A permanência da Constituição de 88

Da Redação | 08/10/2003, 00h00

As obras humanas se fazem com a vocação da permanência. Constrói-se uma casa não para reformá-la dentro de meses, mas na esperança de que por muitos anos atenda às necessidades da família. Assim, também, escrevem-se as constituições: com os votos de que se mantenham para sempre. Todos, no entanto, sabemos da transitoriedade do texto constitucional, segundo a tradição latino-americana: o sentimento, no fundo, é de que seja infinito enquanto dure, como no verso do soneto primoroso de Vinicius de Moraes.

E assim ocorre porque constituições como as brasileiras - e já estamos na oitava - são fruto das circunstâncias sociais e do momento político que lhes dão identidade. São o espelho do tempo em que foram escritas, com o rastro das forças e das pressões que sobre elas se exerceram, com a marca dos desejos do povo e dos pleitos da opinião pública. Não admira, pois, seja essa a trajetória da Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988. Há 15 anos, vivia a nação brasileira um dia histórico, quando Ulysses Guimarães passou às mãos do povo aquela que anunciou como a Constituição coragem, a Constituição cidadã, a Constituição federativa, a Constituição representativa e participativa, a Constituição fiscalizadora.

Entendam-se tantos adjetivos para um documento que deve ser, fundamentalmente, substantivo: é que raiava para o Brasil a aurora da liberdade e da democracia, após a longa e tormentosa noite da violência e da ditadura. Se em 1937 e 1967 outorgaram-se constituições em nome do arbítrio e da intolerância, chegara a vez de uma carta em defesa dos valores democráticos, das conquistas sociais, dos direitos humanos.

Esse, o aspecto que diferencia as cartas latino-americanas de constituições como a dos Estados Unidos. Quando não consuetudinárias - ou seja, basicamente alicerçadas nos costumes, a exemplo da inglesa -, são textos constitucionais em que se inscrevem apenas os princípios elementares que fundamentam o estado e orientam a nação. Bem outra é a experiência dos povos latino-americanos: revoluções e golpes e motins deram às constituições desses países uma natureza imediata, instrumentando-as para resolver os problemas do aqui e do agora. Nesse ponto, a Constituição brasileira de 1988 mostra-se, com sabedoria, um meio-termo entre as duas espécies constitucionais: abrange minúcias do nosso cotidiano político-administrativo sem, no entanto, esquecer-se de reafirmar os princípios históricos a que somos fiéis, como povo que tem na liberdade e na democracia um patrimônio de que sempre se orgulhou.

Por maiores que sejam os reparos à Constituição de 1988, apresenta-se ela, indubitavelmente, como a melhor entre as oito a que chegamos. Passados 15 anos, continua a ombrear com as mais modernas e mais avançadas do mundo. Poucas, como a nossa, legislam tão vigorosamente em favor do cidadão, do trabalhador, da família, da mulher, da juventude, dos idosos, das minorias e do meio ambiente.

Há lacunas e defeitos? Sim, à espera de que os corrijamos. O primeiro a mencioná-los foi Ulysses Guimarães: "Não é a Constituição perfeita. Se fosse perfeita, seria irreformável. Ela própria, com humildade e realismo, admite ser emendada, até por maioria mais acessível, dentro de cinco anos".

Se a revisão prevista ficou aquém do desejável, agora nos dispomos a promover a reforma necessária ao desenvolvimento econômico e à justiça social a que tem direito o Brasil. Não nos falta a coragem para fazer o que deve ser feito, nem a consciência de que nos cumpre manter o espírito, a natureza, a substância do texto constitucional.

Concordamos com o inesquecível companheiro Ulysses Guimarães: "Esta Constituição terá cheiro de amanhã, não de mofo". Compete-nos, portanto, reformá-la e aperfeiçoá-la, para que continue a ser a carta de navegação a nos apontar a rota do desenvolvimento econômico e da justiça social, por onde alcançaremos o grandioso futuro a que se destina o povo brasileiro.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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