Adiada votação de MP que abre companhias aéreas a capital estrangeiro

Da Redação | 09/04/2019, 17h48

A comissão mista que analisa a Medida Provisória (MP) 863/2018 adiou para quinta-feira (11), às 9h30, a votação do relatório preliminar da matéria, que abre o setor aéreo ao capital estrangeiro, hoje limitado em 20%.

A votação foi suspensa em razão de pedido de vista apresentado pelo senador Jean Paul Prates (PT-RN) e pela senadora Zenaide Maia (Pros-RN), contrários à proposta do Executivo. O prazo de vigência da MP expira em 22 de maio.

Relator da medida, o senador Roberto Rocha (PSDB-MA), favorável à abertura do setor aéreo ao capital estrangeiro, rejeitou todas as 21 emendas apresentadas ao texto. O relator apresentou apenas uma emenda de redação que, segundo ele, atende a pleito de representantes dos aeronautas, com quem esteve reunido nos últimos dias. Assim, de acordo com Rocha, voos internacionais operados por empresas brasileiras deverão ter tripulantes brasileiros, mediante contrato de trabalho regido pela legislação brasileira, ressalvada a possibilidade de no máximo um terço de comissários estrangeiros.

— Temos que abrir o Brasil. Essa xenofobia não cabe mais — afirmou o senador.

Discussão

Na apresentação do relatório, Roberto Rocha destacou a importância da proposição para o país. Nos últimos 30 anos, afirmou, verificou-se no Brasil a revogação de barreiras a investimentos externos em todos os setores, embora as limitações ainda persistam no setor aéreo.

Roberto Rocha destacou que a MP 863/2018 não permite a exploração do mercado doméstico a empresas aéreas estrangeiras. Empresas constituídas em outros países continuarão impedidas de realizar a chamada “cabotagem” — ou seja, o transporte aéreo de passageiros, carga e correio entre pontos no Brasil. A concessão para exploração de serviços de transporte aéreo somente será dada à pessoa jurídica constituída sob as leis brasileiras, com sede e administração no Brasil. Deste modo, para que uma empresa aérea estrangeira queira explorar serviços aéreos públicos no país, ela deverá constituir uma subsidiária em território brasileiro e operar conforme a legislação nacional.

Ex-piloto, o deputado Celso Russomanno (PRB-SP) defendeu a MP e a abertura do setor aéreo ao capital estrangeiro. Ele destacou os preços absurdos e a dificuldade enfrentada pelos parlamentares que moram nos estados mais distantes, que não contam com oferta de voos pelas três empresas que atuam no Brasil.

— A cobrança de bagagem não reduziu o preço das passagens porque existe um oligopólio no Brasil. As bagagens ocupam espaço, e as empresas têm interesse em carregar produtos de alto valor agregado, como celulares. A bagagem é expurgada dos voos domésticos para se transportar eletroeletrônicos, que poderiam ser assaltados, se transportados por rodovias. Somos feitos de gato e sapato aqui porque não há concorrência — afirmou.

Também ex-piloto, o deputado Coronel Tadeu (PSL-SP) defendeu a aprovação da MP e disse que a proposição pode beneficiar empresas aéreas em dificuldades financeiras, como a Avianca. Ele destacou que os Estados Unidos contam com 50 empresas aéreas, contra quatro empresas em atuação no Brasil, que já contam com a participação do capital estrangeiro.

— O governo pesa muito hoje para o empresário de todas as formas, com taxas, multas, impostos, requerimentos, exigências. O Brasil insiste em pesar para essas empresas e dificultar o caminho delas. Temos custo muito alto. Iremos exigir do governo que ele faça a sua parte — afirmou.

A senadora Zenaide Maia, por sua vez, reconheceu que o Brasil deve abrir o setor aéreo ao capital estrangeiro, mas questionou o percentual de 100%, da participação acionária de uma empresa, uma vez que “nos Estados Unidos é de 25%, assim como nos países da União Europeia”. Jean Paul Prates também reconheceu a importância da proposição, mas ressaltou que a Câmara ainda discute proposições com tema correlato.

Concorrência

Nota técnica da Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado observa que os dispositivos legais alterados pela MP 863/2018 não promovem qualquer impacto sobre as despesas públicas. Com relação às receitas, ressalta que a ampliação da concorrência, com a abertura do setor aéreo ao capital estrangeiro, pode gerar a elevação dos ganhos a serem auferidos em futuras concessões.

Em seu relatório, Roberto Rocha fez um apanhado de como o setor funciona em outros países. Ele destacou que o Chile não opõe restrições ao investimento estrangeiro, tendo atraído empresas de capital estrangeiro, como a JetSmart.

A Austrália, afirmou Rocha, não limita a participação estrangeira nas empresas que voam apenas domesticamente. No caso daquelas que exploram voos internacionais, continuou, aplica-se o limite de 49% da participação estrangeira. O relator destaca que a segunda maior empresa australiana (Virgin) foi fundada por um estrangeiro e, mesmo hoje, a maioria de seu capital ainda pertence a grupos estrangeiros.

Rocha informou que a Índia permitiu o investimento estrangeiro, mas as regras não parecem tão claras: exige-se aprovação oficial do governo e faz-se a distinção entre “estrangeiros” e “companhias estrangeiras”. Essa falta de clareza, afirmou o relator, tem reduzido o interesse de investidores externos, como a Qatar Airways.

Na Argentina, explicou o relator, o governo retirou recentemente as limitações e, como consequência, desde 2017, está havendo forte investimento estrangeiro no mercado de aviação daquele país. Uma das principais novas empresas é a Norwegian, subsidiária da matriz europeia constituída sob as leis da Argentina.

Abertura de capital

O texto da MP 863/2018 revoga as exigências do Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA - Lei 7.565, de 1986), que estabelece, como critérios para a exploração de serviços aéreos públicos, que a companhia tenha sede no Brasil, com direção exclusivamente brasileira e com 80% do capital social nas mãos de brasileiros.

O artigo 181 do CBA definia que a exploração de serviços aéreos públicos dependeria de prévia concessão, sendo esta somente dada à pessoa jurídica brasileira que tiver sede no Brasil; pelo menos quatro quintos do capital com direito a voto pertencentes a brasileiros; e direção confiada exclusivamente a brasileiros. A MP 863/2018 acaba com essa exigência, e estabelece unicamente que a autorização será concedida a pessoa jurídica constituída sob as leis brasileiras, com sede e administração no país.

A MP 863/2018 revoga ainda os artigos 184, 185 e 186 do CBA. O artigo 184 estabelece que os atos constitutivos de concessionárias de serviços aéreos públicos, bem como suas alterações, dependerão de prévia aprovação da autoridade aeronáutica. O artigo 185, por sua vez, determina que as concessionárias remetam, no primeiro mês de cada semestre do exercício social, a relação completa de seus acionistas e das transferências de ações operadas no semestre anterior. O artigo 186, por fim, trata da possibilidade de fusão ou incorporação de empresas aéreas, temas já tratados em legislação mais recente.

Veto em 2016

A liberação do mercado aéreo para estrangeiros foi debatida pelo Congresso em 2016. Em março daquele ano, um mês antes de ser afastada pela Câmara no processo de impeachment, a então presidente da República, Dilma Rousseff, assinou medida provisória que, entre outros pontos, elevava o capital estrangeiro nas empresas aéreas para 49%, conforme previa a MP 714/2016. Durante discussão naquela Casa, o percentual subiu para 100%.

Diante de risco de derrota no Senado, onde a liberação do mercado aéreo não foi bem recebida, o então presidente Michel Temer fez um acordo para vetar a parte sobre a elevação do capital estrangeiro. A solução foi uma alternativa para salvar a medida provisória, que continha outros pontos importantes para o governo, como o perdão de dívidas da Infraero com a União.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)