Relatório aponta crimes cometidos por Demóstenes para favorecer Cachoeira

Isabela Vilar | 25/06/2012, 23h33

Despachante de luxo de Cachoeira. Esse era o papel do senador Demóstenes Torres (sem partido-GO), segundo o relator do processo disciplinar por quebra de decoro no Conselho de Ética do Senado. No voto pela cassação de Demóstenes, Humberto Costa (PT-PE) afirmou que o senador goiano cometeu vários crimes para favorecer interesses de Carlinhos Cachoeira, como advocacia administrativa, formação de quadrilha, favorecimento pessoal e favorecimento real.

- Afirmo, sem tergiversar, que o senador Demóstenes Torres teve um comportamento incompatível com o decoro parlamentar - disse o relator.

No relatório, de 79 páginas, Humberto Costa rebate alegações da defesa de Demóstenes, expõe contradições entre o que disse o senador e o que apontam as escutas da Operação Monte Carlo, que prendeu Cachoeira, acusado de comandar uma organização criminosa. O relator trata, ainda, do recebimento de vantagens ilícitas e do envolvimento de Demóstenes com a lavagem de dinheiro do empresário, com sua logística de proteção, e com o uso da imprensa.

- Considerado todo o conjunto da obra, é impossível não concluir que ela o desabona.  Quem o julga somos nós; mas é o seu passado que o condena - declarou.

Sobre ao pedido de demóstenes para que o julgassem por seus feitos, não por suas palavras, o relator disse considerar que, nesse tipo de julgamento, é preciso julgar a “harmonia entre palavras e feitos”.

Humberto Costa rebateu as alegações da defesa sobre a ilegalidade das escutas da Operação Monte Carlo, o que impediria o conselho de usá-las para embasar o relatório. Para ele, esse é um aspecto que deve ser levado em conta pela justiça e não pelo Conselho de Ética, em que o juízo a ser emitido é eminentemente político.

Braço político

No relatório, Humberto Costa conclui que a vida política do senador Demóstenes, desde 1999, gravita em torno dos interesses de Carlinhos Cachoeira Na exploração de jogos de azar. O papel do senador não seria operacional, mas sim de “braço político”, facilitador institucional que poderia auxiliar na manutenção e na satisfação dos interesses de Cachoeira.

Para o relator, o envolvimento entre o senador e o empresário é notório, assim como o fato de as relações não se limitarem ao campo social. Ele lembrou que, em 316 dias, foram registradas pela polícia 416 conversas telefônicas entre Demóstenes e Carlinhos Cachoeira. Além disso, o senador teria mantido 25 conversas com pessoas apontadas como membros da organização. E Demóstenes teria sido citado em outras 315 conversas.

Para o relator, Demóstenes “se deixou instrumentalizar por Cachoeira”, que se valeu do prestígio do senador para fazer prevalecer seus interesses.

- Estamos diante de um mandato parlamentar corrompido.

Despachante de luxo

O relator cita diversas situações em que Demóstenes teria atuado em favor dos interesses de Cachoeira em órgãos como Anvisa, Ibama, Infraero, Dnit e Ministério da Educação, além de governos estaduais e prefeituras. É nesse contexto, afirma o relator, que Demóstenes teria cometido o crime de advocacia administrativa.

- Nas conversas telefônicas interceptadas há, à saciedade, diálogos que tratam de “jeitinhos” em despachos alfandegários ou “negócios” na tramitação de processos administrativos tributários - lembrou o relator.

Humberto Costa citou a atuação de Demóstenes, admitida pelo próprio, em favor da empresa farmacêutica Vitapan, com sede em Anápolis. A Vitapan é uma sociedade de Cachoeira com seu ex-cunhado, Adriano Aprígio de Souza e sua ex-mulher, Andréa Aprígio de Souza.

No Ministério da Educação, o senador teria buscado autorização para o Instituto Nova Educação, do qual é sócio, e para uma escola de medicina vinculada à Faculdade Padrão, que pertence a Walter Paulo Santiago. Santiago é o dono da casa em que Cachoeira foi preso em fevereiro.

O relatório também cita a atuação de Demóstenes na assistência a policiais presos em operação que investigava o envolvimento deles com grupos de extermínio em Goiás.

- O representado estava ciente, acompanhou de perto os acontecimentos e, na hipótese que lhe seria mais vantajosa, explorou seu prestígio.

Quadrilha

O relatório também cita o uso, por parte de Demóstenes, de telefone celular Nextel com contas pagas por Cachoeira, Para Humberto Costa, não interessa o valor das contas e sim o fato de ela ser paga pelo empresário.

- Como se verdadeiramente estivesse em questão o valor do aparelho, ou o valor das faturas mensais e não o caráter de uma relação com um empresário, melhor dizendo, um meliante, que cobria as despesas de um senador da República.

Para o relator, os celulares, usados também por outros integrantes da organização, eram “uma peça na engenharia do crime organizado, uma rede fechada de comunicação utilizada para a prática de crimes”. O uso dos aparelhos, segundo o senador, é elemento importante para apuração da prática de crime de formação de quadrilha.

O relatório também menciona trechos das gravações que apontam para o recebimento de dinheiro por Demóstenes e traz a afirmação de que as contribuições de Cachoeira para a campanha do senador seguem o padrão de caixa dois. O fato de não haver nas prestações de contas perante a Justiça Eleitoral vestígio de contribuições de Cachoeira desde 2002, se deveria ao fato de o grupo se esforçar para “não deixar a digital em nada”.

Contradições

Em seu depoimento ao Conselho em maio, Demóstenes afirmou ter conhecido Cachoeira na época em que era Secretário de Segurança Pública do Estado de Goiás, na gestão do Governador Marconi Perillo. Segundo Humberto Costa, não é crível que um Secretário de Segurança Pública, que já havia sido promotor, desconhecesse as atividades de Cachoeira.

Humberto Costa também lembrou o fato de Demóstenes ter dito ao conselho que não se lembrava de ter participado da CPI dos Bingos, iniciada em 2005 com base em uma gravação feita por Cachoeira, “empresário do setor de jogos”. Humberto Costa lembrou que Demóstenes foi um dos responsáveis pela criação da CPI, além de ter participado como “implacável inquisidor”.

- Mas o Senador Demóstenes Torres não guarda memória alguma desses eventos - ironizou o relator, para quem Demóstenes “foi tomado por súbita amnésia” em relação a fatos recentes da vida nacional.

Segundo o relator, a postura de Demóstenes na CPI dos bingos mudou quando a comissão investigou as questões pertinentes a Cachoeira.

- O senador Demóstenes Torres adotou postura distinta da que usava para atacar autoridades públicas: recolheu-se, acautelou-se.

Humberto Costa também citou gravações telefônicas que apontam para o conhecimento de Demóstenes sobre as atividades do amigo, como quando, ao tratar de projeto de lei que tornaria crime a exploração de jogos de azar exercida, teria dito a Cachoeira: “isso te pega”.

O interesse de Demóstenes pelo tema da legalização dos jogos de azar, segundo Humberto Costa, vem desde o início de seu mandato, em 2003. O relator lembrou que, em julho daquele ano, o senador mencionou em plenário, sem citar a fonte, futuros investimentos do setor de cassinos no Brasil. Além disso, demonstrou conhecimentos sobre o setor de apostas pela internet, em que Cachoeira avançava.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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