'Só o Congresso pode tornar o Banco Central independente', avalia consultor

Guilherme Oliveira | 20/04/2015, 09h26

A apresentação da PEC 43/2015, que dá mandatos fixos para a cúpula do Banco Central, reacendeu o debate sobre a independência do órgão. O senador Romero Jucá (PMDB-RR), autor da proposta, assegura que sua intenção é justamente essa. De acordo com um estudo publicado pela Consultoria Legislativa do Senado na última quarta-feira (15), Jucá tem razão: a primazia de fazer avançar esse tema está nas mãos do Congresso.

O trabalho do consultor Rafael Silveira e Silva, doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB), intitula-se Independência Ainda que Tardia: por que só o Congresso Nacional pode resolver a questão da independência do Banco Central?. De acordo com o estudo apenas o Congresso pode transformar a natureza do órgão e tirá-lo do controle hierárquico do Poder Executivo. Ainda de acordo com o estudo, o Legislativo pode se beneficiar com um BC independente, pois teria menos amarras políticas para supervisioná-lo.

O consultor concedeu a seguinte entrevista ao Portal de Notícias do Senado para expor suas conclusões:

Pelo aspecto econômico, a independência do Banco Central é positiva?

Não existe um consenso completo, mas existe uma forte percepção entre os estudiosos da economia, verificando o estudo comparado entre países que a adotam, de que a independência dos Bancos Centrais traz benefícios para a economia do ponto de vista da credibilidade da política monetária. Essa credibilidade facilita a administração do processo de controle inflacionário nesses países. Os arranjos institucionais que cada um elaborou para si, que tendem a mais independência para a autoridade monetária, costumam ser muito salutares e trazer resultados muito positivos. A influência política traz embutida a noção de curto prazo, de objetivos de governo, e não de Estado. Quando a gente fala de independência, estamos resgatando e buscando o papel do Estado, para garantir o valor da moeda. Agregar elementos políticos torna a condução da política monetária refém de interesses e objetivos de governo. Às vezes isso dá certo e às vezes não. Na história brasileira, colhemos bons frutos da experiência de metas de inflação quando determinou-se que o Banco Central fosse o gerente desse processo.

Por que, historicamente, o nosso Banco Central não ganhou independência?

A origem do Banco Central [criado em 1964] é voltada para a independência, mas rapidamente os governos militares converteram-no em poder para o presidente da República. Durante todo o período militar, as funções do Banco Central estiveram atreladas a objetivos políticos específicos: o desenvolvimentismo, o crescimento do Estado, o comando do Estado sobre a economia de maneira planejada, às vezes as necessidades específicas de grupos políticos. O Banco Central era um satélite do Ministério da Fazenda, tinha uma relação de submissão. O que surpreende é que, com a redemocratização, esse modelo não mudou. Os presidentes continuaram muito fortes e determinantes sobre os rumos e as tarefas do Banco Central. Quando os governos civis começaram a tocar a Presidência, eles se valeram do próprio sistema criado e desenvolvido pelos militares para manter o Banco Central submetido aos objetivos do Ministério da Fazenda e, obviamente, do presidente da República. E essa imagem de dependência perniciosa se perpetuou por muitos anos.

O que impede os governos democráticos de mudarem esse cenário?

Manter essa hierarquia é um poder muito relevante. Na nossa tradição histórica percebemos claramente que o presidente nunca abre mão da prerrogativa de manter o Banco Central sob condução rígida, como seu delegado. Por alguns anos, durante o mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), estivemos mais próximos da autonomia. Havia uma grande sintonia da equipe econômica, formada pelo tripé de Ministério da Fazenda, Ministério do Planejamento e Banco Central, que dava grande margem de liberdade para que o Banco Central buscasse seus objetivos. Mas não se cogitou nenhuma transformação institucional naquele momento porque o próprio presidente não permitiu que o assunto da independência avançasse. O Executivo jamais vai abrir mão desse controle.

Então cabe ao Congresso tratar do assunto?

Só o Legislativo é capaz de colocar isso na agenda, debater e, quem sabe, construir consenso em torno de uma iniciativa que torne o Banco Central independente. O ministro da Fazenda tem outras prioridades, mas isso não impede que o Congresso tome a frente dessa questão e seja protagonista. Mesmo que não se chegue ainda num consenso, é importante o Congresso ocupar esse espaço. Se o fizer, estará cumprindo sua função de debate democrático e circulação de ideias.

E por que o Congresso ainda não se posicionou?

Sempre houve muita resistência a essa agenda. No período militar o Congresso foi alijado de qualquer discussão de política econômica, e quando houve a redemocratização o modelo permaneceu centralizado. Os anos passaram, firmou-se a metodologia bem-sucedida de metas de inflação e a percepção de que a independência do Banco Central seja algo proibido vem arrefecendo. Não há unanimidade, mas já há espaço muito maior entre os parlamentares. A opinião pública especializada há anos vem trabalhando para vender essa ideia. Entendo que estamos entrando em um momento muito mais favorável.

O que mais contribui para esse momento?

No caso brasileiro, só nos momentos de crise da Presidência é que o Congresso descobre que pode ser proativo. O cenário atual, com muitos questionamentos ao Executivo e aparente grau de autonomia do ministro da Fazenda, cria um ambiente muito propício para que essa agenda ganhe espaço. Como há maior predisposição do Congresso em puxar assuntos sem pedir permissão, sem negociação prévia com o Executivo, entendo que é propício para que encontre espaço suficiente para que essa questão cresça. Há um ótimo espaço para isso.

As mudanças propostas pela PEC 43/2015 são um bom começo?

A proposta tem virtudes. Ela insere o Congresso no relacionamento entre o presidente do Banco Central e a Presidência da República, então torna o Congresso mais participativo na governança da política monetária. Já que o Senado chancelaria o início e o fim dos mandatos, ele serviria como árbitro quando houvesse divergências entre a condução econômica e os objetivos políticos do governo. Isso é muito relevante. O tema é complexo e não deve se esgotar só aí. Pode haver outros mecanismos de maior participação do Legislativo (maior supervisão, maios prestação de contas, mais instrumentos para fiscalização) e de descolamento institucional (autonomia financeira e administrativa, reposicionamento na organização do Estado, corpo funcional). O debate tem várias facetas e o Congresso tem que se inserir. Ele também pode se beneficiar.

Como assim?

Dependendo do modelo institucional escolhido para a independência do Banco Central, o Legislativo também pode se tornar "independente". Quanto mais descolados do governo estiverem os dirigentes da autoridade monetária, mais independente vai ficar a supervisão do Congresso, que hoje funciona sistematicamente na dinâmica do presidencialismo de coalizão. Se a autoridade está razoavelmente separada da Presidência da República, o parlamentar da base vai sentir independência para cobrar e questionar. Não vai haver situação ou oposição, vai haver o Congresso Nacional fazendo uma de suas funções principais, que é a fiscalização.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)