando não existia nem internet.
- Todos os membros da OMC reconhecem que o sistema multilateral é único, permite ganhos em escala global, e que a OMC é um instrumento chave para a governança econômica mundial. Precisamos imprimir velocidade ao processo de atualização das regras – afirmou.
Azevêdo ressaltou que o Brasil sempre foi ativo no sistema de solução de controvérsias na OMC, da qual é um dos maiores usuários. Ele afirmou que o contencioso não foi feito para criar embaraços, mas para despolitizar, dar tratamento técnico e jurídico para evitar embaraços futuros.
- Cada país tem suas sensibilidades, e as negociações precisam levar essas sensibilidades em conta, tentar encontrar soluções. É importante tentar conseguir acordos que sejam viáveis, evitando resultados ambiciosos e divergentes entre os países, como no passado, o que paralisou o sistema multilateral. Não podemos continuar paralisados, perdendo contato com a realidade atual – afirmou.
Em resposta ao presidente da CRE, senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), o diretor-geral da OMC disse que não vê dificuldades em conciliar acordos regionais e multilaterais, uma vez que ambos começam a ser vistos como parâmetros a ser alcançados e incorporados nas discussões multilaterais. O que se deve evitar, afirmou, são regras incompatíveis que dificultem as operações comerciais.
Azevêdo disse ainda que o Mercado Comum do Sul (Mercosul) “jamais” será ignorado no comércio mundial, por agregar economias de tamanho considerável e de expressão continental.
- Como todo bloco, [o Mercosul] tem suas dificuldades de articulação externa e interna, algumas com maior ou menor intensidade. Não vejo nenhuma anomalia no Mercosul do ponto de vista de tensões nas negociações comerciais. São ciclos diferentes nos blocos, e as negociações tendem a avançar – afirmou.
Durante a audiência pública, a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) adiantou que a CNA, que preside, vai pedir a abertura de painel junto à OMC sobre a nova lei agrícola dos Estados Unidos, por entender que a norma, aprovada recentemente, causa prejuízo bilionário aos produtores brasileiros.
O requerimento da audiência pública, realizada em conjunto com a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) e a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), foi apresentado pelo senador Luiz Henrique (PMDB-SC) e pela senadora Ana Amélia (PP-RS).
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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