Bispo do Rosário: vanguardista à margem das vanguardas

Da Redação | 06/12/2010, 21h47

Tendo vivido mais de 50 anos como interno de uma instituição psiquiátrica, a Colônia Juliano Moreira, no Rio, o ex-marinheiro Arthur Bispo do Rosário realizou trabalho artístico considerado por muitos como "de vanguarda". A diferença entre ele e vanguardistas da estirpe do francês Marcel Duchamp (1887-1968) é que não sabia que era vanguardista. E nem o que era vanguarda artística.

O brasileiro e o francês estavam seguramente na mesma sintonia. Têm em comum, por exemplo, um vaso sanitário como objeto conceitual. O do francês é de louça; o do brasileiro, de madeira e tampa plástica.

Mas Bispo do Rosário fazia apenas o que seu inconsciente lhe pedia (ou exigia). Foi dando vazão a conteúdos assombrosos - para ele, manifestações místicas - que se tornou um tipo de artista não intencional. Duchamp, ao contrário, refletia sobre arte e propunha inovações: tinha, portanto, consciência clara do que estava fazendo.

Bispo do Rosário, sergipano de Japaratuba, nasceu em 1909 (ou 1911) e morreu em 1989. A partir da valorização de manifestações artísticas de indivíduos com transtornos mentais, tornou-se conhecido. Suas obras devem inclusive ganhar um local permanente de exibição em 2011, algo semelhante ao que ocorreu com os trabalhos realizados pelos pacientes da Dra. Nise da Silveira, discípula de Carl Yung, no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Engenho de Dentro, Rio de Janeiro.

Por se recusar a aplicar eletrochoques nos doentes, a Dra. Nise foi transferida em 1944 para a área de terapia ocupacional. Ali, criou ateliês de pintura e modelagem, de modo que os doentes pudessem "reatar seus vínculos com a realidade através da expressão simbólica e da criatividade", de acordo com a Wikipedia. Em 1952, ela fundaria o Museu das Imagens do Inconsciente. 

Conforme a psicanalista Maria Clara Queiroz Corrêa, Bispo e a Dra. Nise não chegaram a se conhecer. O artista deixou o Pedro II pouco antes de a terapeuta iniciar suas atividades no instituto. "O sofrimento do lugar, a agitação dos pacientes fizeram com que Bispo desejasse sair de lá", explica Maria Clara. 

De louco a artista valorizado, Bispo do Rosário seguiu uma longa trajetória. Igualmente demorada é a mudança cultural da sociedade brasileira, que pouco a pouco está passando a enxergar seres humanos e cidadãos onde antes via animais a serem trancafiados. Um sinal claro dessa mudança é a estátua erguida em sua homenagem na cidade natal. O mais comum é que se ergam estátuas de heróis, cavaleiros empertigados, austeros senhores de casaca - não de indivíduos cuja vida foi marcada por uma visão do mundo ao mesmo tempo delirante e rica. 

É por causa dessa nova consciência, insuflada por revolucionários como a Dra. Nise, que uma casa legislativa está recebendo a exposição Obravida - Sonho e realidade. Bispo do Rosário certamente nunca imaginou que um dia entraria no mundo da política.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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