Reforma trabalhista formalizou mais empregos, mas continua contestada

Guilherme Oliveira | 11/12/2018, 10h55

No inicio de novembro, a reforma trabalhista completou seu primeiro ano. A Lei 13.467, de 2017, foi o mais profundo conjunto de alterações já realizado nos dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e representou uma das principais medidas tomadas pelo governo Michel Temer, que se encerrará no fim do ano.

Para a aprovação da proposta, foram quase sete meses de intensas discussões no Congresso e mais de 1.600 emendas apresentadas pelos parlamentares. No Senado, um dos pareceres emitidos pelas comissões temáticas rejeitava o projeto (PLC 38/2017). O relatório do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), favorável ao texto, foi rejeitado pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS), que aprovou o voto em separado de Paulo Paim (PT-RS) em junho. Mesmo assim, a reforma foi aprovada em outras comissões e em Plenário, e promulgada em julho de 2017.

A lei entrou em vigor quatro meses depois, como previsto no texto. A ideia era dar tempo para que os setores produtivo e jurídico se adaptassem às novas normas.

Após um ano de experiência, a avaliação sobre a reforma ainda está sujeita a divergências. A aplicação jurídica de muitas das novas regras não foi imediatamente pacificada, e a regulamentação de diversos trechos não está completa. Em termos de resultado, os efeitos da legislação na geração de emprego são imprecisos.

É possível afirmar, entretanto, que em uma área a reforma vem tendo sucesso verificável: a natureza das relações de trabalho vem se alterando consistentemente e o panorama do mercado no país já é outro em comparação com o quadro existente no final de 2017. Especialistas divergem se essa mudança é positiva ou negativa, mas ambos os lados reconhecem que ela veio para ficar.

Empregos formais

São dois os principais indicadores de desemprego no Brasil. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) registra a porcentagem dos brasileiros em idade ativa que estão desocupados. Já o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) compila a diferença entre contratações e demissões no mercado formal. A Pnad incorpora no seu cenário a informalidade, enquanto o Caged detecta apenas a situação de quem possui carteira assinada.

A Pnad mostra que, no ano de vigência da reforma trabalhista, a oscilação da taxa de desemprego ficou num patamar ligeiramente abaixo do anterior, quando a crise econômica estava no seu auge.

O Caged, porém, mostra uma variação mais drástica. O saldo entre contratações e demissões se manteve consistentemente positivo ao longo de 2018, ao contrário dos anos anteriores.

Na interpretação da assessora especial da Casa Civil Martha Seillier, que trabalhou na elaboração da nova legislação, isso significa que a reforma não reduziu o desemprego geral de forma significativa, mas foi bem-sucedida em trazer mais trabalhadores para regimes formais.

— No Brasil, havia várias pessoas trabalhando sem conseguir se encaixar num contrato formal, porque o modelo não existia. Se a pessoa não ia trabalhar regularmente no mesmo local, no mesmo horário, para o mesmo empregador, tinha dificuldade de encontrar um contrato assinado com os direitos garantidos. Quem estava fazendo “bicos” hoje já pode ter carteira assinada — diz.

As figuras da jornada intermitente (no qual a prestação de serviços não é contínua, mas alterna períodos de inatividade) e da jornada parcial (que não cobre o dia inteiro, apenas determinados períodos) foram inovações introduzidas pela reforma que, segundo Martha, permitiram a mudança. O público mais beneficiado, na sua análise, foi o dos jovens. Muitos deles, quando entram no mercado de trabalho, precisam conciliar o tempo com estudos. Sem um modelo de contrato adequado a essa necessidade, não havia incentivo para empregá-los.

A assessora considera que a retomada do emprego como um todo ainda depende de uma recuperação econômica mais robusta do país.

— Consideramos que os caminhos abertos pela reforma, tudo que ela fez para adequar o mercado à legislação existente, vão ser muito importantes quando a economia de fato aquecer.

Menos direitos

A formalização de regimes diferenciados é entendida por críticos da reforma como a “normalização” de atividades mais precárias. O diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio, afirma que a reforma incluiu uma massa trabalhadora, mas à custa de menos direitos.

— Em parte, a formalização de contratos é verdade. Mas ela vem acompanhada do rebaixamento do padrão protetivo. A nova tendência é reconhecer que há uma desigualdade enorme e estabelecê-la como patamar.

Clemente destaca que uma flexibilização da legislação para trazer para a CLT trabalhadores que persistem na informalidade seria uma medida bem-vinda, desde que fosse atrelada à retomada econômica e pensada para ser revertida à medida que o mercado comportasse um retorno às condições anteriores:

— O processo de formalização tem que vir acompanhado de iniciativas do poder público. Poderia ser uma transição gradativa. Isso é uma coisa. Reconhecer o mercado informal como patamar significa fazer com que ele não se altere na frente.

Outra crítica de Clemente diz respeito ao fim do imposto sindical obrigatório, à possibilidade de homologação individual de acordos e à prevalência de negociações coletivas sobre a legislação. O diretor diz temer um desaparecimento gradual dos sindicatos e das entidades representativas dos trabalhadores. Para ele, essa consequência significaria a hegemonia dos regimes precários, pois não haveria mais atores com força suficiente para reivindicar o contrário.

Estatuto

Durante a análise do projeto de reforma, o governo, num esforço para garantir a anuência do Congresso, se comprometeu a vetar os pontos mais polêmicos antes da sanção. No entanto, isso não ocorreu porque o presidente Temer preferiu editar uma medida provisória com novas regulamentações (MP 808/2017). Jamais debatida ou votada, a MP caiu por encerramento do seu prazo de validade.

O Senado, então, se mobilizou. Em agosto de 2017, foi instalada uma subcomissão destinada à análise de uma proposta de Estatuto do Trabalho. A ideia é que o texto se torne uma nova CLT, se sobrepondo tanto à reforma quanto à legislação trabalhista anterior e estabelecendo ainda mais direitos e garantias.

O texto do estatuto foi apresentado em maio, como sugestão legislativa, tendo Paulo Paim como relator. Foi assinado por entidades de auditores, magistrados e procuradores do trabalho, depois de discutido com entidades sindicais de trabalhadores e de patrões, autoridades e especialistas diversos.

Paim explica que, pela sua complexidade, o projeto deverá levar anos para ser aprovado.

— Faremos muito debate. A centro-direita ganhou as eleições com um projeto ultraliberal, temos que entender isso, e temos que dialogar. A subcomissão já realizou 23 audiências públicas desde a sua instalação — destacou o senador.

Não há prazo definido para a apresentação de um relatório sobre a sugestão (SUG 12/2018). Martha Sellier considera que a evolução do mercado de trabalho exige disposição para adaptar constantemente as regras.

— A legislação trabalhista tem que estar sempre sendo revista para acomodar mudanças que estão se verificando na prática. Seria um retrocesso voltar aos modelos de antes.

Situação jurídica

Assim que entrou em vigor, a reforma suscitou dúvidas quanto ao impacto das novas regras sobre processos trabalhistas. Empregados, patrões, advogados e juízes não se entendiam em relação ao marco inicial de aplicabilidade das normas. Questionavam se elas já incidiriam nos processos e contratos em andamento, ou se apenas sobre os abertos depois do novo código.

A indefinição foi agravada pela situação da MP 808/2017. As suas regras geraram efeitos enquanto ela estava no prazo, mas, após o vencimento, o Congresso precisaria editar um decreto legislativo para pacificar as relações jurídicas decorrentes desses efeitos produzidos na vigência. Como isso não aconteceu, houve três períodos de regras diferentes em vigor: o pré-reforma, o período em que a reforma era modificada pela MP e o período em que a reforma vigorou sozinha.

O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Guilherme Feliciano, diz que a entidade considera muitas das inovações da reforma trabalhista inconstitucionais, como a regulamentação do trabalho intermitente. A Anamatra defende a prerrogativa dos juízes de não aceitarem a aplicação automática das normas e afirma que a avaliação prévia de constitucionalidade é um pressuposto.

— Há pontos de dúvida, inclusive entre advogados e procuradores, e os juízes têm reconhecido, sem anormalidade.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) aprovou, em junho, a Instrução Normativa 41/2018, afirmando que a aplicação das regras da reforma seria imediata, mas, em sua maioria, não afetaria situações iniciadas ou consolidadas antes do dia 11 de novembro de 2017. A instrução, porém, não valeria para questões de direito material (como férias, trabalho intermitente e teletrabalho), que devem ser analisadas caso a caso.

As instruções do TST, no entanto, não têm natureza vinculante. Assim, as instâncias inferiores (juízes e tribunais regionais) não são obrigadas a seguir essa determinação.

Litígio

Uma das metas expressas da reforma era amenizar o litígio trabalhista. Para isso, ela criou restrições ao ajuizamento de ações, instituindo, por exemplo, a sucumbência recíproca. Segundo esse princípio, as despesas processuais são distribuídas proporcionalmente entre as partes em caso de vitória apenas parcial. Se um trabalhador levar uma variedade de reivindicações contra seu empregador ao tribunal e não conseguir provar todas elas, terá que arcar com uma parcela dos gastos, mesmo que seja atendido na maioria das queixas.

No primeiro ano da reforma, o volume de ações trabalhistas no país caiu em cerca de 36%, segundo a Anamatra.

Para Feliciano, porém, é provável que haja uma reversão ao patamar costumeiro em até dois anos, à medida que as regras de aplicação se consolidem. Isso porque a legislação ficou “confusa”, o que fomentará novas disputas. Ele destaca que, no primeiro trimestre pós-reforma, a queda era de 45%, o que pode indicar tendência de estabilização:

— Houve uma redução drástica, mas feita a partir de barreiras que violam a garantia constitucional do acesso à Justiça. Isso não é resolver o litígio, é varrer sujeira para baixo do tapete.

Feliciano avalia que existe no Brasil uma cultura de sonegação de direitos, e que intensificar o ônus da prova para os trabalhadores apenas esconderá esses problemas. Ele vê dois caminhos possíveis: caso as regras mudem, poderá haver um desaguar de novas ações que tenham ficado represadas pela reforma; caso não mudem, a resolução dos problemas virá por meio de conflitos, o que a Justiça do Trabalho deveria evitar.

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Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)