Lobby do Batom: marco histórico no combate à discriminações

Ester Monteiro | 06/03/2018, 17h57

Até a instalação da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988, apenas uma vez as mulheres tiveram participação na elaboração do texto constitucional: em 1934, com a deputada Carlota Pereira.

Em 1986, foram eleitas 26 mulheres para a Câmara dos Deputados de 16 estados brasileiros, de um total de 166 candidatas. São Paulo, Rio de Janeiro e Amazonas elegeram o maior número delas: 3 representantes cada um. Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo e Rondônia, duas deputadas cada. E Acre, Amapá, Ceará, Goiás, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Roraima, uma deputada cada.

A novidade representou um aumento de 1,9 % para 5,3% da representação feminina no Parlamento.

Mas, quando chegaram a Brasília, elas ainda não tinham ideia de atuar de forma conjunta, embora o movimento de reivindicação de mais direitos para a população feminina já estivesse ativo. As constituintes formavam um grupo heterogêneo com representação partidária de amplo espectro, da direita à esquerda, representando oito partidos — PMDB, PT, PSB, PSC, PFL, PCdoB, PTB e PDT —, a maioria do PMDB, 11 representantes, uma proporção de 42,3% em relação à bancada, segundo estudo do consultor legislativo do Senado Marcius de Souza.

Elas eram principalmente jornalistas, advogadas e professoras. Mas também havia profissionais da área de saúde, uma pesquisadora, uma assistente social, uma empresária e uma atriz.

A atuação da bancada atendeu às expectativas do movimento reivindicatório das mulheres brasileiras que participaram da campanha Mulher e Constituinte, promovida pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), criado dois anos antes, para estimular a participação da população feminina no processo e eleger maior número de parlamentares do sexo feminino.

A “Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes”, entregue ao presidente da Assembleia Nacional Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, pela presidente do CNDM, Jaqueline Pitanguy, em marco de 1987, foi resultado de uma intensa campanha nacional, em articulação com ativistas, movimentos feministas, e associações diversas de todo o país durante dois anos. Com esse documento, elas levavam ao parlamento brasileiro a principal conclusão da campanha: “Constituinte pra valer tem que ter direitos das mulheres”.

A partir daí, deputadas e senadoras formaram a aliança suprapartidária que serviu de elo entre os constituintes e os movimentos de mulheres e que passou a ser denominada de “Lobby do Batom”.

Entre as metas estavam a licença-maternidade de 120 dias, o direito à posse da terra ao homem e à mulher, igualdade de direitos e de salários entre homem e mulher; mecanismos para coibir a violência doméstica.

De acordo com levantamento do próprio conselho, 80% das reivindicações foram aprovadas. As mulheres conquistaram, na Constituinte de 1988, a igualdade jurídica entre homens e mulheres, a ampliação dos direitos civis, sociais e econômicos das mulheres, a igualdade de direitos e responsabilidades na família, a definição do princípio da não discriminação por sexo e raça-etnia, a proibição da discriminação da mulher no mercado de trabalho e o estabelecimento de direitos no campo da reprodução.

Não foram alcançados objetivos como garantais no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, em particular quanto ao aborto, por causa das resistências oferecidas por alguns dos demais constituintes.

De acordo com Marcius de Souza, a Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988 é considerada pelos estudiosos o ponto de virada da participação feminina no Parlamento brasileiro.

“Não apenas o número de congressistas do sexo feminino estabeleceu uma marca inédita na história do País, como também a quantidade e a qualidade das proposições apresentadas pelas deputadas constituintes não encontram paralelo na história pregressa da política brasileira”, afirma o consultor.

De acordo com o levantamento do consultor, as mulheres apresentaram 3.321 emendas, 5% em relação ao total apresentado por todos os deputados e senadores (62 mil aproximadamente), a mesma proporção do número de mulheres em relação ao total de membros da Assembleia Nacional Constituinte.

As 26 deputadas, no entanto, não defenderam apenas os direitos da mulher no texto constitucional. Também apresentaram emendas que tratavam de temas como a ordem social. Mais do que isso, a Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes constituiu um manifesto que segundo o consultor Marcius Sousa tem importância fundamental.

“Em primeiro lugar, ele traz o posicionamento desse grupo histórico, composto pelas 26 mulheres eleitas para a Assembleia Nacional Constituinte, a respeito de diversos assuntos que afligiam, e ainda afligem, a vida de milhões de brasileiros e brasileiras”, ressalta.

Para ele, os pontos destacados no texto, ao mesmo tempo em que retratam as preocupações das mulheres daquela época, dão a exata noção das conquistas que se acumularam desde a promulgação da Constituição de 1988.

Para comparar, em 2014 foram eleitas 51 mulheres para a Câmara, ou 9,9% dos 513 deputados. Para o Senado em 2014, foram escolhidas cinco senadoras entre as 27 vagas disponíveis naquela eleição (um terço de um total de 81 senadores). Elas passariam dividir espaço com outras seis com mandato até 2019. Ou seja, 11 dos 81 senadores, ou 13,6% da Casa.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)