Diretor-geral da OMC alerta senadores sobre desemprego estrutural

Sergio Vieira | 24/08/2017, 14h02

O diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC), o diplomata brasileiro Roberto Azevêdo, apresentou um diagnóstico do impacto da adoção de tecnologias no desemprego gerado no mundo durante audiência pública nesta quinta-feira (24) na Comissão de Relações Exteriores (CRE).

Segundo ele, 80% das perdas de postos de trabalho nas economias avançadas são ligados à inovação tecnológica. A avaliação é de que este fenômeno tende a ser ainda mais forte nos países em desenvolvimento, como o Brasil, provocando crises estruturais de desemprego.

Azevêdo informou que apresentou estes estudos, todos baseados em dados oficiais dos próprios países, durante encontro do G-20 na China em outubro do ano passado. Ele prevê que o quadro pode se agravar em nações como o Brasil, devido ao despreparo técnico-científico de boa parcela da população.

— Este tema ainda não é percebido como uma prioridade na agenda do país, mas não tenho nenhuma dúvida de que em breve estará. Quanto menos preparada estiver a mão de obra, mais ela será afetada e substituída pelo processo de inovação tecnológica, mesmo que esta mão de obra seja barata — advertiu.

O diretor-geral da OMC, o segundo na história da organização a ser reeleito para um novo mandato de 4 anos (iniciando em setembro), informou também ter deixado claro durante o encontro do G-20 que a eliminação de postos de trabalho devido a processos de inovação tecnológica é "irreversível e continuará se aprofundando". Informou ainda que o órgão trabalha em um novo documento oficial a ser apresentado ao G-20, com sugestões de medidas aos líderes.

Educação

Azevêdo disse que este novo estudo da OMC deverá ser concluído em breve, e conclamou inclusive os senadores para que se atenham a ele.

A organização deixa claro que não existe uma espécie de "receita tópica" que possa servir a todas as nações, devido às peculiaridades sócio-culturais de cada uma, mas há desafios que serão comuns a todas para que não sofram com o desemprego estrutural.

— Empregos estão sendo criados em outras áreas mais avançadas, o problema é esta demanda não ser preenchida por falta de recursos humanos preparados. A solução não é fácil e passa necessariamente por um esforço de Estado, envolvendo inclusive estratégias de planejamento por décadas, além de horizontes eleitorais — afirmou.

Essa estratégia de Estado, disse Azevêdo, passa por uma reformulação dos modelos educacionais e sociais, passando também pelo retreinamento da força de trabalho. Segundo os levantamentos da OMC, 2/3 das crianças que ingressam hoje no ensino fundamental trabalharão em profissões que ainda não foram criadas.

— É necessário desenvolver um modelo educacional que prepare sua força de trabalho para uma indústria de serviços e de produção que não é mais a do século XX. Saber ler e escrever é o mínimo do mínimo, é necessário um processo educativo muito mais sofisticado, envolvendo a interação com a computação, a tecnologia de softwares e o desenvolvimento de maquinário — advertiu.

China

Em resposta a Cristovam Buarque (PPS-DF), Azevêdo chamou a atenção para a China, que no seu entender é uma nação que já vem transitando para este novo modelo.

O diplomata avalia que boa parte do mundo ainda analisa a explosão do crescimento chinês como umbilicalmente ligada à mão de obra abundante e barata, mas que isto é hoje "apenas parte da resposta, e mais ligada ao início do processo", e que hoje o país já transita decidido para uma economia baseada em alta tecnologia.

— Há um apoio governamental muito forte por trás desta nova estratégia, que merece ser estudada com profundidade, sem os mitos do passado. Os salários na China estão crescendo, tanto que boa parte da indústria mais baseada em mão de obra barata já vem optando por outras nações da Ásia — disse.

Azevêdo reconheceu que o modelo chinês é "sui generis", por misturar estratégias típicas do socialismo com o capitalismo, porém "funciona". E reconheceu que a intervenção estatal nestas estratégias de desenvolvimento também leva a muitos questionamentos em fóruns internacionais, devido ao fato de muitos países entenderem que a China provoca distorções no mercado.

Ainda sobre o país asiático, Cristovam disse preocupar-se com os investimentos chineses na produção de soja em países africanos, que poderão no futuro prejudicar fortemente as exportações brasileiras deste produto.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)