Três anos depois de aprovada, Lei do Feminicídio tem avanços e desafios

Guilherme Oliveira e Nelson Oliveira | 27/03/2018, 09h56

Quando aprovou a Lei do Feminicídio, sancionada em março de 2015, o Congresso deu um passo importante para resguardar a mulher da brutalidade do seu agressor. O feminicídio qualifica o assassinato quando a mulher é morta por questões de gênero. Mas os números desse crime mostram que não basta punir. É preciso também aumentar a rede de proteção à mulher e mudar a “cultura do agressor”.

Segundo o 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em outubro pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o país registrou 449 casos de feminicídio em 2015. Em 2016, as ocorrências passaram a 621. Especialistas afirmam que o aumento, de 38,3%, pode ser explicado tanto por um recrudescimento da violência quanto por um cuidado maior com as notificações. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a taxa de feminicídios no Brasil — de 4,8 para 100 mil mulheres — é a quinta maior do mundo.

Fruto dos trabalhos da CPI Mista da Violência contra a Mulher, que funcionou em 2012, a Lei do Feminicídio (Lei 13.104, de 2015) não introduziu um “crime novo” no Código Penal. A rigor, o feminicídio é um agravante do crime de homicídio, uma circunstância específica que transforma o ato em homicídio qualificado. A pena para o crime vai de 12 a 30 anos de reclusão. Mas pode ser elevada em até 50% caso o crime seja praticado na presença de filhos, pais ou avós da vítima, durante a gestação ou nos três meses imediatamente pós-parto e ainda contra vítima menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência.

O Observatório da Mulher contra a Violência e o Instituto DataSenado, ambos vinculados à Secretaria de Transparência da Casa, realizam pesquisas com mulheres de todo o país para elaborar uma série histórica da violência de gênero. Em 2017, a pergunta “Você já sofreu algum tipo de violência doméstica ou familiar provocada por um homem?” foi respondida positivamente por 29% das entrevistadas — índice consideravelmente maior do que nos 12 anos anteriores, em que a taxa oscilou entre 15% e 19%.

Combate

Para o coordenador do observatório, Henrique Marques Ribeiro, entender o porquê da variação é crucial para avaliar se o caminho que o Brasil percorre atualmente no combate ao problema é correto ou não.

— A política pública está falhando porque está aumentando a violência ou está tendo sucesso porque está identificando de forma mais clara o que é violência?

Seja como for, no Brasil, menos de 10% dos municípios contam com delegacias especializadas de atendimento à mulher. O coordenador do Núcleo de Direitos Humanos do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Thiago Pierobom, chama a atenção para outra constatação que considera significativa para a análise das redes de atendimento: segundo ele, um número expressivo de vítimas ainda tem receio de procurar ajuda institucional.

— Muitas mulheres não denunciam a violência com medo de que o agressor sofra algo que elas representam como sendo excessivo. A reprimenda que o sistema oferece tem que levar em consideração a expectativa das mulheres. Senão elas não vão denunciar — pondera o promotor.

Segundo Pierobom, as mulheres que se encaixam nessa descrição têm medo de ficar desamparadas caso o companheiro seja preso ou sofra alguma sanção que o leve a perder a fonte de renda.

Em vários casos, a mulher “quer apenas que as agressões cessem”, afirma o psicólogo do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios Fabrício Guimarães.

Projeto aprovado no Senado prevê agravamento de pena

O tempo da pena aplicável ao feminicídio poderá ser aumentado se o crime for praticado contra pessoa portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental. O crime receberá igual tratamento se for cometido na presença física ou virtual de descendente ou ascendente da vítima. É o que prevê um projeto aprovado neste mês pelo Plenário do Senado e que retornou à Câmara.

De acordo com a senadora Simone Tebet (PMDB-MS), o texto (PLC 8/2016) atualiza as situações agravantes previstas na lei. A pena já é aumentada, por exemplo, se o assassinato for cometido na frente de um filho da vítima. A proposta inclui o agravante caso o homicídio seja praticado diante de uma câmera e divulgado pela internet. E assim como já está previsto o agravante de matar uma mulher com deficiência, torna-se mais grave cometer o crime contra alguém com mobilidade reduzida por ter doença incapacitante.

— O projeto não aumenta penas, só as estende em casos já previstos, atualizando o Código Penal para situações mais modernas, seja na parte de informática, da internet, seja nas novas doenças — explica Simone.

Para justificar o projeto, o relator, Eduardo Lopes (PRB-RJ), cita dados do Instituto Avante Brasil, segundo os quais uma mulher morre a cada hora no Brasil. Quase metade dos homicídios são dolosos e praticados em situação de violência doméstica ou familiar, com uso de armas de fogo.

Para especialista, é preciso conscientizar agressor sobre o crime

Responsabilizar o agressor é apenas um dos lados do enfrentamento da violência contra a mulher, segundo a secretária nacional de Políticas para Mulheres, Fátima Pelaes. Para ela, é preciso também fazer com que ele tenha o entendimento do ato que cometeu.

— Quando sai, depois de cumprir a pena, ele arranja outra companheira e volta a cometer o mesmo crime. Presidente da CPI Mista da Violência contra a Mulher, a deputada Jô Moraes (PCdoB-MG) também avalia que há atenção insuficiente a medidas que poderiam prevenir o crime.

— Temos enorme dificuldade em construir uma cultura de prevenção.

Segundo a procuradora especial da Mulher no Senado, Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), o primeiro contato que a mulher tem com a estrutura que a recepciona depois de uma experiência traumática pode ser decisivo para que ela adquira confiança e volte a buscar apoio, para que sua situação seja monitorada. Nesse sentido, a Lei Maria da Penha é a principal referência.

— A Lei Maria da Penha trabalha toda a cadeia da violência, do princípio ao fim. Isso significa prevenir, trabalhando a educação, e prever a assistência à pessoa agredida, à família, a todos os envolvidos e ao agressor.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)