Regras para o Uber serão analisadas pelo Senado

Larissa Bortoni | 15/09/2015, 11h03

A relação entre as novas tecnologias e as leis é bem parecida com a do Papa-Léguas e o Coiote, desenho animado da Warner Bros. O lobo faz de tudo para alcançar a ave, mas nunca dá conta. No caso dos avanços tecnológicos, a legislação chega depois de o produto ou serviço estar estabelecido e, quando isso acontece, já há outra novidade.

O Papa-Léguas da vez é o Uber, o serviço de transporte individual e privado de passageiros. Disponível nas cidades de Belo horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, o aplicativo é alvo dos taxistas

Uma proposta para regulamentar o serviço prestado pelo Uber (PLS 530/2015) foi apresentada pelo senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES). Ele considera retrocesso a intenção de vereadores e deputados distritais, no caso de Brasília, de quererem proibir o aplicativo. Para Ferraço, em vez de sair criando caso, os agentes públicos deveriam abrir as portas para discutir o novo serviço:

— Por meio do debate, o convencimento pode se fazer presente, prevalecendo o interesse maior da sociedade. Compreendendo, evidentemente, as questões colocadas por cada segmento, por cada setor.

A Câmara Municipal de São Paulo aprovou no dia 9 deste mês projeto que proíbe o Uber na cidade. O texto seguiu para sanção do prefeito Fernando Haddad (PT). Também aguarda para ser sancionado pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), proposta que bane o Uber e outros aplicativos de transporte particular na cidade.

No Distrito Federal, o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) vetou, no começo de agosto,  projeto que impedia o Uber em Brasília. Ele argumentou que a proposta tinha vícios de inconstitucionalidade e abriu um prazo de 90 dias para debate com a sociedade.

Com o PLS 530/2015, Ferraço pretende que a regulamentação nacional de atividades como o Uber seja baseada em dois princípios: a igualdade na competição com os taxistas e o interesse do consumidor.

— É preciso que a concorrência se estabeleça e que as partes possam concorrer de forma igual. Mas esse mesmo princípio precisa ser observado, na medida em que é necessário que a gente também dê liberdade de opção às pessoas para que elas utilizem o táxi, utilizem o Uber ou utilizem o meio que lhes seja considerado mais vantajoso de acordo com a sua necessidade e o seu interesse — disse.

Projeto cria exigências para o serviço de “motorista parceiro”

A proposta apresentada pelo senador Ricardo Ferraço tem o objetivo de garantir a segurança e a confiabilidade dos serviços prestados por motoristas que compartilham seus veículos a partir do acesso a redes digitais. Os condutores dos automóveis são denominados como “motoristas parceiros” e o projeto deixa claro que eles não prestam serviços de transporte público de passageiros, mas “transporte privado individual”.  Devem também ser enquadrados como microempreendedores individuais ou no Simples nacional.

Os motoristas parceiros ficam impedidos de pegar passageiros nas ruas, ao contrário dos taxistas. Além disso, precisam ter na Carteira  Nacional de habilitação (CNH ) a observação de que o condutor exerce atividade remunerada.  Devem também ter certidões negativas de antecedentes criminais e um tipo de seguro que cubra os clientes em caso de acidentes — o Acidentes Pessoais a Passageiros (APP).

As empresas que oferecem o serviço são tratadas no projeto como provedor de rede de compartilhamento (PRC). De acordo com o texto, os provedores devem recolher o Imposto Sobre Serviços (ISS), nos mesmos padrões aplicados aos serviços de táxi. Apenas poderão atuar em uma região os registrados nos órgãos municipais ou distrital responsáveis pela fiscalização de trânsito. As cidades e o Distrito Federal poderão estabelecer taxa de licença anual a ser paga pelos provedores de rede de compartilhamento. A arrecadação deverá ser usada em obras e em programas de melhoria do transporte público.

Outra exigência é que, ao acessar o site ou o aplicativo, o usuário seja informado sobre quem é o motorista, inclusive com fotografia, o modelo do veículo e o número da placa.

O PLS 530/15 vai ser examinado inicialmente na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), tendo o senador Reguffe (PDT- DF) como relator.

Constituição

O artigo 170 da Constituição prevê que seja “assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”. O artigo 5º, por sua vez, diz que o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão é livre, desde que atendidas as qualificações profissionais estabelecidas pela legislação. Ricardo Ferraço argumenta que, diante do estabelecido pela lei maior do país, o poder público tem a obrigação de regulamentar as atividades.

— Faz-se necessária e urgente a regulamentação de um sistema que já opera no Brasil e cuja propagação é inevitável, a exemplo do que se vê no resto do mundo. Não regulamentar esse tipo de sistema vai contra o fomento ao desenvolvimento tecnológico, o direito de escolha do cidadão, os preceitos da política de mobilidade urbana, a livre iniciativa e a urgente necessidade de se diminuir o número de automóveis em circulação no país — defende.

Para senadora e consultor, foco da discussão deve ser o consumidor

Uma manifestação de taxistas contra o Uber parou ruas importantes do centro de São Paulo na quarta-feira da semana passada. No mesmo dia, os vereadores da capital paulista aprovaram o projeto que proíbe o uso da ferramenta na cidade.

Um dia antes do protesto, a empresa que administra o Uber divulgou que o aplicativo para smartphones usado para acessar o serviço foi baixado por 500 mil brasileiros.

O embate está estabelecido não apenas no Brasil, mas em outros países. Também na semana passada, taxistas tomaram conta das ruas das principais avenidas das cidades de Portugal em protesto contra o aplicativo.

No meio dessas manifestações todas, quem cuida do usuário do serviço, ou seja, o consumidor? A senadora Ana Amélia (PP-RS) quer essa resposta. Ela propôs e acontecerá em outubro na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH ) uma audiência pública para tratar dos direitos à mobilidade urbana e ao trabalho em face das inovações tecnológicas.

Ana Amélia chamou para a conversa representantes dos taxistas e do aplicativo Uber, mas também do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), ligado ao Ministério da Justiça, e do Instituto Brasileiro de  Defesa do Consumidor (Idec).

A senadora espera que esse diálogo possa esclarecer o que é melhor para o consumidor.

— O cidadão deve ter o direito de escolha do serviço que vai pagar.  Nós temos que compreender e analisar todos esses aspectos. Os próprios taxistas talvez devam melhorar o serviço. Essa é a forma de atender bem o princípio final? O que conta num serviço prestado? Qual o interesse maior? Tem que ser o usuário do serviço ou o produto? — questiona Ana Amélia.

Para a senadora, os taxistas e os motoristas ligados ao aplicativo têm que se preocupar em oferecer serviço de qualidade e preço compatível. Mas, na opinião da senadora, nenhum dos segmentos envolvidos está considerando esse aspecto da questão.

Novos agentes

O Cade divulgou um estudo no dia 4 em que defendeu a regulação do mercado, “visto que não há elementos econômicos que justifiquem a proibição de novos prestadores de serviços de transporte individual”.

O levantamento  "O Mercado de Trans — Porte Individual de Passageiros: Regulação, Externalidades e Equilíbrio Urbano" concluiu que novos agentes no mercado de transporte são positivos para o consumidor e possibilitam a concorrência.

“Elementos econômicos sugerem que, sob uma ótica concorrencial e do consumidor, a atuação de novos agentes tende a ser positiva”, informa o estudo do Cade.

Os economistas da instituição acreditam também que as mudanças trazidas pelos aplicativos vão permitir que taxistas que alugam licenças possam se transferir para o mercado de caronas pagas.

Na mesma toada, está o consultor do Senado Paulo Springer, que fez uma pesquisa sobre as novas tecnologias de transporte. Para ele, banir o Uber, bem como outros aplicativos de transporte particular do Brasil, é um desserviço à população.

Springer esclareceu que os argumentos dos que defendem a proibição do serviço são rasos. Um deles é que o táxi dá mais segurança ao usuário. Segundo o consultor, qualquer que seja a alternativa que atenda passageiros, é preciso haver regulamentação. São necessários controles para assegurar que os carros estejam em boas condições e que os motoristas tenham ficha limpa, afirma.

— Outra questão que eles citam é o problema do trânsito. Mas pense bem: quem usaria o Uber? Quem usa o táxi ou transporte particular. Para esses, um carro é trocado por outro.  Não vejo qualquer impacto no trânsito.  Na verdade, algumas pessoas advogam ao contrário. Quanto mais táxis ou carros do Uber em circulação, o trânsito pode melhorar. Os motoristas são mais experientes e reduz-se a procura por estacionamento — acredita.

Apesar de advogar que o foco desse debate é o consumidor, o consultor do Senado admite que haverá perdas aos taxistas. Ele faz uma comparação com o que aconteceu há bem pouco tempo com as pessoas que alugavam linhas fixas de telefone e perderam essa fonte de renda com a expansão da telefonia.

O consultor lembrou que há dois tipos de taxistas. Um é o motorista; o outro é o dono da licença para a exploração da atividade.

Às vezes é a mesma pessoa. No entanto, segundo Springer, o mais comum é o permissionário arrendar o veículo para condutores que pagam taxas que variam entre R$ 150 ao dia, em Brasília, e R$ 200, em São Paulo.

— Esse taxista já começa o dia no prejuízo. Quem está sendo prejudicado pelo Uber?  No curto prazo, são os que alugam a licença. Eles têm que pagar o aluguel e terão menos passageiros à disposição — afirma.

Na sequência, com a expansão da oferta, o valor do aluguel tenderá a cair. Aí, na avaliação do consultor, quem vai lucrar menos é o dono da licença.

Alvarás

Na cidade de São Paulo, são 34 mil alvarás ativos para o ofício de taxista. A prefeitura municipal não emite novas licenças por acreditar que a frota é suficiente para atender a população. No entanto, segundo a Secretaria Municipal de Transportes, o alvará pode ser transferido, desde que de maneira gratuita.

Apesar da proibição de comercialização das licenças, basta uma rápida pesquisa em sites de anúncios na internet para constatar que o mercado é aquecido.

No site Primeiramão, por exemplo, há a propaganda de um táxi completo à venda. O preço é a combinar. Reportagem do G1 publicada em 2 de setembro informa que desde 2012, a Prefeitura de São Paulo abriu 281 processos sobre venda e aluguel de licenças e cassou 128 alvarás.

Entre uma corrida e outra, o debate entre um taxista e um profissional ligado ao aplicativo

Marcos Naylan é taxista há três meses. Aluga uma licença para poder trabalhar. Vai para as ruas todo dia e conta que está gostando do novo ofício. Rogério Freitas é motorista do Uber desde fevereiro. Atuava em outra área, mas como passava muito tempo longe de casa, mudou de função. Assim como Marcos, diz estar adorando a nova opção de trabalho.

— Os brasilienses estão procurando muito o nosso serviço. Espero que saia uma regulamentação para que a gente possa trabalhar mais sossegado, além de fazer uma parceria com os taxistas. Eu acho que esse é o ponto principal — diz Rogério.

O desejo pela regulação do Uber também é defendido pelo taxista Marcos.

— Investimos tempo e dinheiro. Temos que fazer curso de formação, que é pago e dura até duas semanas. A gente paga o aluguel da licença. Há os custos com a documentação e com o cadastro nos órgãos públicos — conta.

Ele também se queixa do aluguel que tem que depositar todo santo dia na conta do dono do alvará do táxi.

— Ninguém gosta de sair de casa devendo. Nunca é bom. É um aluguel justo? Depende do ponto de vista. O dono da autorização acha que fez investimentos e o motorista entra apenas com a mão de obra. Logicamente que do nosso ponto de vista nunca é justo. A gente trabalha dez horas por dia para conseguir pagar o aluguel — avalia Marcos

Segundo ele, por causa do Uber, a autorização para ter um táxi em Brasília passou de R$ 120 mil há seis meses para R$ 80 mil agora. Rogério responde que para dirigir os carros que fazem parte da frota do Uber também há exigências custosas. Para começar, o interessado tem que ser dono do veículo.

— Me cobraram um nada-consta atualizado da Polícia Federal e da Polícia Civil. Além disso, necessitamos ter um seguro para os passageiros no valor de R$ 50 mil. A cada viagem o passageiro faz uma avaliação. Quando não somos bem avaliados, somos retirados da plataforma — diz o motorista do Uber.

Para Rogério, é importante que o poder público estabeleça regras claras sobre o serviço. Ele acredita, inclusive, que, com a atividade legalizada, taxistas que alugam licenças poderão ter uma oportunidade a mais de trabalho.

— O Uber é um serviço similar ao táxi, por isso defendo a regulamentação. É, porém, uma tecnologia nova e sempre a tecnologia vai chegar antes das leis.

O taxista Marcos não discorda completamente da existência do Uber. Diz que o interesse maior deve ser o do cliente, mas quer regras e exigências semelhantes para todos. Está ainda preocupado que uma lei federal não abrace as características regionais do Brasil.

— O Brasil é um país continental e é preciso respeitar as diferenças de cada região. O projeto deve ser bem elaborado e bem debatido com todos os envolvidos, inclusive a sociedade.

Regras para o Uber serão analisadas pelo Senado

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)