Senado discute atualização do Código Civil que reconhece vínculos de socioafetividade
O Senado analisa o projeto de lei (PL 4/2025), do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que prevê uma ampla atualização do Código Civil brasileiro. Entre os principais pontos está o reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva — vínculos familiares construídos no afeto, mesmo sem relação genética. O texto prevê o reconhecimento judicial obrigatório para menores de idade e a possibilidade de registro extrajudicial para adultos, desde que haja consentimento entre todos os envolvidos.

Transcrição
UM NOVO CAPÍTULO SOBRE AS RELAÇÕES FAMILIARES ESTÁ PRESTES A SER DEBATIDO NO SENADO. A PROPOSTA, APRESENTADA NESTE ANO, PRETENDE OFICIALIZAR O AFETO COMO BASE LEGÍTIMA PARA FILIAÇÃO.
A IDEIA É DAR MAIS SEGURANÇA JURÍDICA A LAÇOS FAMILIARES CONSTRUÍDOS NAS RELAÇÕES DE CONVIVÊNCIA E NO CUIDADO, MESMO SEM VÍNCULO BIOLÓGICO. A REPORTAGEM É DE PAULO BARREIRA.
O projeto, de autoria do senador Rodrigo Pacheco, do PSD de Minas Gerais, propõe uma reformulação completa da legislação civil brasileira, em vigor desde 2003. A ideia é tornar o Código Civil mais claro e eficaz, refletindo e acompanhando as transformações sociais, tecnológicas e jurídicas ocorridas ao longo das últimas décadas no país. Seu maior objetivo é assegurar a autonomia da vontade das pessoas, além de promover a desjudicialização de atos e procedimentos, sempre respeitando o princípio da segurança jurídica e a eficiência nas relações civis.
Entre as inovações, o texto inclui um capítulo inédito que trata da socioafetividade, que ocorre quando uma pessoa exerce o papel de pai ou mãe com base no afeto, e não no vínculo biológico. Na prática, isso significa que padrastos, madrastas, avós, tios ou qualquer pessoa que tenha criado uma criança com amor, cuidado e responsabilidade, poderão ser reconhecidos legalmente como mãe ou pai. Essa relação passa a ter o mesmo peso jurídico da filiação biológica, inclusive com a possibilidade de multiparentalidade, quando mais de dois responsáveis compartilham a função de pais.
Diferentemente do que já ocorre, o projeto prevê o reconhecimento judicial obrigatório da filiação socioafetiva para crianças e adolescentes menores de 18 anos, enquanto o reconhecimento extrajudicial, ou seja, quando os interessados buscam um cartório para formalizar essa relação, passará a permitido apenas para maiores de idade, desde que haja o consentimento de todas as partes envolvidas.
Segundo dados extraídos pela Rádio Senado do DataJud, painel de estatísticas do CNJ, o número de ações judiciais que buscam o reconhecimento de paternidade ou maternidade socioafetiva segue em crescimento no Brasil. Com cerca de 370 processos neste ano, o Paraná lidera pelo segundo ano consecutivo o número de novos casos, seguido por Goiás e Minas Gerais.
Carlos Elias, consultor legislativo e membro da Comissão que elaborou o texto, afirmou que o projeto não cria algo novo, mas dá respaldo legal ao que já é reconhecido na Justiça. Para ele, transformar esse entendimento em lei traz mais segurança para diferentes arranjos familiares.
(Carlos Elias) “Ele não inova, ele apenas coloca por escrito aquilo que hoje já é admitido, isso porque a Constituição Federal, ela garante uma pluralidade dos arranjos familiares. Então nós temos diferentes modelos de família e a ideia é que a gente tem que reconhecer esses diferentes modelos. O que o projeto faz é colocar isso por escrito para dar segurança jurídica. Essa segurança jurídica é necessária porque, apesar de ter decisão do Supremo e ter decisão do STJ, a gente tem que reconhecer que a falta de previsão legal expressa pode gerar no futuro alguma reviravolta”
Ele também destacou que, na prática, nem sempre o vínculo biológico representa a presença ou o cuidado. Por isso, segundo o consultor, o reconhecimento da socioafetividade é uma forma de fazer justiça a partir da realidade concreta de muitas famílias brasileiras.
(Carlos Elias) “A proposta, de uma certa forma, ela passa um recado de que a gente sempre vai buscar justiça nos casos concretos. O vínculo biológico e determinismos biológicos não são a base de sustentação da sociedade brasileira. O vínculo biológico continua tendo prevalência, mas nós temos que reconhecer que nem todo mundo tem a família ‘Claybom’ que todo mundo está bem, às vezes o pai biológico nunca está presente. Nós temos que fazer justiça nos casos concretos e me parece que o projeto andou bem nesse ponto porque não tem prejuízo para ninguém”.
O projeto revisa quase 900 artigos e inclui cerca de 300 novos dispositivos. Além da socioafetividade, o novo Código Civil trata de contratos digitais, proteção de dados, relações familiares contemporâneas e novas formas de organização da vida em sociedade. No momento, o projeto aguarda análise das comissões do Senado. Sob a supervisão de Alexandre Campos, da Rádio Senado, Paulo Barreira.

