Há 120 anos, pouco eleitor e muito candidato

Ricardo Westin | 06/10/2014, 15h38

Foi em 1894 que os brasileiros tiveram a primeira experiência de ir às urnas para escolher o presidente. Quem compara essa histórica eleição com os pleitos de hoje, porém, no máximo divisa uma vaga semelhança. A começar pelos candidatos. Na primeira eleição direta, a lista com o resultado elencou nada menos que 205 nomes.

O vencedor foi Prudente de Moraes, mas os documentos da votação — que estão guardados no Arquivo do Senado, em Brasília — revelam que os eleitores também fizeram escolhas esdrúxulas.

No final da longa lista, surge uma multidão de desconhecidos. Dos 205 presidenciáveis, 116 tiveram um voto só. Machado de Assis decifrou o estranho fenômeno. Numa crônica, atribuiu a existência de tantos lanterninhas anônimos a votantes que usaram a urna para singelamente homenagear os amigos.

As leis eleitorais eram frouxas em 1894. Não era necessário filiar-se a partido nem oficializar candidatura. O eleitor tinha liberdade para escrever qualquer nome na cédula, até o dele próprio ou o de um cidadão que não fosse candidato.

Ganharam votos até os príncipes Pedro de Alcântara e Augusto de Saxe-Coburgo-Gotha. Foram votos desperdiçados: eles eram netos de dom Pedro II e haviam sido expulsos do país com a família imperial. Parte do eleitorado queria na Presidência o visconde de Ouro Preto, ex-primeiro-ministro do Império.

Floriano Peixoto, o presidente de então, ficou em 16º lugar. Foi outro caso curioso: a Constituição de 1891 era categórica ao proibir a reeleição.

Cartas marcadas

Na prática, Prudente foi aclamado. Dos 351 mil votos totais, obteve 291 mil. Affonso Penna, o segundo colocado, em momento algum representou perigo. Ele amealhou 38 mil votos. Logo abaixo, aparecem figuras como Cesário Alvim, bisavô mineiro do músico Chico Buarque, e Silveira Martins, pivô acidental da queda da Monarquia. Ruy Barbosa recebeu votos nessa eleição e em todas as outras até morrer, em 1923, embora só tenha concorrido oficialmente duas vezes.

Segundo o cientista político Jairo Nicolau, autor de História do Voto no Brasil (Jorge Zahar Editor), a vitória de Prudente de Moraes foi arrasadora porque a política era um jogo de cartas marcadas. Nem sequer era preciso fazer campanha. Nos primeiros 40 anos da República, a oposição nunca venceu.

— As elites ditavam quem seria o presidente. As eleições eram apenas uma forma de referendar uma decisão política já tomada, e não o momento em que a população escolhia seus governantes.

O eleitorado era irrisório. Numa população de 14,3 milhões de brasileiros, só 800 mil estavam habilitados a votar (5,6%). Hoje, mais de 70% dos brasileiros podem ir às urnas. O direito era negado a mulheres, analfabetos, mendigos, soldados rasos e religiosos sujeitos a voto de obediência. O eleitor devia ter ao menos 21 anos. Eram restrições brutais. As mulheres respondiam por metade da população. Os negros, recém-beneficiados pela Lei Áurea, eram quase todos iletrados. Mesmo entre os brancos, poucos liam e escreviam naquele Brasil rural.

Walter Costa Porto, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral e autor de A Mentirosa Urna (Martins Fontes), ressalta que a Constituição de 1891 não vedava o voto feminino explicitamente:

— Não precisava estar escrito. Era um tempo em que a mulher não tinha direito nem liberdade. Primeiro, ela era subordinada ao pai. Depois, ao marido. Quando ficava viúva, ao filho mais velho.

Para piorar, a abstenção era altíssima. Mais da metade dos eleitores inscritos não apareceu para votar em 1894. O voto não era obrigatório.

As elites dispunham de dois instrumentos para vencer. O primeiro eram as fraudes. Entre as artimanhas, estavam depositar cédulas extras nas urnas e adulterar as atas com as apurações. O segundo era o Congresso Nacional, que organizava e apurava as eleições federais. Os senadores e deputados tinham o poder de coroar os aliados e barrar os inimigos. A logística das votações agora cabe à Justiça Eleitoral, fora da influência política. Diz a historiadora Dulce Pandolfi, da Fundação Getulio Vargas:

— Enquanto em outros países a República era associada a eleição, partidos, interesse público e imparcialidade da lei, aqui era identificada com fraude, corrupção, interesse particular e ausência do povo. A República fora implantada para acabar com os vícios do Império, mas, pelo menos nas primeiras décadas, fracassou.

Reportagem atualizada em 13/01/2020

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)