Jornalista australiano critica 'tolerância' brasileira ao infanticídio em aldeias indígenas
Soraya Mendanha | 29/11/2012, 18h55
O jornalista australiano Paul Raffaele manifestou indignação, em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos (CDH) nesta quinta-feira (29), com o que chamou de tolerância do governo brasileiro à prática do infanticídio em tribos indígenas isoladas.
Durante cerca de duas semanas de convivência com os índios Suruwahás, no Sudoeste do Amazonas, para produzir o documentário Amazon's Ancient Tribe - First Contact, Paul constatou que o grupo incentiva o assassinato de recém-nascidos deficientes ou filhos de mães solteiras, por acreditarem que são maus espíritos.
O jornalista afirmou que a Funai, e consequentemente o governo brasileiro, faz vista grossa à prática e que essa tolerância escapa de sua compreensão.
- Acredito que a Funai seja o órgão errado para administrar os territórios indígenas. O departamento está cheio de antropólogos que querem proteger a pureza cultural dos índios, mesmo quando isso envolve enterrar bebês vivos ou abandoná-los na floresta para serem comidos vivos por onças e outras feras - destacou.
Paul Raffaele disse discordar da política da Funai e do governo brasileiro de tentar manter tribos indígenas isoladas do resto da sociedade. Segundo ele, ao agirem assim, concordam e aprovam com uma das piores violações aos direitos humanos em todo o mundo.
- Não consigo entender por que não há, no Brasil, uma grande discussão a respeito do assunto. Como o povo brasileiro aceita as regras desses antropólogos? Não conheço nenhum outro país no mundo que aceite crianças enterradas vivas - ressaltou.
O jornalista, que trabalha há cerca de 50 anos visitando tribos isoladas, disse que, na maioria dos locais em que esteve, os jovens queriam ter contato com o mundo externo para buscar formação educacional e conhecimento. Raffaele afirmou que a Funai desencoraja esse tipo de atitude e incentiva os índios a permanecer na “Idade da Pedra”.
- Eles não perguntam o que os índios, principalmente os jovens, querem. Eles dizem a esses jovens o que devem fazer. Fecham as tribos no que eu chamo de museu antropológico vivo - disse.
Raffaele lembrou que membros da Funai e do governo brasileiro negam que ainda haja assassinato de bebês e crianças em tribos indígenas, mas ressaltou que existem provas contundentes que comprovam a prática, especialmente entre tribos mais isoladas.
- Não estou falando de algo que aconteceu há séculos. Pode ter acontecido ontem e acontecer amanhã. Está na hora de o governo brasileiro ficar do lado de todas as suas crianças e não apenas daquelas não indígenas - disse.
O senador Magno Malta (PR-ES), autor do requerimento da audiência, criticou a posição dos que defendem o ato como uma prática cultural. Ele disse acreditar que a cultura é sempre menor do que a vida e que não há justificativa para qualquer tipo de defesa à morte.
- Deus não criou a cultura, criou a vida - destacou.
Representantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Ministério Público e parlamentares presentes à udiência ressaltaram a importância do tema e afirmaram que debaterão o assunto dentro dos órgãos, para que possam ser desenvolvidos projetos que levem mais cidadania às comunidades indígenas isoladas.
Os índios Suruwahá vivem em uma área no município de Camaruã, no Sudoeste do Amazonas. O grupo, composto hoje por cerca de 140 pessoas, é também conhecido como “povo do veneno”, devido à prática e veneração do suicídio, que constitui uma das características mais marcantes de sua cultura.
O consultor legislativo Fabiano Augusto Martins Silveira, representante do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), afirmou que as condutas verificadas na tribo podem ser classificadas não só como infanticídio, mas também como homicídio. De acordo com ele, cabe aos órgãos de proteção agir para impedir suicídios e homicídios.
- Não podemos ser tolerantes com aqueles que aceitam ou propagam a morte - disse.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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