CPI da Terra encerra atividades com relatório final da bancada ruralista

Da Redação | 02/12/2005, 00h00

Marcada por uma profunda divisão ideológica, a comissão parlamentar mista (formada por senadores e deputados federais) de inquérito que analisou e investigou os conflitos fundiários no país - a CPI da Terra - encerrou suas atividades sob intensa polêmica. O relatório apresentado pelo deputado federal João Alfredo (PSOL-CE), defensor da reforma agrária e simpatizante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), foi rejeitado em votação na qual prevaleceu a vontade da bancada ruralista. João Alfredo era relator da comissão. No lugar de seu texto, foi aprovado o relatório paralelo do deputado federal Abelardo Lupion (PFL-PR), que apresenta um projeto de lei que define a invasão de propriedade como "ato terrorista".

O documento de Lupion, um dos principais líderes da bancada ruralista no Congresso, também retira qualquer menção ao envolvimento da União Democrática Ruralista (UDR) com a violência no campo e recomenda o indiciamento de três pessoas vinculadas ao MST.

Ao protestar contra essa decisão, a senadora Ana Júlia Carepa (PT-PA) rasgou uma cópia do relatório aprovado, afirmando que não seria "cúmplice do assassinato de trabalhadores rurais".

 O que houve aqui foi um confronto de natureza ideológica - afirmou o presidente da CPI, senador Alvaro Dias (PSDB-PR), após a última audiência da comissão.

Para o senador, o principal culpado pela violência no campo é o Poder Executivo, a quem ele atribui a responsabilidade pela desorganização fundiária do país. Alvaro Dias também critica a ineficiência do governo federal para cumprir suas próprias metas de assentamentos rurais.

O presidente da CPI disse que encaminhará os dois relatórios para o Poder Executivo - incluindo-se aí o Ministério Público. Segundo ele, o documento rejeitado, de autoria de João Alfredo, "também pode oferecer subsídios importantes às autoridades". Mas ressalvou que, "em termos legais, o que vale é o relatório aprovado".

Dois anos de atividades

Desde a sua criação, no final de 2003, a CPI da Terra ouviu o depoimento de mais de cem pessoas, entre proprietários de terras, trabalhadores rurais, pesquisadores e funcionários do governo. Também quebrou 21 sigilos bancários, fiscais e telefônicos de pessoas ou entidades sob investigação - como foi o caso da UDR e de duas entidades ligadas ao MST: a Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca) e a Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária no Brasil (Concrab). Além disso, a comissão realizou audiências em nove estados, sendo duas delas no Pará, onde os integrantes da comissão ouviram os fazendeiros acusados pela morte da freira Dorothy Stang.

Essa missionária de origem norte-americana, ao defender pequenos agricultores locais e um projeto de desenvolvimento sustentável, acabou se contrapondo aos interesses de grileiros e de madeireiras ilegais. Seu assassinato, aos 73 anos, em fevereiro deste ano, evidenciou de forma dramática o ambiente de violência e impunidade que existe naquele estado - até o início do ano, o Pará era o estado brasileiro com o maior índice de mortes violentas no campo. Segundo o deputado João Alfredo, foram mortos em todo o país mais de 1.300 trabalhadores rurais entre 1985 e 2004, sendo que apenas 15 mandantes de crimes acabaram condenados.

Mas, se por um lado a UDR é acusada de estimular a violência sistemática contra os agricultores sem-terra - inclusive por meio da contratação de milícias armadas -, por outro o MST vem sendo denunciado por desvio de verbas da União. Em outubro, Alvaro Dias apresentou um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) que indica irregularidades no uso de recursos do governo federal por parte da Anca e da Concrab, entidades vinculadas ao MST. O senador disse que o TCU poderá pedir o ressarcimento de R$ 15 milhões aos cofres públicos.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)