Na CDH, governo e policiais civis divergem em debate sobre Previdência

Da Redação | 23/04/2019, 14h49

A Comissão de Direitos Humanos (CDH) debateu nesta terça-feira (23) a proposta da Reforma da Previdência (PEC 6/2019) voltada aos policiais civis e demais categorias vinculadas à segurança pública. Um embate deixou em lados opostos o interlocutor do governo e os representantes dos policiais, que questionam o fim da aposentadoria especial e a diferenciação entre a proposta previdenciária para militares e policiais civis.

Quem abriu o debate foi o diretor jurídico da Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais (FenaPRF), Marcelo Azevedo. Ele defendeu a diferenciação da previdência dos policiais civis porque a profissão é atividade de risco, traz desgaste físico e mental e restringe direitos. Azevedo lembrou que os policiais civis e federais não têm adicionais noturno, de insalubridade e de periculosidade, não ganham hora extra e não podem fazer greve.

Ao mencionar os riscos da atividade, o diretor disse que 542 policiais morreram em 2017.

— É um dos países onde mais se matam policiais no mundo em razão do seu trabalho.

Azevedo reclamou da falta de política real para tratamento da saúde física e mental dos policiais. De acordo com ele, um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) aponta que mais da metade do efetivo policial tem doença osteomuscular, principalmente causado pelo peso dos equipamentos de proteção, e um quarto da categoria tem doenças digestivas causadas por jornada com alimentação irregular. Cerca de 16% do efetivo apresenta doenças cardiovasculares, disse.

Sobre desgaste mental, 94% do efetivo tem nível alto (quase 40%) ou médio de estresse ocupacional e um índice de suicídio que supera em mais de três vezes o da média da população brasileira, segundo o estudo.

— As forças de segurança militares costumam ter um serviço de saúde mental, uma política de saúde do servidor. Mas os civis, não. Então num dia o policial rodoviário tira crianças mortas das ferragens, no outro o policial civil troca tiros e perde um companheiro na batalha. E nada é feito pela saúde mental dessas pessoas. No dia seguinte elas voltam a trabalhar normalmente.

De acordo com o representante dos policiais rodoviários, a idade média de morte entre policiais seria de 56 anos. Dessa forma, sustentou, o policial praticamente trabalhará até morrer, caso a aposentadoria especial da categoria seja encerrada com a reforma da Previdência.

Contestação

Os números fornecidos por ele foram refutados pelo representante da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Narlon Gutierre Nogueira. Ele citou dados do Sistema de Gestão de Pessoas do Governo Federal (Sigepe) que negam incidência maior de morte precoce de policiais aposentados em relação aos demais servidores aposentados.

Considerando a mortalidade sem avaliar o motivo específico de cada óbito, ele disse que de 2007 a 2018, 16.765 servidores ativos morreram, ou seja, proporcionalmente um servidor ativo morreu a cada 37 servidores, de acordo com o Sigepe.

Nesse mesmo período, um a cada 63 policiais rodoviários na ativa morreu; na Polícia Federal, um para cada 60; e entre os aposentados, não há indicativo que os policiais tenham sobrevida menor que a dos demais servidores.

— A mortalidade de policiais federais e rodoviários federais não se dá em níveis diferenciados em relação aos demais servidores — atestou.

Narlon Nogueira lembrou que outras categorias de servidores públicos têm natureza de risco e restrição de direitos, tanto quanto policiais civis. E, ainda assim, o mínimo de idade para aposentadoria proposta pela PEC 6/2019 é menor que a regra geral, com sete anos a menos para as mulheres e dez para os homens.

Os argumentos de Nogueira foram taxados de “ridículos” por André Luiz Gutierrez, presidente da Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol). Ele questionou os números do representante do governo, afirmando que dados da FGV mostram que todos os dias policiais morrem no Brasil em decorrência da função.

O presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, Luís Antônio de Araújo Boudens, reclamou que a forma de o governo apresentar esses dados é insensível e abandona os servidores da segurança pública.

— Eles desconsideram a diferença do policial que morreu num acidente de trânsito daqueles que morrem, por exemplo, correndo atrás do bandido, ou por suicídio, ou porque, no período de folga, foram identificados como policial.

Militares

Outra questão central do debate foi a comparação entre os benefícios previdenciários concedidos aos militares e a suposta perda da aposentadoria especial dos policiais civis. Para Marcelo Azevedo, o Brasil tem ido na contramão da prática de outros países, que equipara os benefícios da categoria como um todo, independentemente da natureza jurídica do vínculo do servidor, se civil ou militar.

O policial rodoviário deu como exemplo a regra de transição — prevista para os militares e, segundo ele, não prevista para os civis. Também reclamou do cálculo e revisão do benefício previdenciário. Enquanto os militares levariam a integralidade do salário inclusive com paridade (incorporação dos reajustes concedidos a quem está na ativa), os policiais civis correriam o risco de perder até 80% do salário quando levados ao teto do Regime Geral da Previdência Social (pago pelo INSS).

Outro exemplo dado por ele é que os pensionistas dos militares recebem o salário integral e vitalício, enquanto aos pensionistas de policiais civis ficaria garantida apenas a pensão temporária e do salário fracionado, ainda que a morte tenha sido em serviço.

Pelo governo, Nogueira sustentou que a PEC 6/2019 propõe que, na situação da morte do servidor em exercício do cargo ou em decorrência dele, a pensão será o teto do Regime Geral da Previdência acrescido de 70%. Na comparação entre civis e militares, ele disse que não é a proposta do governo que diferencia os militares, uma vez que eles nunca estiveram sob as mesmas leis dos servidores civis.

Regras

Pelas regras atuais de Previdência, os policiais civis precisam ter contribuído 25 anos (mulheres) ou 30 anos (homens), sendo o tempo mínimo de exercício do cargo de natureza  estritamente policial de 15 e 20 anos, respectivamente. Não há idade mínima para aposentadoria.

Na regra de transição proposta pela reforma para os atuais policiais civis, a idade mínima vai a 55 anos para ambos os sexos, com tempo de contribuição de 25 anos (mulheres) e 30 anos (homens), com acréscimo de um ano a cada dois trabalhados em cargo de natureza estritamente policial até chegar a 20 anos (mulheres) e 25 anos (homens).

— A proposta na regra de transição negociada na tramitação da PEC 287/2016 trouxe direito novo aos policiais civis que entraram até a instituição da previdência complementar [em 2013], para que tenham direito a integralidade e paridade — explicou Nogueira.

Já os novos policiais entram em disposições transitórias até que lei complementar venha normatizar todas as regras da Previdência, caso a reforma seja aprovada. Nesse caso, a idade mínima será de 55 anos (homens e mulheres), tempo de contribuição de 30 anos (para homens e mulheres) e 25 anos de efetivo trabalho em cargo de natureza policial. Nogueira explicou que, como a regra já é especial para os policiais, acaba a distinção entre homens e mulheres.

Sobre os proventos, ele disse que a Lei Complementar 51, de 1985, assegura proventos integrais pela média das remunerações (não pelas últimas). O representante do ministério esclareceu que até 2011 vigorava um parecer do Ministério da Justiça segundo o qual os policiais teriam direito a paridade e integralidade.

— A partir de 2014, isso foi revisto e a integralidade e paridade somente são devidas a quem entrou até 2003 e se aposenta pelas regras de transição (artigo 6 da EC 41 e artigo 3 da EC 47).

É por isso que policiais civis estão sujeitos às mesmas regras dos demais servidores caso se aposentem pelas normas de aposentadoria especial, portanto sem paridade e integralidade.

Delegado de polícia e representante do Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil, Thiago Frederico de Souza Costa contou que as regras de transição são a principal causa de preocupação da categoria, porque seriam muito duras e atingiriam em cheio todos os que estão na ativa.

— Não há um aumento gradual da idade mínima diferenciada para policiais. No geral, a reforma se baseia no aumento da expectativa de vida da população, não necessariamente refletindo aumento na expectativa de vida do policial, cada vez mais sujeito a situações de risco.

Ele defendeu que, da mesma forma que os militares estão recebendo como regra de transição aumento de 17% de tempo mínimo de trabalho para se aposentar, assim deveria ser com os policiais civis. Também sugeriu que a alíquota previdenciária proposta pelo governo aos militares seja a mesma aplicada aos policiais civis, de cerca de 10,5%.

Benefício da carreira

Numa crítica à condução da reforma da Previdência no Congresso, o delegado Edvandir Felix de Paiva, presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), disse que o governo tem escondido números e não apresenta os benefícios da reforma para a sociedade. Ele advertiu que a nova regra de aposentadoria pode diminuir a atratividade da carreira policial para quem quer fazer concurso público.

— A única vantagem que um policial tem sobre os demais servidores era a aposentadoria. Sem integralidade e paridade, como o policial vai se aposentar? Qual o ganho da sociedade de ter policiais de 60 anos que não podem fazer o que faziam quando eram mais novos?

A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) criticou a falta de “humanidade” da reforma e a estratégia de jogar as categorias de trabalhadores umas contra as outras.

— O governo federal sabe exatamente onde estão os grandes sonegadores, os grandes devedores da Previdência. Por que o governo não se preocupa com a reforma tributária? Porque não cobra de quem deve?

Outras categorias

Algumas categorias reivindicaram o reconhecimento de que fazem parte do sistema de segurança pública. É o caso dos servidores penitenciários e dos servidores dos Detrans.

Representante da Federação Nacional Sindical dos Servidores Penitenciários, Jacira Maria da Costa Silva disse que, quando o réu é condenado e vai para a prisão, quem responde pela segurança dele e da sociedade é um agente penitenciário que vive cercado de riscos e de insalubridade.

— Queremos que policiais civis tenham o mesmo que os militares, e queremos ser reconhecidos como parte do sistema de segurança pública.

Na mesma linha falou o presidente da Federação Nacional dos Sindicatos dos Servidores dos Detrans Estaduais, Municipais e do DF, Eider Marcos. Para ele, o governo tem dificuldade de enxergar o Detran como parte da segurança viária do país.

— A abordagem inicial é feita por um fiscal de trânsito. Quando paramos um carro, não sabemos se há um bandido lá dentro. Corremos risco de vida e tralhamos pela segurança pública, mas nossa categoria não é considerada como parte dela.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)