Pesquisadores cobram ações para evitar abusos em terapias com células-tronco

Da Redação | 28/09/2017, 17h38

Participantes de audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), nesta quinta-feira (28), cobraram apoio às pesquisas com célula-tronco no país e, também, medidas para evitar que empresas e profissionais da área médica possam explorar a boa-fé da população com promessas de cura de doenças por meio de terapia celular ainda sem qualquer comprovação de eficácia.

Os convidados da audiência, proposta e conduzida pelo senador Hélio José (PMDB-DF), deixaram claro que o único tratamento plenamente validado até o momento em todo o mundo são os transplantes de medula óssea. Nos demais casos, as aplicações ainda estão em fase de estudos, com linhas de pesquisa em desenvolvimento também no Brasil. A visão é de que as pesquisas devem ser reforçadas, mas mantidas nos limites fixados nos protocolos oficiais, até que os benefícios sejam confirmados ou negados.

— O que acontece é que a mídia leva à população uma informação extremamente otimista sobre o uso das células-tronco, de que é possível curar, tratar e regenerar tecidos, quando ainda não temos essa certeza. Temos que ‘segurar o andor’, porque isso acaba sendo uma panaceia - alertou o médico e pesquisador Alfredo Mendrone.

Hélio José salientou que a ciência deve estar a “serviço da vida”, não ao contrário. Ele se prontificou a estudar soluções legislativas para inibir irregularidades em terapias com células-tronco, como são chamadas aquelas capazes de se transformar em outros tipos de células, incluindo as do cérebro, coração, ossos, músculos e pele, dentre outros.

Busca na web

Integrante da diretoria da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), Mendrone é também diretor-técnico do Pró-Sangue Hemocentro de São Paulo. Partiu dele os alertas mais firmes sobre abusos por parte de clínicas, no Brasil e até mesmo em países desenvolvidos, envolvendo falsas promessas de cura por meio de uso de células-tronco. Segundo ele, basta pesquisar no buscador Google os termos “terapia celular” para se chegar a ofertas de supostos tratamentos, inclusive de clinicas veterinárias, para animais.

Mesmo nos Estados Unidos, onde Medrone disse haver controle rígido nas pesquisas e terapias, uma pesquisa publicada em 2016 revelou a existência de 350 clínicas utilizando células-tronco de modo comercial. Os tratamentos visavam desde o rejuvenescimento facial à cura do Mal de Alzheimer. Ele citou ainda o fechamento de duas grandes clínicas, uma delas na Itália, que até recebia apoio do governo, e outra chamada Excell, em Hamburgo, Alemanha, onde uma criança romena morreu depois de aplicação intracerebral de célula-tronco, tratamento sem regulamentação.

— Pasmem, cobrava-se o pagamento antes mesmo de o paciente chegar à Excell. Depois que foi fechada, aqueles que já haviam pago e sequer receberam o tratamento, quiseram o dinheiro de volta, mas não tinham a quem cobrar — relatou.

Ciência e ética

José Francisco Comenalli Marques Júnior, também da diretoria da ABHH, manifestou as mesmas preocupações do seu colega com relação ao uso indevido de terapias com células-tronco. Para Marques Júnior, que enxerga nas células-tronco a “terapia do futuro”, a população pode acreditar no “poder da ciência”. Porém, como frisou, o momento ainda é de incentivar as pesquisas, que devem se pautar pela ética. Ele também defendeu a moderação dos “interesses econômicos”.

Pelo Conselho Federal de Medicina, Luís Henrique Mascarenhas Moreira, na mesma linha, afirmou que o uso das terapias não pode ser feito de modo precipitado, “por cima da legislação”, por mais que as perspectivas de resultados sejam favoráveis.

Cenário nacional

O representante do Ministério da Saúde, Augusto Barbosa Júnior, que atua na Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos, traçou um panorama dos investimentos do órgão nas pesquisas em terapia celular. Em cinco anos, até 2017, foram abertos 32 editais e contratados 203 projetos de pesquisa, com gastos que chegaram a R$ 120 milhões. Mas as aplicações começaram desde 2004, com apoio a estudos centrados em quatro áreas de doenças cardíacas, em diferentes estados: isquemia, dilatação, infarto e coração chagásico (Doença de Chagas).

Das quatro áreas, três já tiveram estudos publicados, com indicações que os procedimentos envolvendo aplicação de células-tronco autólogas (do próprio paciente) em órgãos adoecidos se mostraram seguros (sem afeitos adversos), mas não promoveram melhorias nas condições dos órgãos afetados nem na qualidade de vida dos pacientes. O único estudo não concluído, envolvendo pacientes com infarto agudo, apresenta resultados parciais mais promissores. Além de seguro, o método parece contribuir para a atenuação da isquemia miocárdica.

Boas expectativas

Participou também da audiência o pesquisador Ricardo Ribeiro dos Santos, da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), que também coordena o centro de pesquisa do Hospital São Rafael em Salvador (Monte Tabor). Nesse centro se desenvolveu o estudo do uso de células-tronco no tratamento de pacientes chagásicos, sem os resultados esperados. No entanto, como revelou Santos, outras linhas de pesquisas mostram respostas positivas. É o caso dos transplantes de diferentes tipos celulares em lesões da medula espinhal (que se aloja na coluna vertebral), que muitas vezes determina a paraplegia.

— Ninguém sai do tratamento para correr a São Silvestre, mas há melhorias importantes na condição dos pacientes - disse, citando casos em que paraplégicos passam a se movimentar com andador e a ter o controle da urina.

Ricardo Ribeiro aproveitou para observar que as pesquisas em terapia clínica celular não são conduzidas no país de “modo aleatório, sem regulação”. Após destacar a eficácia do controle exercido pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), órgão do Conselho Nacional de Saúde (CNS), ele assinalou que o grande problema está no fato de que as pesquisas são caras e faltam recursos. Ele revelou que há trabalhos paralisados no centro de pesquisa que dirige.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)