Especialistas avaliam assistência técnica prestada ao pequeno agricultor familiar

Paulo Sérgio Vasco | 23/03/2012, 19h44

Um ajuste de linhas de crédito mais compatíveis com o pequeno produtor rural foi defendido nesta sexta-feira (23) em audiência publica que avaliou a oferta da assistência técnica e rural no âmbito da agricultura familiar.

Outras sugestões, como o aperfeiçoamento da política de preço mínimo e armazenagem, a diminuição dos riscos de seguro agrícola e a redução no custo da água também foram apresentadas pelos participantes do debate, realizado na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA).

Os debatedores defenderam a manutenção da assistência técnica e extensão rural “pública, gratuita e forte”, como instrumento de apoio tecnológico a milhares de pequenos produtores familiares, e a organização de sua base produtiva em consórcios, condomínios e cooperativas.

O repasse de informação tecnológica precisa atender a uma demanda que não havia em épocas passadas, sem falar nas exigências ambientais da modernidade e a inserção no mercado de trabalho, afirmou o representante do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Helídio José Rocha.

Helídio disse que este é o momento adequado para se discutir tanto a assistência técnica e a extensão rural, diante das transformações que ocorrem em todos os setores, como a forma com que a política agrícola tem sido vista no sistema de sustentabilidade.

“Cultura da Terra”

Segundo Helídio, o mundo vive um processo de êxodo rural, com a população urbana perdendo a cultura da terra, o que sobrecarrega a população do campo (16% no Brasil), que tem que produzir alimento para a porção que vive nas cidades.

- A China já virou esse patamar, hoje mais de 50% de sua população é urbana. A população rural tem ficado em uma faixa etária maior. O jovem tende a ir para o urbano- afirmou.

Helídio destacou que o Brasil passou a grande importador de alimentos e reforçou a sua balança comercial, em razão de sérias inovações tecnológicas e avanço em pesquisa. Ele afirmou, porém, que o modelo de desenvolvimento agropecuário do Brasil precisa melhorar muito.

- Temos produção sustentável em algumas áreas, a convencional já está com esse estoque tecnológico. O Brasil virou um player, mas com uma série de desequilíbrios – afirmou.

Entre estes, Helídio citou a concentração tanto dos fatores de produção como da produção em si. Ele explicou que poucos estabelecimentos (menos de 10%) respondem pela maior parte da produção agrícola brasileira.

Aumento da produtividade

Se o Brasil mantivesse a mesma tecnologia dos anos 60, afirmou Helídio, o país teria que ocupar mais 145 milhões de hectares só para a produção de grãos, Na pecuária, a área ocupada com o rebanho seria de 430 milhos de hectares a mais.

- A tecnologia reduziu o processo de expansão horizontal na agricultura, a produção do país cresceu pela produtividade, mas ainda há muito o que fazer - afirmou.

Helídio destacou que o Brasil até há pouco era importador líquido de alimentos, recebendo milhares de toneladas de trigo para combater a fome. Hoje, o país exporta para 215 destinos diferentes.

- Temos oportunidade de melhorar, evoluir na cana de açúcar, a pecuária pode ser mais produtiva. Na agricultura, chegamos ao topo, mas vemos que temos mais ainda. A capacidade genética das plantas é muito maior da que obtemos hoje – afirmou.

O Brasil é o 14º emissor de gás efeito estufa no mundo, ressaltou Helídio, e o país tende a assumir responsabilidades comuns e diferenciadas. A meta do ministério, afirmou, é duplicar a produção agropecuária, aumentar a produtividade em 50%, com a redução de perdas e investimentos, e preços compatíveis com um mercado melhor.

Desafios Futuros

Os custos trabalhistas e de logística foram outros desafios citados por Helídio. Segundo ele, os desafios pressionam o sistema de produção na propriedade, o que exige uma visão de transformação da agricultura convencional tecnológica em “alguma coisa mais eficiente e resiliente”, com mais equidade ao longo da cadeia.

- Mesmo o empregado rural precisa ser valorizado, e a produção de alimentos está aí. Ninguém quer mais um alimento com risco. Tudo isso influencia nos projetos agropecuários, e a questão tecnológica é central nisso – afirmou.

A segurança alimentar também foi citada por Helídio, devido ao considerável aumento da demanda por alimentos desde 2000. Até 2030 a população mundial, hoje em torno de 7 bilhoes de habitantes, crescerá em 1,7 bilhao de pessoas. Haverá inda o decréscimo de terras agricultáveis pela expansão imobiliária, associado ao desaparecimento de outras áreas em virtude das mudanças climáticas, afirmou.

- Vamos ter que produzir mais na mesma área com eficiência energética. O Brasil é o país que tem a maior qualidade de terras cultiváveis no mundo – afirmou.

Renegociação de dívidas

Já o secretário de Política Agrícola da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Antoninho Rovaris, chamou atenção para a renegociação da divida dos produtores familiares. Ao longo dos últimos 16 anos, afirmou, os produtores não tiveram efetiva assistência técnica para buscar a melhor condução tecnológica de suas lavouras. Ele disse ainda que os recursos oficiais ainda não atendem a todos os  agricultores.

- A recuperação de política publica de extensão rural não surte resultados imediatos, temos que ter compreensão muito clara que esse é um processo gradativo. Os recursos têm aumentado. Precisaríamos de R$ 2 bilhões por ano para fazer assistência digna – afirmou.

Para o chefe de gabinete do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Brady, a assistência técnica na agricultura familiar precisa ser feita para elevar a produção de alimentos, com a geração de valor agregado, sobretudo em razão do recente crescimento da classe média no Brasil.

A classe C, aliás, “precisa muito” de assistência técnica e extensão rural, defendeu Daniel Küppel Carrara, representante do Senar, entidade que conta com 4.500 técnicos distribuídos no país. Ele disse que o papel do extensionista junto à classe C costuma ser substituído pelos vendedores de lojas de materiais e insumos agrícolas, o que nem sempre garante menor custo e rentabilidade para os produtores.

Apreensão

Durante a audiência pública, a palavra foi passada ao extensionista rural e engenheiro Júnior, que atua no escritório da Emater em Formosa (GO) e tem 27 anos de experiência profissional. Ele acompanhava o debate da platéia e expôs aos participantes os motivos de sua apreensão.

- As políticas públicas são muito boas, mas não têm chegado na base – afirmou.

Júnior provocou risadas ao afirmar que a extensão rural “está abaixo do que estão pregando”, e que a assistência técnica “vai bem” em apenas alguns estados do país. A título de comparação, ele citou que a área do município de Formosa, que conta com três técnicos e dois carros da Emater, é maior que a do Distrito Federal, onde a empresa de extensão rural local possui 110 técnicos e 80 veículos no campo.

- As políticas são ótimas, mas falta o elo de ligação, que é o extensionista – resumiu.

Na próxima sexta-feira (30), a CRA estará reunida em Cacoal para debater a agricultura do café no estado.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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