Visões divergentes marcam audiência pública sobre a Operação Carne Fraca

Sergio Vieira | 28/03/2017, 16h22

A indústria alimentícia ligada à carne é o setor que mais emprega mão de obra no Brasil (cerca de 6,7 milhões de trabalhadores), e pode passar por mudanças estruturais dependendo de como for conduzida as ações a partir da deflagração da Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, no dia 17 de julho.

Este foi um dos principais enfoques dados por representantes do setor privado, do governo, de servidores e trabalhadores na audiência da Comissão de Direitos Humanos (CDH) realizada nesta terça-feira (28).

Durante o debate Alexander Dornelles, da Associação Nacional de Fiscais Federais Agropecuários, defendeu a qualidade da carne que é oferecida ao consumidor, mas alerta quanto ao déficit de cerca de 500 profissionais que estaria tornando "na prática impossível" uma fiscalização maior.

Outro representante da categoria, João Bosco, também garantiu que os produtos de origem animal são referendados por mais de 100 órgãos de inspeção internacionais, sendo o país na verdade "uma referência" na matéria.

- Acompanhamos toda a cadeia produtiva, do nascimento ao abate. Tanto faz se o produto é para exportação ou paro mercado interno, o rigor é o mesmo - garantiu Bosco, pra quem os casos de corrupção desbaratados pela PF são "vergonhosas exceções à regra", que merecem uma "punição enérgica" a ser estendida aos produtores envolvidos.

Ricardo Santín, vice-presidente do Conselho Mundial de Agricultura, órgão ligado à ONU, e da Associação Brasileira de Proteína Animal, também classificou a carne como "patrimônio nacional", destacando que somente a avicultura já internalizou na econ0mia brasileira cerca de U$ 94 bilhões. Na carne suína, tal soma já chega a U$ 19 bilhões, e somadas à carne vermelha as exportações anuais já passariam de U$ 15 bilhões.

- Só nos últimos dois anos, 12 países enviaram missões pra investigar a qualidade de nossa carne, e referendaram que ela é saudável, consumível - disse, reiterando que "um laudo único" não pode enlamear e "jogar no lixo" uma indústria da qual fazem parte mais de 140 mil famílias.

Mas Santín fez questão de reforçar o apoio da Associação Brasileira de Proteína Animal às investigações de desvios que estejam ocorrendo, garantindo ainda que os produtos direcionados ao mercado interno teriam o mesmo controle de qualidade dos que são exportados.

Críticas à Polícia Federal

Para o deputado estadual Dirceu Dresch (PT-SC), a Polícia Federal, ao utilizar como estratégia a "espetacularização e midiatização" de suas operações, tem prejudicado setores inteiros da economia nacional. Ele disse que esse tipo de conduta tem marcado a atuação da PF desde a Operação Lava Jato.

O próprio presidente do Sindicato dos Policiais Federais no DF (Sindipol), Flavio Werneck, também acredita que a "falta de tato" por parte da equipe ligada à Carne Fraca, no que se refere à divulgação da operação, afetou toda a cadeia produtiva do setor e tem trazido até o momento fortes prejuízos no consumo interno do produto. A "espetacularização" das ações da PF também foi lamentada pela senadora Regina Sousa (PT-PI).

O presidente da Central Única dos Trabalhadores no Rio Grande do Sul (CUT-RS), Claudir Nespolo, também considerou "estranha" a forma como a PF tem agido na divulgação de suas operações.

- Em qualquer lugar do mundo se pune quem cometeu as irregularidades e se preserva a indústria. Foi assim recentemente com a Siemens na Alemanha - disse Nespolo, temendo que os setores dos biocombustíveis e da energia elétrica sejam os próximos alvos da PF.

Críticas à terceirização

Também a possibilidade de que a produção da carne seja tomada por processos de terceirização da mão de obra, a partir da recente aprovação pela Câmara dos Deputados da proposta que libera a prática, foi criticada por participantes da audiência pública.

Flavio Werneck, do Sindipol, acredita que a própria capacidade operacional da Polícia Federal no combate à corrupção será "fortemente abalada" caso tenha algumas de suas atividades terceirizadas.

Entre outros, também Siderlei Oliveira, a Central Única dos Trabalhadores  (CUT), e Antoninho Rovaris, da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), acreditam que casos de corrupção e falta de qualidade relacionados à produção agropecuária se tornarão bem mais graves à partir da generalização da terceirização.

Siderlei ainda encaminhou ao representante do Ministério da Agricultura, Coaraci Castilho, documentos que comprovariam a destinação de produtos maquiados à escolas, por parte de frigoríficos do Paraná e de São Paulo. Ao final da reunião Castilho informou que o ministro Blairo Maggi já havia destacado equipes para investigar as denúncias do sindicalista. O dirigente da CUT disse ainda crer que o rigor da fiscalização em relação aos produtos exportados não seria o mesmo dos destinados ao mercado interno.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)