Gravação de 'Chega de Saudade' marca o nascimento da bossa nova
Da Redação | 01/08/2008, 17h45
Para a História da MPB a bossa nova nasceu, formalmente, naquele 10 de julho de 1958, quando João Gilberto gravou, na Odeon, um disco 78 rpm, trazendo Chega de Saudade, de um lado, e Bim Bom, do outro. Os arranjos foram feitos por Antonio Carlos Jobim, que também dirigiu a orquestra. "Aquele novo jeito de cantar e tocar de João Gilberto ensolarava tudo", resume o cineasta, escritor e crítico de arte Ruy Castro.
O famoso disco Canção do Amor Demais, gravado três meses antes, em abril de 1958, por Elizete Cardoso, não foi o que lançou a bossa nova, apesar da opinião em contrário de uma minoria. O fato era que, apesar do repertório, todo ele de canções da dupla Tom Jobim e Vinícius de Moraes, e da participação do violão de João Gilberto em duas faixas, entre as quais a própria Chega de Saudade, Elizete, cantora de muito prestígio, não tinha o perfil musical afinado com as mudanças que pulsavam dentro daquelas canções.
Tom havia composto no sítio da sua família - Poço Fundo, na região serrana do Rio - o que ele pretendia que fosse um choro em duas partes. Ao retornar para o Rio procurou Vinícius de Moraes, com quem havia acabado de compor as músicas para a peça Orfeu da Conceição, encenada no mesmo ano de 1958 no Teatro Municipal, a quem mostrou a música que compôs no sítio.
Em crônica publicada no jornal Última Hora, dez anos depois, Vinícius rememoraria como foi o encontro com o parceiro:
"Tom repetiu umas dez vezes. Era uma graça total, com um tecido melancólico e plangente, e bastante 'chorinho lento' em seu espírito. Fiquei de saída com a melodia no ouvido e vivia a cantarolá-la dentro de casa, à espera de uma deixa para a poesia. Aquilo, sim, me parecia uma música realmente nova, original, inteiramente diversa de tudo que viera antes dela, mas tão brasileiro quanto qualquer choro de Pixiguinha ou samba de Cartola. Um samba todo em voltas, onde cada compasso era uma queixa de amor, cada nota uma saudade de alguém longe.
"Mas a letra não vinha. De vez em quando, eu me sentava à minha mesa, diante da janela que dava para o Corcovado (a casa foi, é claro, transformada num prédio de apartamentos) e tentava. Mas o negócio não vinha. Acho que em toda a minha vida de letrista nunca levei uma surra assim. Fiz dez, vinte tentativas. Houve uma ocasião que dei o samba como pronto, à exceção de dois versos finais na primeira parte, que eu sabia quais eram, mas que não havia maneira de encaixarem na música, numa relação de sílaba com sílaba. Já estava ficando furioso, pois Tom, embora não me telefonasse reclamando nada, estava esperando pelo resultado.
"Uma manhã, depois da praia, subitamente a resolução chegou. Fiquei tão contente que cheguei a dar um berro de alegria, para grande susto de minhas duas filhinhas. Cantei e recantei o samba, prestando atenção a cada detalhe, a cor das palavras em correspondência à da música, à acentuação das tônicas, aos problemas de respiração dentro dos versos, a tudo. Queria, depois dos sambas do Orfeu, apresentar a meu parceiro uma letra digna da sua nova música, pois eu a sentia nova, caminhando numa direção a que não saberia dar nome, mas cujo nome estava implícito na criação. Era realmente a bossa nova que nascia, a pedir, apenas, na sua interpretação, a divisão que João Gilberto descobriria logo depois.
"Dei o título de Chega de Saudade, recorrendo a um dos seus versos. Telefonei para Tom e dei um pulo no seu apartamento. O jovem maestro sentou-se ao piano e cantei-lhe o samba duas ou três vezes, sem que ele dissesse nada. Depois, vi-o pegar o papel, colocá-lo sobre a estante do piano e cantá-lo, ele próprio. E, em breve, chamar a sua mulher em tom vibrante: 'Teresa!'".
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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