Audiência recomenda CPI para investigar condições de barragens de rejeitos de mineração

Da Redação | 14/12/2015, 18h14

A sugestão de abrir uma CPI Mista para para apurar as condições das barragens de contenção de rejeitos das atividades de mineração está entre os encaminhamentos aprovados ao fim de audiência pública realizada nesta segunda-feira (14) pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) para debater o rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco, no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), ocorrido em 5 de novembro. A enxurrada de lama destruiu o povoado, causando a morte de 13 pessoas, ainda estando três desaparecidas. Afetou 663,2 quilômetros de cursos de água, até a foz do Rio Doce, no Espírito Santos, com devastação de fauna e flora. Avalia-se que esse tenha sido o maior desastre ambiental na história do país.

O senador Paulo Paim (PT-RS) foi o defensor da criação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. O objetivo da investigação é avaliar os riscos de rompimentos e as causas e consequências dos acidentes desse tipo já registrados no país, determinar responsabilidades e verificar eventuais falhas por parte dos órgãos responsáveis pelo licenciamento e fiscalização desses estruturas de acumulação de resíduos.

— O acidente foi muito mais grave do que se pensa e retrata problemas inaceitáveis, como influência na liberação de licenças ambientais, desestruturação dos órgãos responsáveis pela fiscalização e até interferências políticas na indicação de dirigentes. Isso nos obriga a pensar em ações mais fortes — afirmou o senador, em entrevista.

Paim disse que começará o quanto antes a recolher assinatura de parlamentares das duas Casas do Congresso para criar a CPI. Ele pretende que a CPI inicie seus trabalhos em fevereiro, no reinício das atividades do Congresso após o recesso.

O senador, que preside a CDH, foi o autor da proposta de audiência pública desta segunda-feira. Participaram representantes da Samarco, empresa controlada pela Vale e pelo grupo anglo-australiano BHP; do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama); dos municípios mineradores de Minas Gerais; da Procuradoria Regional do Trabalho no estado, entre outras entidades.

Ações da Samarco

O coordenador de Desenvolvimento Socioinstituticonal da Samarco, Estaneslau Klein, admitiu que a confiança na na empresa ficou abalada em decorrência do desastre. Ressaltou, em seguida, o conjunto de medidas emergências que foram adotadas para minorar os problemas vividos pelas pessoas diretamente atingidas, como a transferência dos desabrigados para pousadas e hotéis em Mariana e o pagamento de ajuda de custo para quem teve suas atividades de sobrevivência interrompidas, como agricultores e pescadores.

Klein também registrou o acordo feito com o Ministério Público do Trabalho para que, mesmo com as operações paralisadas, a empresa não promova demissões em massa, até 1º de março de 2016, tanto de empregados diretos quanto de terceirizados. Salientou ainda que, além das medidas emergenciais, a empresa está comprometida com ações de médio e longo prazo para assegurar a reparação de danos ambientais e sociais causados pelo acidente.

— A Samarco tem se colocando totalmente à disposição, em todos os fóruns de diálogo, ouvindo os movimentos sociais e autoridades, buscando entendimentos dentro do razoável e do possível. Mas ainda não tem feito negociações individuais, apesar do desejo de muitas pessoas e famílias de iniciarem processos de negociação de danos morais e materiais, entendendo que o momento não seria adequado, em função de certo abalo emocional causado pelo evento — afirmou.

Foi um acordo de ajuste de conduta (TAC) negociado pela Procuradoria Federal do Trabalho, em Minas, que garantiu a manutenção dos empregos até março do ano que vem.  Para o procurador Geraldo Emediato de Souza, a culpa objetiva pelo desastre cabe à Samarco. Ele também apontou negligência por parte do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), a seu ver sem as mínimas condições de efetuar seu trabalho de fiscalização. Para mais de 700 barragens de rejeitos em Minas, há apenas quatro fiscais. O DNPM foi convidado, mas não enviou representantes ao debate.

Salvamento

O representante do Ministério do Meio Ambiente, Luciano Evaristo, também diretor substituto do Ibama, destacou que o licenciamento das obras de ampliação da capacidade da barragem – sob suspeita de ter causado o rompimento – foi do órgão ambiental do estado de Minas. Mesmo não tendo participação direta, ele disse que o Ibama, logo após o acidente, se incorporou à força-tarefa formada para as medidas emergenciais. Colaborou, entre outras medidas, com o resgate de pessoas e também no salvamento de animais que, mais adiante, deverão ser devolvidos a seus habitats.

Segundo Evaristo, a Barragem do Fundão continha cerca de 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração de ferro, dos quais 34 milhões foram lançados no ambiente. Desde o acidente, disse ele, os 16 milhões restantes de rejeitos continuam sendo carreados para fora do que restou do barramento, contribuindo para isso a queda de chuvas na região. Ele alertou que esse processo precisa ser interrompido para que seja possível a recuperação dos rios afetados.

Luciano Evaristo também citou ainda a elaboração de relatório feito pelo Ibama que subsidiou a Ação Civil Pública em que os estados de Minas e do Espírito Santos cobra da empresa R$ 20 bilhões para cobrir danos causados pelo desastre. Antes, informou que o órgão já havia aplicado à empresa multas que somam R$ 250 milhões, por cinco diferentes crimes ambientais. Disse que os valores não foram maiores porque a lei de crimes ambientais fixa tetos para as autuações, não importando a dimensão das consequências.  Diante disso, defendeu mudanças na lei.

— Não se deve colocar limites aos valores de autuação para grandes catástrofes. É preciso punir de modo proporcional e adequado, para que os eventos não se repitam — afirmou.

Loteamento político

O presidente substituto do Ibama também criticou ainda a reduzida disponibilidade de servidores para atuar na fiscalização nos diferentes órgãos. No caso do Ibama, por exemplo, são cerca de 900 fiscais para cuidar de todo o país, inclusive a Amazônia. Também falou dos esforços do órgão para eliminar de seus quadros fiscais corruptos e criticou o “loteamento político” de órgãos de fiscalização.

Como exemplo, citou o caso da superintendência do Ibama no Espirito Santo, cujo titular já deveria ter sido substituído por “cidadão indicado politicamente, que não entende nada de meio ambiente”. A esse indicado, informou, caberia o comando das ações preventivas e de combate às contingências decorrentes da mancha [de lama na foz do Rio Doce]. Disse que “seria um desastre total”, mas a presidente do Ibama barrou a nomeação e está levando o caso para os canais políticos competentes.

— A Policia Federal é hoje a instituição Republicana que é, forte e respeitada, porque não tem loteamento político. O dia em que as nossas superintendências forem todas ocupadas por servidores de carreira, a gestão ambiental será de melhor qualidade — disse.

O deputado Cristiano Silveira, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, disse que o estado concentra 70% de toda a atividade de mineração do país e mais de 40 barragens de rejeitos. Segundo ele, o desastre ocorrido em Bento Rodrigues não foi fato isolado: nos últimos 15 anos, ocorreram seis rompimentos de barragens.  Ele propôs que as negociações para indenizações individuais dos prejudicados sejam intermediadas por defensores públicos. Ele também criticou os processos de licenciamento.

— Até o momento, a Sarmarco está colocada como possível ré no processo. Não é razoável que, nessa condição, faça negociação direta com as vítimas — afirmou.

Segurança

Tadzio Coelho, representante do Movimento Soberania Popular na Mineração, observou que o setor de mineração foi beneficiado pelo boom internacional de commodities da última década, o que resultou em pesado aumento na produção. Mesmo com o ciclo de baixa atual, as mineradoras continuam mantendo o ritmo, para preservar o faturamento. Ao mesmo tempo, deterioram as condições de trabalho e deixam de investir em ações necessárias à segurança operacional

— Fundão foi considerado empreendimento de baixo risco, estável, o que demonstra a incapacidade de ação do Estado — comentou.

A procuradora jurídica da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais, Priscila Ramos Netto Viana, lembrou que, pela Constituição, a atividade mineral deve ser exercida segundo o interesse nacional. Na prática, contudo, prevalecem os interesses do concessionário da exploração dos recursos. No licenciamento das operações, observou, os critérios de viabilidade econômica pesam mais do que os ambientais.

— Não se pode estar pedindo favor às mineradoras. Tem de se exigir que cumpram as leis — disse.

Priscila defendeu ainda um papel mais decisivo quanto ao modo de organizar as atividades de mineração, com normas mais rígidas nos planos diretores dos municípios. Assim como outros convidados, ela mostrou preocupação com as linhas do novo marco legal da mineração, agora em debate na Câmara dos Deputados. Citou, como exemplo, a orientação para que a decisão final sobre aspectos ambientais seja do DNPM, e não dos órgãos especificamente ambientais.

O presidente da Federação dos Trabalhadores das Indústrias Extrativistas de Minas Gerais, José Maria Soares, alertou para a possibilidade de novos acidentes como o ocorrido em Bento Rodrigues. Segundo ele, são centenas de barragem na mesma situação de insegurança. O sindicalista cobrou mudanças no modelo de licenciamento e mais fiscalização. Ele também criticou a forma como está sendo debatido o novo marco legal da mineração na Câmara, que considera muito apressado. Lembrou que a maioria dos parlamentares da comissão teve suas campanhas financiadas por mineradoras.

— Por que votar esse marco a toque de caixa? O texto não tem nada que seja em favor dos trabalhadores e das comunidades onde estão as reservas de minerais — protestou.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)